João Filho

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Descoberta de milícia para caçar ‘comunistas’ mostra fetiche da extrema direita pela ditadura

Atuação de grupo especializado e fortemente armado para investigar e matar gente grande mostra que não podemos repetir o erro de deixar golpistas e torturadores impunes.

Polícia Federal apreendeu armas em Minas Gerais com alvos de operação que desvendou atuação do Comando C4 (Foto: PF/Divulgação)

No ano anterior ao golpe de 1964, um grupo formado majoritariamente por militares, policiais e estudantes reacionários foi criado para promover ações violentas contra estudantes, artistas e representantes de movimentos sociais identificados com a esquerda. 

Chamado de Comando de Caça aos Comunistas, o CCC, o grupo de extrema direita prestou serviços ao regime militar, apesar de não fazer parte institucionalmente dele. Era uma milícia apoiada pelas autoridades da ditadura, tanto que parte dos integrantes do grupos foram incorporados aos órgãos oficiais  de repressão, como o Doi-Codi e o Serviço Nacional de Informações, o SNI.

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Entre as ações violentas atribuídas ao grupo, uma das mais emblemáticas é o assassinato do padre Antônio Henrique Pereira Neto, coordenador da Pastoral da Juventude, que foi sequestrado e torturado antes de morrer, em 1969. 

Na última quarta-feira, 28, a Polícia Federal descobriu a existência de uma milícia de espionagem e extermínio formada por militares, policiais e civis bolsonaristas. O nome do grupo não poderia ser mais revelador: Comando C4, que significa Comando de Caça aos Comunistas, Corruptos e Criminosos. 

Trata-se de uma óbvia homenagem aos assassinos e torturadores do grupo que apoiou a ditadura militar. A atual extrema direita nunca deixou de pagar tributos à velha guarda, haja vista a veneração do bolsonarismo ao torturador coronel Ustra. 

Polícia Federal apreendeu armas em Minas Gerais com alvos de operação que desvendou atuação do Comando C4 (Foto: PF/Divulgação)
Polícia Federal apreendeu armas em Minas Gerais com alvos de operação que desvendou atuação do Comando C4 (Foto: PF/Divulgação)

Os investigadores descobriram a existência desse grupo durante a investigação do assassinato do advogado Roberto Zampieri, conhecido como “lobista dos tribunais”. Ele intermediava, segundo a investigação, a compra e venda de sentenças junto ao Tribunal de Justiça do Mato Grosso e no Superior Tribunal de Justiça, o STJ. 

A partir da identificação dos autores do assassinato do advogado, a PF descobriu que eles integravam uma organização criminosa especializada em espionagem e assassinatos sob encomenda. 

O Comando C4 possuía armamento pesado e uma tabela de preços a cobrar por espionagem contra autoridades brasileiras. Espionar um ministro do poder Judiciário, por exemplo, custava R$ 250 mil; um senador, R$ 150 mil; um deputado, R$ 100 mil; pessoas comuns, R$ 50 mil. 

No papel, o grupo se apresentava como uma empresa de segurança privada normal, com CNPJ e tudo. Mas, na realidade, tratava-se de uma milícia preparada para espionar e executar possíveis adversários do bolsonarismo sob encomenda.

Em uma agenda apreendida com membros da milícia, nomes como os dos ministros do STF Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes e do ex-presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do PSD de Minas Gerais, apareciam como potenciais alvos. 

Atentemo-nos para a gravidade da coisa. Os milicianos estavam estruturados, possuíam um regimento interno, estavam preparados militarmente e tinham um vasto arsenal de armas à disposição: fuzis de precisão com silenciadores, pistolas, lança-foguetes, minas magnéticas, explosivos e outros. 

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Os documentos encontrados pela polícia mostram que o grupo previa a utilização de drones para espionagem, infiltração de espiões no círculo social dos alvos e uso de garotas e garotos de programa como iscas para coletar informações. Trata-se de uma milícia especializada para investigar e matar gente grande.  

