Câmara que aprovou PL da Devastação é mais antiambientalista do que no governo Bolsonaro, revela estudo

Câmara que aprovou PL da Devastação é mais antiambientalista do que no governo Bolsonaro, revela estudo

Índice mostra que ultraliberais andam juntos com quem apoia a agenda antiambiental. Kim Kataguiri, Bibo Nunes e José Medeiros lideram ranking dos maiores inimigos do meio ambiente.

Câmara que aprovou PL da Devastação é mais antiambientalista do que no governo Bolsonaro, revela estudo

A Câmara dos Deputados, que aprovou nesta quinta-feira, 17, o projeto de lei 2159/21, conhecido como PL da Devastação, está ainda mais antiambientalista do que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Mas não são apenas as figurinhas carimbadas da extrema direita e da Bancada Ruralista que puxam essa agenda. Cada vez mais, políticos que defendem o ultraliberalismo têm sido decisivos para fazer a boiada passar.

É o que aponta um estudo inédito que estima o impacto climático da atividade legislativa dos deputados federais brasileiros. A análise foi feita a partir do CO2-Index, um índice que calcula o quanto cada parlamentar contribuiu para aumentar ou reduzir as emissões de gases de efeito estufa no país e que é calculado a partir de três ações dos políticos: votações, discursos e projetos de lei apresentados. 

A metodologia foi desenvolvida pelo vice-líder do Observatório de Elites Políticas e Sociais do Brasil, Mateus de Albuquerque, e a equipe do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia, Representação e Legitimidade Democrática, o INCT-ReDem.

Olhando para as atividades durante a 56º legislatura, entre os anos de 2019 a 2022, os pesquisadores já haviam identificado que a Câmara dos Deputados teve uma postura mais pró-emissões durante todo o mandato passado. E que foram os políticos de direita que lideraram as posições antiambientais.

A pedido do Intercept Brasil, o pesquisador fez uma nova análise  considerando apenas os 276 deputados que estiveram com mandato ativo na legislatura passada e permanecem atuando no cargo atualmente. O resultado foi que eles contribuíram ainda mais para as emissões de gases do efeito estufa do que o quadro geral da legislatura passada.

A análise também evidenciou que a ideologia partidária importa agora ainda mais do que na era Bolsonaro na presidência. “Mesmo que a gente possa identificar contradições ambientais em todos os espectros ideológicos, a ideologia partidária ainda importa. A direita e os interesses que ela defende são os principais responsáveis pelo colapso climático”, avalia Albuquerque. 

No estudo, os pesquisadores definem como “emissores” os deputados que mais apoiaram projetos que impactam negativamente nas emissões ou votaram e discursaram nesse sentido. Já os parlamentares que propuseram projetos que ajudam a reduzir as emissões de gases ou discursaram e votaram nessa linha são chamados de “mitigadores”.

No top 10 do ranking de “emissores” da atual legislatura, aparecem sete deputados do PL: Bibo Nunes, do RS, José Medeiros, do MT, Nelson Barbudo, do MT, Zé Vitor, de MG, Delegado Éder Mauro, do PA, Caroline de Toni, de SC e Coronel Tadeu, de SP. Completam a lista um do União Brasil, Kim Kataguiri, de SP, que está em primeiro lugar no ranking, um do MDB, Sergio Souza, do PR, e um do Republicanos, Silas Câmara, do AM.

DEPUTADOS QUE MAIS CONTRIBUEM PARA EMISSÕES

NomePartidoUF
Kim KataguiriUnião BrasilSP
Bibo NunesPLRS
José MedeirosPLMT
Nelson BarbudoPLMT
Zé VitorPLMG
Delegado Éder MauroPLPA
Sergio SouzaMDBPR
Silas CâmaraPRBAM
Caroline de ToniPLSC
Coronel TadeuPLSP

Já o top 10 do ranking de mitigadores, estão seis deputados do PT: Nilto Tatto, de SP, Erica Kokay, do DF, Pedro Uczai, de SC, Patrus Ananias, de MG, José Guimarães, do CE, e João Daniel, de SE. Também aparecem um do PSD, Célio Studart, do CE, dois do PSOL, Talíria Petrone, do RJ,  e Ivan Valente, de SP, e uma do PCdoB, Jandira Feghali, do RJ.

