Exatamente três anos atrás, o jornalista britânico Dom Phillips iniciou a longa jornada de volta para casa, após uma viagem de pesquisa nas profundezas da floresta amazônica para o livro que ele estava escrevendo. Mas ele nunca voltou para sua esposa, Alê.
Antes disso, ele foi brutalmente assassinado com seu companheiro de viagem, o indigenista brasileiro Bruno Pereira. Eles foram mortos a tiros por uma quadrilha de pescadores ilegais, que viam no trabalho de Bruno para ajudar as comunidades indígenas locais a protegerem seu território uma ameaça direta ao seu modo de vida criminoso.
Dom queria escrever sobre o conflito e as tentativas de resolvê-lo, que, para Bruno, precisariam incluir alternativas realistas para as pessoas cujas vidas dependiam da pesca ilegal. Mas em 2022 essa abordagem com tantas nuances se perdeu na crescente ilegalidade que tomou conta da Amazônia durante o governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, que deixou a floresta livre para a pilhagem ao destruir os órgãos responsáveis por sua proteção.
Então Bruno foi morto a tiros, e junto com ele, Dom, provavelmente para que não houvesse testemunhas do crime. Nos 12 dias entre a notificação do desaparecimento dos dois e a terrível descoberta de seus corpos, queimados e enterrados às pressas em uma cova rasa, seus amigos haviam se mobilizado para pressionar as autoridades a intensificarem os esforços de busca, inicialmente insuficientes.
Essa campanha deu um eixo para os colegas de Dom, muitos de nós presos na esperança de receber notícias de que ele havia emergido da floresta com mais uma dramática aventura amazônica para contar, mas temendo cada vez mais o pior à medida que os dias iam passando.
‘Entre os amigos jornalistas de Dom, além do choque e da raiva, havia também uma determinação.’
Quando finalmente chegou a notícia de que os corpos haviam sido encontrados, houve pelo menos algum consolo em pensar que Alê e a esposa de Bruno, Bia, poderiam levar os maridos para casa, mesmo que apenas para o velório, em vez de ficarem presas em um limbo de incerteza com o desaparecimento.
Mas entre os amigos jornalistas de Dom, além do choque e da raiva, havia também uma determinação, nascida da mobilização inicial durante aqueles agonizantes 12 dias, de que ele não fosse silenciado pelo assassinato.
As discussões se voltaram para a possibilidade de concluir o livro Como Salvar a Amazônia, que ele não teve a chance de terminar sozinho. Alê rapidamente confiou o projeto a um pequeno grupo editorial de colegas de Dom. Ela saiu de sua casa em Salvador e chegou ao funeral no Rio com uma mala cheia de dispositivos eletrônicos e cadernos com anotações dele (que, na tradição dos jornalistas, eram praticamente ilegíveis).
Tudo isso ela entregou a Andrew Fishman, o presidente do Intercept Brasil, que era amigo próximo de Dom e havia sido um importante conselheiro enquanto ele desenvolvia a ideia inicial do livro.
O grupo começou a revisar o material, com a tarefa de descobrir quanto do livro Dom havia concluído e o que ainda precisava ser feito, e mais importante, como, e por quem. Quando se espalhou a notícia de que o projeto iria continuar, o grupo editorial foi inundado com ofertas de ajuda.
Isso refletia um profundo afeto por Dom como amigo, e ele foi um excelente amigo para muitos de nós. Era também uma demonstração de respeito profissional por alguém que, antes de morrer, era reconhecido como um dos melhores jornalistas estrangeiros em atuação no Brasil.
Com isso, o livro poderia atingir o objetivo do coordenador de nosso grupo editorial, Jonathan Watts, velho amigo de Dom dos tempos em que ambos eram correspondentes no Rio, e atualmente editor global de meio ambiente do jornal The Guardian, vivendo boa parte do ano na Amazônia.
Jon queria que o livro fosse um ato de solidariedade com um colega assassinado por seu compromisso em fazer jornalismo nas remotas linhas de frente de um conflito que tem profundas consequências para todo o planeta. Agora, às vésperas do terceiro aniversário dos assassinatos, o livro “Como Salvar a Amazônia” foi publicado, e seu subtítulo original, “Pergunte a Quem Sabe”, foi alterado de forma emocionante para “Uma Busca Mortal por Respostas”.
‘Saia, encontre quem sabe, e faça perguntas.’
Foi um reflexo necessário das circunstâncias cruéis que levaram outras pessoas a assumirem a tarefa de concluir o livro. Mas o subtítulo original de Dom ainda continua extremamente relevante. Ele informa o espírito do livro, que era o modus operandi de Dom como jornalista: saia, encontre quem sabe, e faça perguntas.
(E com Dom às vezes eram muitas perguntas, até ele ter certeza de que havia entendido o que você estava dizendo, e mais importante, até estar convencido de que você também entendia.) E também é um livro otimista. A crise na Amazônia algumas vezes parece desesperadora.
Mas a percepção de Dom foi importante: as soluções para ela já estão sendo implementadas, mas as pessoas na floresta que fazem uma diferença positiva precisam ser ouvidas, suas vozes e ideias precisam ser difundidas. Seu livro, que agora está no mundo, ajuda nesse trabalho. É um legado digno para um colega e amigo que faz muita falta.
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