O eleitor brasileiro se sente excessivamente taxado, mas, na hora de definir quem deve pagar mais, a opinião predominante é que os mais pobres devem ter isenção e os mais ricos devem arcar com uma fatia maior de imposto de renda.
Pesquisas nos últimos anos já mostraram o apoio do eleitor brasileiro a uma maior taxação dos mais ricos, mas um levantamento recente apresentado nas últimas semanas pelo Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo, USP, lança um olhar mais detalhado para esse apoio.
O “Estudo sobre as preferências dos eleitores em relação à tributação no Brasil”, dos pesquisadores Marta Arretche e Eduardo Lazzari, entrevistou 2.542 eleitores, oferecendo opções objetivas de faixa de renda e alíquota tributária. O objetivo é ter uma clareza da opinião dos brasileiros, tendo em vista que, em pesquisas anteriores, havia uma confusão sobre quem são os mais ricos.
“Parte da confusão é que o eleitor não sabe dizer se ele é rico ou se é pobre. Essa pergunta supõe que você já deve ter visto gráficos sobre a distribuição de renda no Brasil. Eu já cansei de apresentar esse gráfico e, de modo geral, as pessoas ficam chocadas. Mesmo as pessoas bem informadas não sabem o quão pouco a maioria das pessoas no Brasil ganha”, explica ao Intercept Brasil a professora do departamento de Ciência Política da USP, Marta Arretche.
E qual a conclusão do estudo mais recente? O eleitor é a favor da isenção fiscal para pessoas de baixa renda; os brasileiros, em sua maioria, apoiam um sistema tributário progressivo (com taxas mais altas para os mais ricos), mas as alíquotas ideais a serem pagas pelos mais ricos se estabilizam em níveis relativamente baixos.
“O brasileiro apoia a isenção dos mais pobres, seguramente até uma faixa de renda de R$ 4 mil. De R$ 4 mil a R$ 6 mil fica um pouco confuso, mas já se aceitaria algum nível de tributação. E o brasileiro apoia alíquotas mais altas para quem ganha mais, porém com taxas baixas. O que isso quer dizer? Para quem ganha R$ 15 mil por mês, o apoio está em torno de uma taxação efetiva de 15%”, detalha Arretche.
A pesquisa foi realizada em abril de 2024, presencialmente e com tablets. Na ocasião, ainda não havia sido divulgada a proposta do governo federal de uma isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil e uma tributação com taxa efetiva de 10% para quem ganha renda mensal de R$ 50 mil. No entanto, para a pesquisadora, os resultados indicam que a proposta seria apoiada pela maioria do eleitorado.
Embora exista este apoio à tributação mais progressiva por parte do eleitorado brasileiro, os pesquisadores se depararam com um grande desconhecimento sobre impostos. Os entrevistados também passaram por um teste de conhecimentos sobre tributação.
“O nível de informação é baixíssimo. Para você ter ideia, a gente fez a pesquisa no meio do debate sobre a reforma tributária da renda, e ninguém sabia dizer direito”, lembra a pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole.
Confira a entrevista:
Intercept – Quais os principais problemas do sistema tributário brasileiro?
Marta Arretche – O fato do sistema tributário brasileiro ser tão regressivo, no sentido de que os mais ricos pagam uma alíquota efetiva muito mais baixa do que a classe média e os mais pobres, é inaceitável do ponto de vista moral. Tem dois problemas na tributação brasileira: os mais ricos pagam menos do que os mais pobres, e as pessoas com a mesma renda pagam alíquotas muito diferentes. O nosso problema não é apenas de carga tributária, mas principalmente de distribuição dessa carga.
Como você avalia a campanha recente do governo federal por mais justiça tributária?
Eu sou favorável a mudanças na legislação do imposto de renda, que reduzam as enormes distorções que o sistema tem. Mas o que eu acho que está acontecendo agora, é, na verdade, uma antecipação do calendário de 2026.
Basicamente, uma parte da imprensa, uma parte dos setores produtivos e uma parte da opinião pública pressionam o presidente Lula para fazer cortes de gastos em programas que afetam negativamente a sua própria base eleitoral. Cortar o salário mínimo, BPC, Bolsa Família. Isso, ele já deixou muito claro que não vai fazer porque considera isso um suicídio político. Ele não vai para 2026 tendo rompido a conexão eleitoral com a sua própria base. E aí o governo tem apresentado propostas que visam corrigir essas distorções tributárias.