DEPUTADOS QUE CONTRIBUEM MENOS PARA EMISSÕES

NomePartidoUF
Nilto TattoPTSP
Erika KokayPTDF
Célio StudartPSDCE
Pedro UczaiPTSC
Talíria PetronePSOLRJ
Jandira FeghaliPCdoBRJ
Patrus AnaniasPTMG
José GuimarãesPTCE
Ivan ValentePSOLSP
João DanielPTSE

O peso do ultraliberalismo na agenda antiambiental

O deputado federal Kim Kataguiri.
O deputado federal Kim Kataguiri, do União Brasil de São Paulo, ocupa o primeiro lugar no ranking de quem mais contribui para emissões na Câmara e votou a favor do PL da Devastação. (Foto: Karime Xavier/Folhapress)

A oposição às políticas ambientais no país tem um parceiro relevante e que nem sempre aparece nas figurinhas carimbadas do Congresso: o ultraliberalismo e a sua agenda desregulatória. Essa configuração ficou evidente na última legislatura, durante o governo Bolsonaro, mas ainda se mantém com força na Câmara e pode piorar até as eleições de 2026.

A análise feita por Albuquerque para o Intercept mostra que o topo de lista de deputados com atividades que contribuem para a emissão de gases do efeito estufa, entre aqueles que se mantiveram no Congresso, é ocupado pelo deputado Kim Kataguiri, do União Brasil. 

Kataguiri ocupava o terceiro lugar na lista dos que mais contribuíram para as emissões na legislatura passada, que tinha pelo menos quatro deputados do partido Novo. Entre os mais emissores, de acordo com o índice calculado durante o governo Bolsonaro, seis deles permanecem no Congresso e ocupam os seis primeiros lugares da atual lista de quem mais tem um mandato antiambientalista: Kim Kataguiri, Bibo Nunes José Medeiros, Nelson Barbudo, Zé Vitor e Delegado Éder Mauro.

“Nesse top 10, a gente tem deputados ligados ao agro, como Nelson Barbudo, ligados à mineração, como Éder Mauro, mas tem alguns deputados e, principalmente no topo do topo, que não são necessariamente ligados ao antiambientalismo e sim ao ultraliberalismo”, afirma Albuquerque. 

Para o pesquisador, isso demonstra “uma conexão muito forte entre ultraliberalismo e antiambientalismo” na Câmara brasileira, uma conexão que nem sempre fica evidente, diz Albuquerque, como a que existe entre a extrema direita e o fundamentalismo religioso. “O ultraliberalismo é eminentemente antiambiental. É uma ideologia desregulatória, de redução do estado”, afirma.

Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, a atual composição do Congresso carrega consigo a soma da agenda antiambiental do governo Bolsonaro com as ações antiambientalistas já existentes no legislativo e a ascensão da pauta desregulatória no Brasil na última década.

“Pouco a pouco, é diminuído o regramento, o ordenamento legislativo de proteção ambiental. E muitas dessas coisas são feitas em nome de uma agenda de desenvolvimento, como se o meio ambiente atrapalhasse o desenvolvimento do país, o que absolutamente não é verdade”, afirma Astrini.

Conhecido como um dos co-fundadores e coordenadores do Movimento Brasil Livre, o MBL, Kataguiri, do União Brasil de SP, lidera o ranking dos deputados que mais contribuíram para as emissões de gases porque discursou várias vezes a favor do PL da Devastação e foi relator do projeto substitutivo

É de autoria do deputado o texto que possibilita a exclusão de impactos indiretos das obras no licenciamento e a aplicação do autolicenciamento mesmo para obras de grande impacto, como o asfaltamento e duplicação de rodovias na Amazônia. Na legislatura passada, também foram as ações pró-PL da Devastação que colocaram os ex-deputados Paulo Ganime e Alexis Fonteyne, ambos do partido Novo, nas primeiras posições do ranking.

