Haddad foi aos EUA atrair investimentos em data centers sem mostrar o que o Brasil ganha com isso

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Haddad foi aos EUA atrair investimentos em data centers sem mostrar o que o Brasil ganha com isso

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O Ministério da Fazenda deve encaminhar ao Congresso Nacional, nas próximas semanas, uma medida provisória com uma série de incentivos à indústria de data centers no país. Um deles é a isenção de pagamentos de tributos federais, além de outros benefícios para empresas de tecnologia que instalarem suas infraestruturas no Brasil.

Embora a política ainda não tenha sido oficializada no Brasil, ela já está sendo apresentada pelo ministro Fernando Haddad a investidores estrangeiros e empresas de tecnologia no Vale do Silício.

O problema é que a Fazenda e outras pastas envolvidas na elaboração da medida provisória não apresentaram cálculos de custo-benefício que justifiquem o pacote de bondades sendo estendido às empresas. Não está claro o que o Brasil tem a ganhar com os agrados.

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A pasta chefiada por Haddad tem repetido à exaustão que esta nova política pode destravar cerca de R$ 2 trilhões em investimentos nos próximos dez anos. Não é pouco dinheiro: para alcançar o número proposto, seria necessário que, a cada ano, fossem investidos R$ 200 bilhões no setor de data centers — o equivalente a quatro ou cinco megaempreendimentos por ano.

O Intercept Brasil questionou tanto a Fazenda quanto o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, o MDIC, sobre o estudo que demonstrou essa previsão de R$ 2 trilhões em investimentos. Não houve resposta. 

As pastas se limitaram a dizer que “a política nacional de data centers está sendo desenvolvida, ainda em fase de estudos, pelo governo federal a partir do trabalho conjunto de vários setores e ministérios” e que “estão sendo feitas reuniões técnicas com todos os setores envolvidos e não há nenhuma conclusão até o momento”.

Jensen Huang, CEO da Nvidia, gigante da inteligência artifical, recebeu o ministro Fernando Haddad e o assessor Igor Marchesini (no canto, à direita), no Vale do Silício | Crédito: Divulgação – Diogo Zacarias/Ministério da Fazenda

A falta de transparência vai além. O Instituto de Defesa de Consumidores, o Idec, enviou uma carta aos Ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, em que solicitava acesso à minuta da política nacional de data centers. O governo negou acesso, alegando tratar-se de um documento preparatório.  

A política que vem sendo desenhada, segundo declarações de autoridades do governo federal, criará um regime especial para data centers e traz incentivos, na forma de isenções tributárias e desonerações sobre importação de equipamentos, para empresas se instalarem no Brasil.  

Nem isso parece ser suficiente para agradar o setor: a isenção de impostos para compra de equipamentos de computação não basta para atrair investimentos, segundo um representante do segmento disse à Folha de S.Paulo, após a proposta de Haddad. 

A Fazenda e o MDIC também não responderam a perguntas do Intercept sobre outros estudos, sejam eles internos ou encomendados para instituições privadas, que tenham mostrado o custo-benefício por trás da política de atração. 

De fato, data centers exigem investimentos bilionários, já que as peças necessárias para equipá-las são extremamente caras. Cerca de 62% do valor investido na instalação do data center corresponde à compra de equipamentos de TI, enquanto 85% do custo de um data center está sujeito a importação, segundo uma apresentação da Brasscom, organização de lobby que representa as empresas de tecnologia, obtida pelo Intercept. 

Na prática, isso significa que a menor parte dos trilhões de dólares anunciados deve se reverter em ganhos para a sociedade brasileira. 

Como contrapartidas previstas na política, o governo prevê obrigar empresas de data center a repassarem de 2% a 8% de sua receita bruta ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico, o FNDIT. O fundo visa fomentar o desenvolvimento tecnológico doméstico. 

Uma outra contrapartida seria a exigência de que 10% da capacidade de processamento de dados dos data centers seja reservada para o mercado interno. A intenção é evitar que empresas estrangeiras venham apenas ao Brasil se aproveitar das benesses da medida enquanto seguem servindo à demanda internacional. Mas, segundo especialistas, verificar se esta exigência está sendo cumprida é tecnicamente difícil. 

A medida também prevê que as empresas que quiserem aderir ao programa deverão atender a critérios de sustentabilidade. Esses critérios, no entanto, foram costurados sem a participação do Ministério do Meio Ambiente, que foi escanteado nas discussões sobre a política nacional, como já revelou o Intercept

Imperialismo verde

Desde meados de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido a criação de uma IA brasileira, parte de uma conversa maior defendida pelo Partido dos Trabalhadores sobre soberania tecnológica para reduzir a dependência em tecnologias desenvolvidas por empresas estrangeiras.