Apesar de estruturalmente ser uma milícia comum, o Comando C4 tem um diferencial: expressa no nome o viés ideológico. O nome Caça aos Comunistas, Criminosos e Corruptos aparece estampado em coletes utilizados pelo grupo. É uma milícia de extrema direita voltada não apenas para fazer justiça com as próprias mãos contra criminosos, mas também contra adversários políticos identificados como “comunistas”. 

E nós sabemos como é a régua de medição de adesão ao comunismo dessa gente doente: vai de Lula até João Doria e Rodrigo Pacheco. E, num futuro próximo, poderá atingir Tarcísio de Freitas ou qualquer um que saia debaixo do guarda-chuvas bolsonarista. Para ser chamado de “comunista” basta não comer na mão do bolsonarismo.

O Escritório do Crime — a milícia carioca cujos parentes do seu principal líder eram empregados no gabinete de Flávio Bolsonaro — mantinha ligações diretas com o núcleo duro do bolsonarismo e com a família Bolsonaro. Já o Comando C4, até onde se sabe, não tem ligação direta com a família Bolsonaro, mas está completamente alinhado à ideologia bolsonarista. 

Não há dúvidas de que o DNA ideológico é o mesmo e a proximidade com políticos bolsonaristas existe. Afinal de contas, estamos falando de um grupo de policiais, militares e ex-militares de extrema direita dispostos a agir à margem da lei para atingir determinados objetivos. Qualquer semelhança com os Kids Pretos e o plano Punhal Verde e Amarelo não pode ser tratada como mera coincidência. 

‘Quantas milícias com viés ideológico existem hoje no Brasil?’

Lembremos, também, que a defesa de grupos de extermínio sempre foi uma das bandeiras da carreira de Jair Bolsonaro. Em 2003, por exemplo, ele subiu à tribuna da Câmara para dizer que “o crime de extermínio será muito bem-vindo” enquanto não houver pena de morte. Alguém poderá dizer: “mas ele defendeu o extermínio apenas de criminosos, não de políticos”. Bom, estamos falando do mesmo Bolsonaro que já defendeu abertamente o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso. 

A proximidade com o bolsonarismo fica ainda mais evidente quando se olha para o histórico de um dos líderes do grupo. Entre os cinco presos pela PF por integrar o Comando C4, está o coronel reformado Etevaldo Caçadini de Vargas. Ele foi colega de turma de Jair Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras em 1977 e é investigado por incitar militares no 8 de Janeiro. 

Nas horas vagas, Caçadini era um militante bolsonarista que comandava grupos de “patriotas” no WhatsApp e possuía um canal no YouTube chamado “Frente Ampla Patriótica” — usado principalmente para disseminar ideias golpistas. 

Em um dos 101 vídeos do canal, Caçadini chama a eleição de Lula de “golpe de estado dado sem nenhum pudor pelos juízes do crime organizado”. Após o fracasso do golpe em 8 de janeiro de 2023, o canal voltou seus canhões para os chefes das Forças Armadas, que passaram a ser tratados como traidores por não terem concluído o golpe de estado. 

Em outro vídeo, o chefe do Comando C4 aparece amistosamente ao lado do deputado General Girão, do PL do Rio Grande Norte, em um evento organizado por militantes “patriotas”. Haja cara de pau para aqueles que tentarem ignorar as ligações do bolsonarismo com o novo grupo de extermínio…

Ficam as perguntas: além do Comando C4, quantas milícias com viés ideológico existem hoje no Brasil? Caso o golpe de estado fosse bem sucedido, qual seria o papel do grupo no novo regime? Seus integrantes seriam absorvidos pelo estado como aconteceu com o CCC durante o regime militar? 

Bom, o que sabemos é que o Comando C4 não existiria se os integrantes do CCC tivessem sido julgados e condenados pelos crimes cometidos durante o regime militar. São filhos da impunidade da Lei da Anistia de 1979. Que não repitamos o mesmo erro desta vez.

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