No Brasil, a desigualdade social tem sido apresentada nas últimas semanas pelo Congresso e parte da imprensa como uma questão de antagonismo moral. Assim, debates sobre taxação de grandes fortunas ou isenção de impostos para os mais pobres são enquadrados como embates entre “nós” e “eles”, como se o simples fato de discutir justiça fiscal fosse um gesto de rancor, e não de reequilíbrio social.
Esse enquadramento ignora o abismo que separa os mais ricos do restante da população. Segundo estudo da Oxfam Brasil de 2019, apenas os seis brasileiros mais ricos acumulam mais do que os 100 milhões mais pobres juntos. Ainda assim, parte significativa da imprensa evita chamar isso pelo nome: concentração extrema de renda. Prefere, objetivamente, tratar qualquer crítica estrutural a esse estado insuportável das coisas como “discurso de ódio”.
Aqui, preparei uma lista simples com alguns dados que podem ajudar a radiografar melhor quem é afinal esse terrível povo que anda incomodando o sono dos abastados.
Nós – O salário mínimo atual é de R$ 1.518 – cerca de 59 milhões de pessoas no Brasil têm rendimento nesse piso
Eles – a renda média mensal do 0,01% mais rico é de R$ 140 mil
Nós – A renda dos 95% mais pobres do Brasil — cerca de 146 milhões dos brasileiros — teve aumento de 33% entre 2017 e 2022
Eles – A renda dos 0,01% mais rico do país (15 mil pessoas) teve variação positiva de 96% no mesmo período – o triplo.
Nós – ano passado, entre os 5% mais pobres no País, 10,9 milhões de pessoas contavam com R$ 154 por mês por pessoa da família, ou seja, pouco mais de R$ 5 por dia.
Eles – O 1% mais rico do Brasil (somente 2,2 milhões de pessoas entre os 211 milhões de brasileiros/as) têm um rendimento médio mensal 39,2 vezes maior que os 40% com os menores rendimentos.
Nós – O rendimento médio dos 40% mais pobres foi de, em média, R$ 527 por mês.
Eles – Já o rendimento médio mensal real domiciliar per capita (renda média de um domicílio dividida pelas pessoas que ali moram) do 1% mais rico foi de R$ 20.664.
Nós – Segundo a Oxfam, quem recebe um salário mínimo leva 19 anos para ganhar o que os super ricos (0,1% dos brasileiros) ganham em apenas 1 mês.
Eles – em 2024, os 10% mais ricos do país recebiam 13,4 vezes mais do que os…
Nós – … 40% mais pobres.
Eles – Os seis homens mais ricos do país possuem o equivalente à riqueza dos 50% mais pobres – cerca de 100 milhões de pessoas, segundo a Oxfam.
Eles – os 10% mais ricos concentram quase 57% da renda total do país
Nós – No Brasil, a desigualdade é ainda mais forte que em países europeus: aqui, os mais ricos recebem quase 7 vezes mais que os mais pobres.
Eles – durante a pandemia, os mais ricos registraram perdas de apenas 1,5%
Nós – no mesmo período, a classe média perdeu 4,2% de seus rendimentos.
Eles – o rendimento médio dos homens brancos era 69,9 % maior que o dos negros (R$ 3.847 x R$ 2.264)
Nós – Uma mulher negra, em média, ganha apenas 43 % do salário de um homem branco – ou mesmo 57 % menos, segundo o IBGE. Mulheres devem esperar até 2047 para alcançar igualdade salarial, negras até 2089, em relação aos homens.