E, por outro lado, o Centrão no Congresso – que eu acredito que já desembarcou do governo e está embarcando em uma outra candidatura – tem uma orientação de não aprovar nada que permita a recuperação da popularidade do presidente Lula.
Restou ao presidente Lula recorrer ao STF e à mobilização de sua base eleitoral.
Estudos anteriores já mostraram que o eleitor brasileiro apoia uma maior tributação dos mais ricos, mas não havia uma objetividade de quem é o “mais rico”. O que acontece?
Parte da confusão é que o eleitor não sabe dizer se ele é rico ou se é pobre. Essa pergunta supõe que você já deve ter visto gráficos sobre a distribuição de renda no Brasil. Eu já cansei de apresentar esse gráfico e, de modo geral, as pessoas ficam chocadas. Mesmo as pessoas bem informadas não sabem o quão pouco a maioria das pessoas no Brasil ganha.
Para você ter uma ideia, quem ganha uma renda mensal de R$ 5 mil está entre os 10% mais ricos do Brasil. Essa definição dos muito ricos é elástica. Por isso, nós mudamos o nosso estudo para falar sobre valores. Tem um estudo na Argentina que mostra que o indivíduo que é melhor de vida, mas mora em um bairro pobre, se compara com os vizinhos e acha que é rico.
O que vocês fizeram de diferente na metodologia do estudo mais recente sobre o que pensa o eleitorado brasileiro sobre redistribuição de renda?
Nesse trabalho, a gente apresenta a faixa de renda e a alíquota tributária para o eleitor escolher. A gente percebeu que, se não ancorar essa pergunta em uma informação sobre uma faixa de renda, o respondente fica confuso, porque ele não sabe quem é o rico.
Usamos uma técnica mais recente no estudo de preferências que é chamada “experimento conjunto”. O entrevistado é submetido a três pares de escolhas que vão rodando aleatoriamente e, no final, após três escolhas você sabe, de fato, a opção dele.
O que o estudo revelou? Esse resultado mostra que o eleitorado aprovaria a proposta do governo federal de isenção até renda de R$ 5 mil e taxação efetiva de 10% para renda a partir de R$ 50 mil?
Nossa pesquisa não analisou diretamente a proposta do governo federal. Mas acreditamos que esta proposta seja, sim, apoiada pela maioria do eleitorado. O que saiu desse estudo? Que o brasileiro apoia a isenção dos mais pobres, seguramente até uma faixa de renda de R$ 4 mil.
De R$ 4 mil a R$ 6 mil fica um pouco confuso, mas já se aceitaria algum nível de tributação. E o brasileiro apoia alíquotas mais altas para quem ganha mais, porém, com taxas baixas. O que isso quer dizer? Para quem ganha R$ 15 mil por mês, o apoio está em torno de uma taxação efetiva de 15%.
Em uma nota técnica anterior do Centro de Estudos da Metrópole sobre a opinião do eleitorado sobre tributação, vocês citam o exemplo do Uruguai em 2006, que conseguiu aprovar uma reforma tributária após uma campanha nacional de informação da população. O que o Brasil deveria aprender com o Uruguai?
Existem três caminhos pelos quais reformas tributárias têm sido aprovadas. Um destes caminhos é o do governo de esquerda que tem maioria no parlamento, esse do Uruguai, mais recentemente. Mas é também o caminho adotado em países sob governos social-democratas.
Outro caminho – que ocorreu recentemente no Chile – é quando você tem um governo de direita que é muito pressionado por movimentos sociais, cuja reforma tributária aprova novos tributos que são vinculados a um determinado destino. A aprovação da CPMF, sob a liderança de Adib Jatene no governo FHC, poderia ser enquadrada neste caso.
Também existe uma terceira situação que são os momentos de aguda crise econômica nos quais o governo consegue um suporte excepcional do Congresso. Na verdade, quem aumentou muito a carga tributária no Brasil foi o Fernando Henrique Cardoso em um contexto de crise econômica e uma necessidade de fazer um ajuste muito rápido nas contas públicas.
Qual é a má notícia para o nosso caso? Hoje, nós não estamos em nenhuma dessas três situações: não estamos vivendo uma situação de quebra iminente; não temos um governo de esquerda com maioria no Congresso; não temos um governo de direita com a população nas ruas, com um movimento social muito forte, com potencial para desestabilizar o governo.
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