João Filho

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Na frente de Moraes, Bolsonaro virou tchutchuco da democracia

Jair Bolsonaro pisou fofo no STF, não criticou a ‘ditadura de toga’ e mostrou quem sempre foi de verdade: um covarde.

Réu por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro reage durante interrogatório no STF (Foto: Diego Herculano/Reuters/Folhapress)

Durante manifestação no dia 7 de setembro de 2021, Jair Bolsonaro xingou Alexandre de Moraes de “canalha”, pregou a desobediência às suas decisões judiciais e ameaçou diretamente o STF. “Ou o chefe desse poder [Luiz Fux] enquadra o seu ministro [Moraes] ou esse poder pode sofrer aquilo que nós não queremos”, berrou o então presidente para milhares de pessoas em cima de uma mesa de som. 

Dois dias depois de vociferar contra o STF, Bolsonaro amansou. Procurou o ex-presidente Michel Temer, que é amigo de Alexandre de Moraes, para intermediar uma conversa por telefone com o ministro. Além disso, publicou uma nota — redigida por Temer — alegando que não teve “nenhuma intenção de agredir quaisquer dos poderes” e que suas “palavras contundentes decorreram do calor do momento”.

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Ou seja, em 48 horas, o machão golpista que agitou as massas em cima de um caminhão de som se transformou no tchutchuco da democracia no telefone com Moraes. Mas a bandeira branca durou pouco. Tempos depois, Bolsonaro voltou a agredir com virulência o ministro e o STF em comícios, entrevistas e postagens nas redes sociais. É a metamorfose ambulante do golpismo.

Nesta semana, quando esteve frente à frente com Moraes no tribunal, Bolsonaro reviveu o telefonema de 2021. Mais uma vez, o tigrão que inflama as massas contra o STF deu lugar para o tchutchuco da democracia. Essa é a postura clássica do covarde e, como sabemos, a covardia é um dos traços mais marcantes de Bolsonaro. 

O “imbrochável” e “incomível” sempre se mostra um grande frouxo quando tem que enfrentar as consequências dos seus atos. O comportamento amigável do réu com aquele que ele considera um ditador implacável revoltou parte dos seus aliados e seguidores, que foram alimentados pelo ódio a Moraes durante anos. 

Réu por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro reage durante interrogatório no STF (Foto: Diego Herculano/Reuters/Folhapress)
Réu por tentativa de golpe, Jair Bolsonaro reage durante interrogatório no STF (Foto: Diego Herculano/Reuters/Folhapress)

Esperava-se o mesmo Bolsonaro agressivo e golpista dos comícios, das lives e das redes sociais. Mas o que se viu foi um homem fraco, acuado por um algoz fortemente armado pela realidade dos fatos. Esse é o Bolsonaro real.

Soterrado por uma avalanche de provas incontestáveis, Bolsonaro seguiu a orientação dos seus advogados e optou por tratar o ministro com respeito. Temer, esse oráculo do golpismo, entrou em cena mais uma vez e também o aconselhou a pisar fofo no tribunal. Bolsonaro cumpriu à risca e foi além: sorriu, gargalhou, fez piadinhas e pediu desculpas. 

Na prática, o ex-presidente reconheceu a legitimidade do STF para julgá-lo e contrariou a narrativa de que é vítima de um tribunal de exceção. Não deu para sustentar o vitimismo quando a realidade dos fatos se impôs. 

Chegamos à seguinte situação bizarra: enquanto Bolsonaro amistosamente convidava Moraes para ser seu vice na próxima eleição, seu filho Eduardo estava nos EUA trabalhando para que o governo americano imponha sanções contra o ministro. É o cúmulo do ridículo.

Apesar de estar sendo linchado publicamente há anos pelo bolsonarismo, Alexandre de Moraes cumpriu sua obrigação ao proporcionar um ambiente civilizado para Bolsonaro se defender. Mesmo nos momentos em que o ex-presidente descambou para o proselitismo político durante o interrogatório, o ministro não o interrompeu. 

Nem mesmo as brincadeiras idiotas do réu foram censuradas. O golpista teve todo tempo do mundo para divagar sobre seus delírios e contar as mentiras de sempre sem ser contestado. 