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Bibo Nunes, do PL do RS, ocupa o segundo lugar da lista por ser o autor do projeto de lei 2569/2022, que propõe flexibilizar o uso de herbicidas hormonais com o princípio ativo 2,4-D, um tipo de agrotóxico proibido em países como Austrália e Canadá e que já foi usado como arma de guerra pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.

O terceiro lugar é ocupado por José Medeiros, do PL de Mato Grosso, por ser um dos autores PL 5786/2019, que permite que o auto de infração ambiental seja feito por fotos e vídeos, flexibilizando o processo de fiscalização ambiental.

“Há muitos setores da economia que não querem responder ao direito público ou ao bem coletivo. O movimento que existe é sempre de fazer com que o desejo do empreendedor ou do setor seja maior ou mais poderoso do que o bem coletivo”, afirma Astrini, do Observatório do Clima. 

Segundo ele, a ofensiva contra a pauta ambiental ocorre, justamente, porque questões relacionadas ao meio ambiente geralmente são coletivas. “O que se faz com essa desregulamentação é que aquele empreendimento que desvirtua um rio fica valendo mais do que todo o restante que o rio beneficia”, pontua.

O PL da Devastação, na visão de Astrini, é a exacerbação dessa agenda ultraliberal no Congresso. “O licenciamento ambiental é aquele instrumento que o Estado usa para regulamentar direitos. Eu tenho um direito individual de construir algo, mas eu tenho que respeitar uma série de regras que garantam o direito coletivo”, destaca. 

A Bancada Ruralista segue fazendo coro

SÃO PAULO (SP), 13/07/2025 - PROTESTO/CONTRA/PL DA DEVASTAÇÃO/SP - Manifestação, na Av. Paulista, região centro-sul de São Paulo, contra o "PL da Devastação" e pela justiça climática. Neste domingo (13). (Foto: Wagner Origenes/Ato Press/Folhapress)
PL 2159/21 foi aprovado por 267 votos a favor e 116 contrários na Câmara. (Foto: Wagner Origenes/Ato Press/Folhapress)

Dos 276 deputados que estavam na legislatura passada e ainda permanecem na Câmara, 188 integram a Frente Parlamentar da Agropecuária, a FPA, conhecida como Bancada Ruralista. De acordo com a análise feita por Albuquerque para o Intercept, considerando estes nomes, um deputado tem 205% mais chances de ter uma atividade parlamentar que contribui para as emissões de gases do efeito estufa se ele faz parte da Bancada Ruralista.

A análise do CO2-Index também mostra que 150 parlamentares tiveram um mandato antiambientalista; destes, 126 fazem parte da Bancada Ruralista. Do top 10 daqueles considerados pelo índice os mais antiambientalistas, nove são integrantes da bancada. 

O deputado Nelson Barbudo, do PL, o quarto lugar da lista de maiores contribuintes da agenda antiambiental na Câmara, por exemplo, defende que Mato Grosso, estado que representa no legislativo, deixe de fazer parte da Amazônia Legal. Barbudo votou, por exemplo, 72 vezes em apoio a projetos que ajudam a emitir gases do efeito estufa, além de ser autor de cinco projetos nessa linha.

Já o deputado Zé Vitor, do PL de MG, relator do PL da Devastação na Câmara, é autor de seis projetos considerados emissores. Outro integrante da lista, o deputado Delegado Éder Mauro, do PL do Pará, votou a favor de 61 projetos considerados emissores, dentre eles o Projeto de Lei 2633/2020, conhecido como o PL da Grilagem. 

Considerando apenas a legislatura passada, o agro foi o setor mais presente nos tipos de projetos analisados, nas votações nominais e também nos projetos considerados mais impactantes para a emissão de gases. “A gente fez uma regressão linear para mostrar se tem causalidade entre uma coisa e outra, entre estar nessas frentes parlamentares e emitir”, explica Albuquerque.  

O resultado mostrou que, entre 2019 e 2022, a chance de algum deputado que estava na FPA tomar uma atitude antiambiental, do ponto de vista de emissões, era de 134%. No período, quem estava na frente associada ao setor da mineração tinha 55% mais chances de ter atitudes antiambientais. 