Mas o desenho da política de data centers  do governo federal é contraditória a esse discurso político, segundo José Renato de Laranjeira, co-fundador do Laboratório de Políticas Públicas e Internet, o Lapin, e doutorando no Bonn Sustainable AI Lab, na Universidade de Bonn, na Alemanha.

“É importante a gente ter isso que se tem chamado de soberania no sentido de conseguir reduzir a dependência de atores externos. Só que isso tem que ter determinados parâmetros”, disse Laranjeira, em entrevista ao Intercept. “Esse caminho de meramente dar incentivo fiscal para as empresas construírem aqui, para mim, não é a forma de se alcançar isso, de criar independência, nem técnica nem de infraestrutura.”

Segundo ele, há uma conexão com uma ideia que vem sendo chamada de imperialismo verde, em que um país fornece sua matéria prima para uma indústria externa se desenvolver. 

Em dezembro, Laranjeira representou o Lapin em uma reunião no Ministério da Fazenda cuja pauta era inteligência artificial. Essas preocupações sobre soberania e contrapartidas foram levadas. Muitas ficaram sem resposta, segundo ele. “Parece que é mais uma ânsia do Haddad de apresentar um plano do que qualquer outra coisa – é uma visão startupeira da situação”.

O principal nome que tem assessorado Haddad na elaboração desta política é Igor Marchesini Ferreira, que tem formação na Universidade de Stanford e fundou duas startups nas áreas de finanças e saúde. Desde setembro do ano passado, ele ocupa o cargo de assessor especial do ministro. Ferreira viajou junto com Haddad para apresentar o plano às big techs. 

Além de Ferreira, que veio do empreendedorismo digital, Haddad tem na cúpula da Fazenda dois nomes egressos de big techs: o secretário-executivo Dario Durigan, que antes de assumir o cargo na fazenda era diretor de Políticas Públicas do WhatsApp no Brasil; e o assessor especial Pablo Bello Arellano, que, até agosto de 2024, também ocupava o cargo de diretor de Políticas Públicas do WhatsApp, mas atuando em toda a América Latina.

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Um dos argumentos usados pelo ministro e sua equipe para justificar as medidas de incentivo à instalação de data centers e atrair o interesse de municípios é a geração de empregos. Mas, embora a construção destas estruturas exija contratação de mão de obra, depois de prontos, os data centers precisam de poucas pessoas na operação. 

O data center da Stargate, um projeto do governo dos Estados Unidos em parceria com as maiores empresas do setor de inteligência artificial, no Texas, é um bom exemplo. Atualmente, 1,5 mil pessoas estão trabalhando na construção, mas apenas 100 trabalharão no local depois que ele estiver pronto, segundo dados da agência de desenvolvimento econômico local obtidos pelo Wall Street Journal

Há, dentro do governo, quem admita que data centers não são máquinas de gerar emprego. Em entrevista ao site Neofeed no fim de março, o secretário do Desenvolvimento Industrial, Inovação, Comércio e Serviços do MDIC, Uallace Moreira Lima, disse que um data center “em si gera pouco emprego”. 

Com as isenções fiscais e tributárias que o governo planeja oferecer às empresas, também é esperado que não haja uma arrecadação significativa para os municípios e estados a partir dos data centers. 

No exemplo norte-americano, isso já é realidade. Um relatório da Good Jobs First, uma organização sem fins lucrativos que monitora subsídios dados a empresas nos EUA, mostrou que ao menos 10 estados norte-americanos já perdem mais de US$ 100 milhões por ano em arrecadação para data centers. 

Demanda está esfriando

No início de maio, a agência de classificação de riscos Moody’s divulgou um relatório em que aponta o risco de uma bolha em torno de data centers de IA. Enquanto desenvolvedores de data centers e grandes empresas de tecnologia seguem investindo em projetos de grande escala, a própria natureza da inovação em inteligência artificial cria incertezas quanto às necessidades computacionais, criando riscos de longo-prazo para investidores. 

Ainda que o segmento esteja em pleno crescimento, nos últimos meses algumas big techs têm sinalizado que estão tirando o pé do acelerador no que diz respeito a investimentos em data centers. Em março, a Microsoft abandonou planos de locação de data centers na Europa devido a uma sobreoferta em relação à sua demanda atual. Em abril, foi a vez da Amazon Web Services pausar negociações de aluguel.  

 O Ministério da Fazenda também não respondeu a um questionamento se houve uma projeção ou medição de demanda. 

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