O texto abaixo foi publicado originalmente na newsletter Cartas Marcadas, enviada na última terça-feira, 7.
O establishment reagIu com fúria a uma campanha de memes que rotulou o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, do Republicanos da Paraíba, como “inimigo do povo”. A cobertura de boa parte da imprensa deu a entender que os vídeos de IA nas redes eram tão perigosos quanto os atos golpistas de 8 de Janeiro.
Nesta edição, trago notas fiscais e até um vídeo que ajudam a entender a hipocrisia. Duas histórias sobre como o Republicanos, partido de Motta e do governador paulista Tarcísio de Freitas, um dos presidenciáveis da extrema direita para 2026, defende corte de gastos no discurso, mas no dia a dia ostenta com dinheiro público.
A primeira revela os gastos exorbitantes de Hugo Motta com jatinhos particulares, pagos com dinheiro público do fundo partidário, no exato momento em que ele costurava sua eleição para o cargo mais poderoso da Câmara. A segunda mostra o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, jantando bife folheado a ouro em Nova York. Vamos a elas.
A tour milionária de Hugo Motta
Em um intervalo de apenas duas semanas, enquanto costurava alianças para se tornar o favorito à sucessão de Arthur Lira na presidência da Câmara dos Deputados, Hugo Motta torrou ao menos R$ 232,5 mil em voos fretados, pagos com dinheiro público via Fundo Partidário, para cumprir trajetos amplamente cobertos por linhas comerciais.
Os deslocamentos ocorreram em 23 e 26 de outubro, e 11 de novembro de 2024, segundo documentos fiscais e comprovantes de transferência que encontrei no Divulga SPCA, um portal mantido pela Justiça Eleitoral para monitorar os gastos bilionários dos Fundos Eleitoral e Partidário.
Para entender essa gastança — que inclui voo particular de mais de R$ 100 mil –, é preciso voltar no tempo. E lembrar que, até o fim de outubro do ano passado, o nome de Hugo Motta mal aparecia entre os principais cotados para disputar o comando da Câmara, cargo para o qual foi eleito em fevereiro de 2025.
De forma abrupta e surpreendente, o deputado paraibano emergiu como o favorito absoluto ao cargo apenas um dia após o segundo turno das eleições municipais de 2024, realizado em 27 de outubro.
Várias reportagens da época registram que, em menos de 36 horas, Motta conseguiu o apoio de cinco partidos de diferentes espectros políticos — PP, MDB, Podemos, PL e até o PT — somando mais de 300 votos potenciais na Câmara.
A movimentação relâmpago pegou parlamentares e jornalistas de surpresa, e o deputado do Republicanos passou de nome coadjuvante à posição de candidato de consenso, sem que ficasse claro quem articulou essa virada e como ela aconteceu tão rapidamente.
Infelizmente, não tenho essas respostas. Mas encontrei uns documentos que revelam que essa articulação meteórica foi acompanhada por uma caríssima agenda de deslocamentos aéreos em aviões particulares. Tudo com o seu dinheiro.
Em 23 de outubro, poucos dias antes do segundo turno da eleição, Motta fretou um jatinho para voar de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, a Brasília, com retorno no mesmo dia. O voo custou R$ 59,5 mil e foi pago à empresa Táxi Aéreo Piracicaba Ltda.
Três dias após as urnas municipais se fecharem, em 26 de outubro, Motta voou de Belém para Brasília e de volta a Belém, ao custo de R$ 110 mil. Embora o objetivo do deslocamento não esteja detalhado nas notas fiscais, o período coincide exatamente com os bastidores da virada política que transformaria Motta no nome da coalizão encabeçada por Arthur Lira para a sucessão no comando da Câmara.
A gastança aérea continuou em 11 de novembro, quando o deputado voou de Belo Horizonte a São Paulo e, depois, a Brasília, em um voo que custou mais de R$ 63 mil. No total, os três deslocamentos somam R$ 232,5 mil, todos pagos com recursos do fundo partidário do Republicanos, partido ao qual Hugo Motta é filiado.
Os valores foram transferidos em 29 de novembro, diretamente da conta do partido no banco Itaú para a empresa de táxi aéreo. Os registros de voo e notas fiscais registram o nome do deputado como passageiro único e o Republicanos como contratante formal dos serviços, representado por um dirigente chamado Joaquim Mauro.
Marcos Pereira e o ‘bife de ouro’
A segunda história que quero contar hoje é melhor assistir do que ler. É um vídeo inédito, obtido pela Cartas Marcadas, que mostra o presidente do Republicanos, Marcos Pereira, em um jantar luxuoso em Nova York ao lado de outros engravatados. Pude identificar apenas um: Gilvan Máximo, deputado federal pelo DF. Seu partido? O Republicanos.
Na cena, Pereira e Máximo recebem à mesa o famoso “bife de ouro” do chef Salt Bae — iguaria folheada a ouro 24k que custa até R$ 9 mil por prato. O vídeo foi registrado em maio de 2025, quando estiveram na cidade americana para uma série de eventos com empresários e políticos brasileiros, como o Lide Brazil Investment Forum e os encontros do Esfera Brasil.
Clique aqui para assistir ao vídeo no Instagram do Intercept Brasil.
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Em nota enviada ao Intercept, Marcos Pereira afirmou que o jantar foi pago com recursos próprios, sem qualquer reembolso da Câmara ou do partido. O presidente do Republicanos disse não ver contradição entre o episódio e seu discurso de austeridade, e classificou as críticas à “narrativa do ‘nós contra eles’”, que ele diz rejeitar. Leia aqui a íntegra.
Os gabinetes de Hugo Motta e Gilvan Máximo também foram contatados antes da publicação desta edição de Cartas Marcadas. Nenhum deles respondeu.
Ku Klux Klan made in SP
O Brasil tem tantos absurdos que alguns a gente esquece. Mas eu vou ser chato com esse aqui porque ele diz muito sobre o estado de coisas da violência policial no governo Tarcísio em São Paulo – e que, a partir de 2026, pode ser exportado para todo o Brasil.
Vamos relembrar: em abril de 2025, o 9º Batalhão de Ações Especiais da Polícia Militar realizou uma cerimônia que chocou pela simbologia. Policiais diante de uma cruz em chamas, gesto que especialistas associam à Ku Klux Klan, grupo supremacista e terrorista dos EUA.
Disso talvez você se lembre. O que pouca gente ficou sabendo é que, ao invés de assumir responsabilidades, o comandante da unidade usou a tribuna da Câmara Municipal para ameaçar e intimidar jornalistas locais que denunciaram o episódio.
A Ponte Jornalismo, como sempre quando o tema é segurança, fez uma cobertura exemplar do caso. Vale ficar de olho no trabalho da Ponte, que trata com muito cuidado de um tema central para o que vem por aí.
Na semana passada, recebi dezenas de respostas incríveis: feedbacks, elogios, críticas e, principalmente, excelentes dicas para novas investigações. Você tem um grande furo de jornalismo nas mãos? Escreva para [email protected] e vamos conversar!
É isso. Nos vemos terça-feira que vem?
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.
Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.
É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
E é por isso que não podemos parar.
Nosso jornalismo é sustentado por quem acredita que informação é poder.
Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.