“Eu quero a testemunha, na sexta feira à tarde. Eu tô de viatura, caçando esse covarde. Se eu pego eu atiro, sem dó e compaixão. Minha emoção é zero, um verdadeiro inferno.” Essa é uma das canções entoadas por uma divisão da Polícia Militar de Goiás e amplamente conhecida por moradores de favelas – os chamados aglomerados subnormais, na linguagem do IBGE – e nas periferias.
A letra nos ajuda a dar o tom sobre o que significa falar sobre segurança pública em Goiás: estamos pisando em um solo árido, tomado pela política do terror, que tem utilizado a morte como política pública e palanque eleitoral para campanhas, contudo, sem um programa concreto para lidar com os problemas de criminalidade, violência e com as organizações criminosas.
Ao contrário, o que se vê é que uma parte da polícia já pode entrar na lista dos problemas a serem enfrentados com urgência. A “confraria da morte”, conjunto de policiais de Anápolis, assassinou um desafeto do governador e outras sete pessoas como queima de arquivo, por exemplo.
O caso não é raro: chacinas em favelas, mortes seguidas de fraude da cena do crime, falta de investigação dos homicídios, abordagens truculentas e uma atuação orientada pelo medo têm sido o padrão no estado de Goiás.
Logo, a política de segurança, apontada como a “menina dos olhos” do governo de Ronaldo Caiado, do União Brasil, na prática contribuiu para criar a quarta polícia mais letal do país.
Segundo dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, de 2024, os indicadores de homicídios soam tão absurdos que, se a polícia não matasse ninguém, os índices poderiam cair cerca de 32%. E quem vê essas mortes? Como investigá-las?
Na contramão do restante do país, o governador de Goiás se opõe veementemente ao uso de câmeras nas fardas dos policiais. Ele ignora que as câmeras corporais contribuem para o controle democrático da atuação dos policiais e aumentam a garantia, ainda, de que suas condutas possam ser avaliadas de acordo com o devido processo legal.
Ora, enquanto as polícias transitam sem vigilância, ainda que andem armadas e sentenciando à pena de morte centenas de cidadãos por ano, os civis caminham em um terreno infestado de câmeras que capturam seus dados, alimentam uma rede milionária de empresários e políticos e nem sequer sabem que isso acontece, pois não há transparência na gestão dos equipamentos e dos registros coletados.
Goiás é, hoje, o estado que possui mais projetos de reconhecimento facial em atividade no país. O que isso significa? Que diversos contratos foram firmados com empresas pequenas, recém-abertas, com dinheiro público, fruto de emendas parlamentares, para comprar equipamentos tecnológicos que, além de capturarem dados pessoais, não resultaram em qualquer melhora nos indicadores criminais.
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É o que demonstra o estudo do Panóptico “Das planícies ao Planalto”, lançado em 2023 pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, o CESeC, que aponta como os acordos e interesses particulares alastraram lentes de filmagem pelos postes, algoritmos de processamento de dados e pouco ou nada de direitos garantidos para a população.
Ainda existem outros problemas além da ausência de câmeras nas fardas e do excesso de verba para câmeras nos postes. O estado de Goiás ainda possui inúmeras viaturas policiais e de outros órgãos ligados à segurança pública circulando sem as placas de identificação, desde 2019, início do primeiro mandato do atual governador Caiado.
Ninguém precisa ser especialista em segurança para saber que tal procedimento objetiva dificultar a produção de provas em casos envolvendo policiais, seja porque não há câmeras corporais, seja porque os carros não têm identificação. Tudo isso leva a um questionamento: o governo defende mesmo o que afirma ser um projeto liberal-democrático ou está se propondo a construir um futuro projeto de autocracia?
Depois de dois anos de litígio em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Goiás, uma sentença em junho de 2024 determinou que “os veículos da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar, da Diretoria-Geral de Administração Penitenciária e dos demais órgãos que compõem o Sistema de Segurança Pública Estadual, mantenham as placas traseiras e dianteiras visíveis e fixadas nos veículos”, como estabelece a lei e cumpre todo cidadão ou cidadã que tem um veículo. A razão do litígio – emplacar viaturas – já não é por demais uma confissão do modelo de gestão atual da segurança?
“Estamos gritando há anos: a vida vale mais”
A vitória do Ministério Público tem um sabor amargo: revela que estamos muito atrasados em relação ao Estado Democrático de Direito, à transparência e à priorização da vida dos servidores da segurança e da população e muito avançados em termos de acordos políticos para benefícios privados, vigilância e suspensão de direitos básicos da população.
Há, ainda, um agravante: a despeito da sentença, viaturas continuam circulando sem placas, enquanto cidadãos seguem sendo monitorados diuturnamente e nada seguros. O que significa uma polícia que precisa agir sem deixar vestígios, registros, sem documentar sua atuação?
Nós sabemos, os jovens negros sabem, as mães de vítimas de violência policial sabem, mas o governador Caiado parece ignorar. Estamos gritando há anos: a vida vale mais. Mais que os milionários contratos com colegas, mais do que o terror eleitoreiro, mais do que a normalização da brutalidade. Queremos um Goiás para todos e não uma Pasárgada caiadista para os amigos do rei.
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