Eles – No ensino fundamental, 91% dos alunos de alta renda jamais repetiram o ano
Nós – entre alunos de baixa renda, esse índice é de 75% (diferença de 16 pontos, o Brasil está entre os 11 países com maior desigualdade educativa)
Eles – 91% dos alunos de alta renda têm mães com ensino médio completo
Nós – entre alunos de baixa renda, esse número cai para 38%
Eles – quem recebe mais de R$ 23.850 por mês gasta apenas 7,6% do orçamento com alimentação — três vezes mais peso para os mais pobres
Nós – Famílias com renda de até dois salários mínimos (≤ R$ 1.996) alocam 22% da renda com a comida
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Eles – Ricos consomem cerca de 429 kg de alimento per capita por ano — mais que o dobro de…
Nós – Baixa renda consome cerca de 199 kg de alimento per capita por ano
Eles – “Ricos comem muito mais e melhor que todos: 187% mais hortaliças e 303% mais frutas que os 25% mais pobres” (dados de 2020)
Nós – A insegurança alimentar moderada ou grave atingia 20,6 milhões de pessoas (7,4 milhões de famílias brasileiras, ou 9,4% do total) no último trimestre de 2023. A insegurança alimentar leve afeta 14,3 milhões de famílias 43,6 milhões de pessoas
Eles – Mais ricos conseguem ter mais acesso a alimentos orgânicos, que custam entre 10% e 30% a mais que alimentos “convencionais”
Nós – 50,9% dos domicílios com insegurança alimentar moderada ou grave têm renda per capita inferior a meio salário mínimo (≤ ~R$ 706)
Eles – Entre as classes A/B, quase 100% têm acesso à internet (dados de 2024)
Nós – Entre as classes D/E, o percentual é de apenas 68%
Eles – Sete por cento dos mais ricos não têm conexão fixa ou apenas banda larga móvel
Nós – Essa estrutura é a realidade de 41% dos lares de menor renda
Eles – O pesquisador Germán Freiberg, do Laboratório de Análises Geoespaciais (LabGeo) informa: “Apenas os 30% de maior renda conseguem acessar mais do que 20% do emprego da cidade”
Nós – “A metade mais pobre, os 50% de menor renda, não acessam sequer 10% dos empregos em uma hora de transporte público”
Eles – Quando a pesquisa faz o recorte de raça e classe social, mostra que a população branca de classe alta consegue acessar mais do que 20% dos empregos…
Nós – … Enquanto a população negra, mesmo de classe alta, tem menor acessibilidade de empregos do que a população branca, mesmo de classe média e baixa.
Eles – 34% dos brancos vivem em cidades sem cinemas; 25% dos brancos vivem em cidades sem museus (dados IBGE, 2019)
Nós – 44% dos pretos e pardos vivem em cidades sem cinemas; 37% do mesmo público em cidades sem museus
Eles – Despesas com atividades culturais representavam 26,2% de famílias com rendimento acima de R$ 5.724, mostrou o IBGE nesta pesquisa de 2018
Nós – As famílias com rendimento de até R$ 1.908 comprometiam apenas R$ 82,15 de suas despesas com as mesmas atividades, 5,9% abaixo da média nacional (7,5%)
Nós – Como morremos também tem relação com nossos índices de desigualdade. A menor condição socioeconômica (pobreza, baixa escolaridade, inequidade, vulnerabilidade) se relaciona a taxas de mortalidade mais altas como: mortes por causas externas (homicídios, suicídios, acidentes), mortalidade fetal e infantil, doenças respiratórias e circulatórias, AVC, doenças infecciosas, parasitárias, má nutrição, gastroenterites, câncer de orofaringe.
Eles – Entre os mais ricos, menos fatores de adoecimento/doenças aparecem: câncer colorretal, leucemia e alguns tipos de neoplasias. Além disso, acidentes de trânsito e suicídio.
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Os dados de desigualdade social no Brasil, um dos campeões nessa seara no mundo, seguem. Apesar de abundantes, são significativamente esquecidos pela maioria do Congresso Nacional e a imprensa comercial brasileira, muito bem definida nesse post do professor Dennis de Oliveira, da USP.
Para saber mais: 1.Mapa da Riqueza; 2. Desigualdade social e saúde no Brasil; 3. A normalidade da desigualdade social e da exclusão educacional no Brasil.
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
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