A situação é ruim, mas pode piorar

Márcio Astrini, do Observatório do Clima, estima que hoje há mais de 50 projetos com cunho anti regulatório no Congresso e, mesmo quando não integram a Bancada Ruralista, os políticos ultraliberais atuam alinhados a muitos dos projetos amplamente defendidos pelos integrantes da frente parlamentar do agro. 

Segundo Astrini, um dos problemas do Congresso é estar pensando cada vez mais nos interesses individuais e menos no coletivo, o que não acontecia num passado recente. 

Em 2017, lembra o secretário-executivo do Observatório do Clima, o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia, então do PSDB do RJ, chegou a se comprometer a não votar o PL da Devastação sem consenso. Já em 2022, o ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD de MG, chegou a defender que as pautas ambientais não poderiam ser atropeladas. 

“O problema é que essas pessoas, que têm alguma preocupação com o país hoje, seja na agenda ruralista, bolsonarista ou neoliberal, estão cada vez mais escassas dentro do Congresso”, afirma Astrini. Pelo contrário, há cada vez mais parlamentares aliados do desmatamento, da grilagem de terra e da extração ilegal da madeira.

“Se a gente aprovar todas as legislações de retrocesso ambiental que existem hoje no Congresso, não sobra uma árvore protegida no país. Não sobra uma terra indígena, uma unidade de conservação, uma nascente de rio com proteção”, alerta.

‘A direita e os interesses que ela defende são os principais responsáveis pelo colapso climático’

E a situação pode piorar com as eleições de 2026, diz Astrini, pois a agenda ultraliberal antiambientalista é também um instrumento político para tensionar o governo Lula – que, se não vetar projetos como o PL da Devastação, pode trair promessas de campanha. Além disso, afirma Astrini, essas pautas servem para, às margens da COP30, demonstrar a fragilidade do governo.

“E o governo também não é santo dessa agenda toda porque não faz o dever de casa dentro do Congresso, né?”, lembra ele. Albuquerque lembra ainda que políticos pró-estado também podem ter atitudes ultraliberais ou apoiar projetos que tem como justificativa o desenvolvimento, caso da exploração de petróleo na Foz do Amazonas. 

Enquanto 2026 não chega, o secretário-executivo do Observatório do Clima diz que, pelo menos durante o recesso do parlamento, previsto para as próximas duas semanas, a agenda ambiental não está sob risco. “Fora do recesso, é risco 24 horas por dia”, conclui.

Como os pesquisadores fizeram o índice

Para criar o índice e calcular quanto cada deputado contribuiu para as emissões de gases do efeito estufa a partir das suas ações na Câmara, os pesquisadores utilizaram o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, o SEEG, elaborado pelo Observatório do Clima, que fornece estimativas anuais de emissões dos gases divididas por estado e setores emissores. 

Para cada votação nominal, discurso em plenário e projeto proposto, foram atribuídos pesos referente às emissões líquidas estimadas em CO2 no ano em que a ação ocorreu. 

Eles também separaram apenas os projetos que contribuíam diretamente de forma negativa ou positiva nas emissões. Foram consideradas 617 votações nominais, 370 proposições legislativas e 2.453 projetos de lei. Cada um foi vinculado, de acordo com sua pauta, a um setor emissor, de acordo com a lista do SEEG: agropecuária, energia, mudanças da terra e floresta, processos industriais e resíduos.

Alguns projetos foram vinculados a mais de um setor emissor porque englobam múltiplas atividades econômicas. As emissões também foram calculadas levando em consideração o estado em que o projeto seria implementado.

‘Se a gente aprovar todas as legislações de retrocesso ambiental que existem hoje no Congresso, não sobra uma árvore protegida no país’

O índice desconsiderou atividades como emendas, ementas, requerimentos e atividades em comissões, para focar em atividade parlamentar derivada mais diretamente da iniciativa do próprio parlamentar e permitir replicar a metodologia em outras casas legislativas brasileiras. 

A fim de evitar vieses na seleção, eles submeteram a classificação a um painel de especialistas na área climática e do meio ambiente. “Um deputado vota muito mais vezes do que propõe leis ou discursa em plenário. Então, usamos uma normalização para que todos os elementos tivessem o mesmo peso”, explica Albuquerque. 

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

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