No banco dos réus do Supremo Tribunal Federal, nesta terça-feira, 10, em Brasília, o ex-presidente Jair Bolsonaro manteve a máscara de sempre: disse que foi perseguido, que seu governo foi “excepcional”, que inventou o Pix, que levou água ao Nordeste, que dobrou o Bolsa Família e que tapou “os ralos da corrupção”. Nenhuma novidade.
O ex-capitão ainda acusou o STF de impedi-lo de governar, atacou as urnas eletrônicas, tentou exibir vídeo de Flávio Dino e até pediu desculpas por dizer que Moraes recebeu R$ 50 milhões. Mas se houve algo que vale notar no interrogatório que abriu a etapa decisiva do julgamento sobre a tentativa de golpe de estado, foi o que Bolsonaro não disse.
Não disse, por exemplo, que já chamou Alexandre de Moraes de canalha diante de milhares de apoiadores. Que, no 7 de Setembro de 2021, gritou em cima de um trio elétrico: “Sai, Alexandre de Moraes! Deixa de ser canalha!”
O ex-presidente também não disse que, naquela mesma ocasião, declarou publicamente que “qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá”. Nem que completou, ao som de “eu autorizo” gritado pela multidão: “Acabou o tempo dele”.
Não disse que já ameaçou de golpe outras vezes, como em março de 2021, quando afirmou que “estão esticando a corda” e que tinha “as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”, em referência aos militares como seus aliados pessoais.
Nem que em julho daquele mesmo ano chamou o então presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, de “idiota” e “imbecil” por defender o sistema eleitoral brasileiro. “Corremos o risco de não ter eleição ano que vem”, ameaçou Bolsonaro na ocasião.
Diante da 1ª Turma do STF, contido, o tom de Bolsonaro foi outro. Entre ataques enviesados e vitimismo, o ex-presidente fez o que pôde para escapar da posição de réu: adotou a retórica de sempre, mas embalada numa versão mais cautelosa. Com a voz menos estridente, tentou dar aula de gestão pública e, ao mesmo tempo, insinuar perseguição política. O palanque, ainda que improvisado, virou escudo.
LEIA TAMBÉM:
- Bolsonaro, Heleno, Braga Netto e Costa Neto: quem são os indiciados por tentativa de golpe
- O golpe foi um plano de longo prazo
- Não, as Forças Armadas não salvaram o Brasil da tentativa de golpe de Bolsonaro
A diferença agora é que não há mais cercadinho nem plateia de fiéis — há juízes, provas, delações e histórico. Há responsabilidade. E há, mais do que isso, uma expectativa histórica.
Como os tribunais de Nuremberg em 1946 ou o Julgamento das Juntas argentinas em 1985, o STF tem diante de si uma missão pedagógica: não apenas punir os autores da tentativa de golpe, mas estabelecer para a história que certos limites não podem ser ultrapassados. Que a democracia não é uma conveniência — é uma regra.
O Brasil já falhou uma vez, anistiando torturadores, ditadores e conspiradores sob o pretexto de pacificação. Se repetir o erro, abre as portas para o próximo aventureiro que, acenando à ordem e à pátria, tentará se tornar ditador.
O momento é agora. Bolsonaro não disse isso no Supremo. Mas o país precisa dizer — em voz alta e com sentença firme — que a democracia brasileira não será destruída sem consequências.
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.
Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.
É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
E é por isso que não podemos parar.
Nosso jornalismo é sustentado por quem acredita que informação é poder.
Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.