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O juiz foi jogando a corda e o réu, enrolando-a no pescoço. Algumas falas de Bolsonaro comprometeram seriamente a defesa. Ele confessou, por exemplo, que a discussão sobre estado de sítio – leia-se tentativa de golpe – começou depois que o Tribunal Superior Eleitoral, TSE, rejeitou o pedido do PL para anular os votos das urnas eletrônicas no segundo turno. 

Lembremos: com base em um laudo técnico falso, o partido apontou uma fraude e pediu para que se anulasse apenas os votos para presidente, mantendo a eleição para governador intacta. O TSE não só rejeitou o pedido como impôs uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido pela picaretagem golpista. Moraes quis confirmar se foi essa a motivação para a discussão sobre a implantação do estado de sítio. Bolsonaro não titubeou: “sim, senhor”. 

Em outro momento do interrogatório, Bolsonaro negou ter editado a minuta do golpe, como acusou o delator Mauro Cid, mas confessou que mostrou o documento em reunião com comandantes de Exército, Marinha e Aeronáutica. “Quando se fala em minuta dá a entender que é algo do mal”, tentou justificar o golpista, que considera o golpe de 1964 uma “revolução do bem”. 

Sobre a reunião com embaixadores, aquela que o tornou inelegível até 2030 por atacar com mentiras o processo eleitoral brasileiro, Bolsonaro admitiu que pode ter “exagerado na forma, na entonação” e que sua intenção “sempre foi alertar”. Ou seja, confessou, ainda que involuntariamente, que convocou a reunião para alertar ao mundo sobre as potenciais fraudes nas urnas eletrônicas brasileiras. 

Moraes perguntou ao réu sobre as acusações de que os ministros do STF “estariam levando milhões de dólares”. Bolsonaro confessou que mentiu. Admitiu não ter provas sobre a afirmação e, com o rabinho entre as pernas, pediu desculpas: “Me desculpe, não tinha intenção de acusar. Foi um desabafo meu”, declarou. 

Quando perguntado sobre o motivo de não ter desmobilizado os manifestantes golpistas nos acampamentos em Brasília, Bolsonaro disse que foi para evitar um cenário “ainda pior”. Em uma demonstração de enorme ingratidão, o réu chamou-os de “malucos” por pedirem intervenção militar. 

‘Bolsonaro e sua turma serão presos’

O fato é que, à época dos acontecimentos, quando Lula já tinha sido eleito, Bolsonaro fez um pronunciamento para seus apoiadores: “O destino é o povo que tem que tomar. Quem decide o meu futuro, para onde eu vou, são vocês. Quem decide para onde vai as Forças Armadas são vocês, quem decide para onde vai Câmara e Senado são vocês também.” 

Disse ainda que vivíamos “um momento crucial, uma encruzilhada” e que as Forças Armadas seriam “o último obstáculo para o socialismo”. Veja o tamanho da responsabilidade que ele jogou no colo daqueles que hoje ele chama de “malucos”. O país já tinha um novo presidente eleito, mas Bolsonaro continuava a usar o cargo para instigar o golpismo entre os milhares de apoiadores acampados.

Por mais que tenha tentado escorregar a todo momento, as mentiras de Bolsonaro foram desnudadas durante o interrogatório. O réu tentou disfarçar com palavras, mas qualquer pessoa minimamente séria entendeu o truque. Mentira virou “desabafo” e “retórica”. Aliado virou “maluco”. Minuta golpista virou “minuta do bem”. 

Tentativa de golpe de estado virou “análise de possibilidades”. Ameaças e xingamentos às urnas eletrônicas viraram “crítica”, “opinião”, “dúvida”. Toda essa tentativa de escamotear a realidade será em vão. Bolsonaro e sua turma serão presos. Não há mais como fugir disso.

É triste imaginar que, mesmo diante de tudo isso, ainda haverá militante bolsonarista se rastejando em defesa do seu grande líder. Não importa o que faça, a lógica de seita faz com que o líder seja sempre venerado. Mas ainda há entre os “malucos” aqueles que começam a abrir os olhos e a desgarrar do rebanho. 

A frase que melhor definiu a atual fase do bolsonarismo veio de um ex-ministro bolsonarista, Abraham Weintraub. Depois de dizer que se sentiu “muito otário” ao assistir ao interrogatório de Bolsonaro, o ex-ministro nos ofereceu a melhor e mais precisa definição do que é o bolsonarismo: “é uma lepra, rastejante, covarde, mentirosa e calhorda!”.

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