UERJ inclui curso com vídeo da Brasil Paralelo em treinamento obrigatório para servidores públicos

UERJ inclui curso com vídeo da Brasil Paralelo em treinamento obrigatório para servidores públicos

Conteúdo da produtora de extrema direita faz parte de uma das opções da capacitação necessária para progressão de carreira.

UERJ inclui curso com vídeo da Brasil Paralelo em treinamento obrigatório para servidores públicos

Um vídeo da Brasil Paralelo, produtora de extrema direita conhecida por sua agenda ideológica conservadora e por distorcer consensos históricos e científicos, é parte de um dos cursos recomendados pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) na capacitação obrigatória a que os servidores públicos são submetidos para progressão de carreira.

O curso, intitulado “Administração Pública”, é oferecido pela Superintendência de Gestão de Pessoas em parceria com a Faculdade de Administração e Finanças. Entre os materiais apresentados aos servidores, há um vídeo da Brasil Paralelo em um módulo do curso que aborda o tema “patrimonialismo no Brasil”.

O material é um trecho de uma entrevista do cientista político capixaba Bruno Gargaschen, autor de livros como “O mínimo sobre conservadorismo”, “Marx e o Diabo” e “Pare de acreditar no governo”, todos eles com retórica alinhada ao discurso da extrema direita. Em pouco mais de quatro minutos, Gargaschen discorre de forma superficial sobre o conceito de patrimonialismo e sua aplicação no Brasil. 

O trecho incluído no treinamento dos servidores foi retirado de uma série audiovisual lançada pela Brasil Paralelo chamada “Brasil – A Última Cruzada”, que se dedica a reconstruir a imagem “heróica” dos grandes navegantes que chegaram ao Brasil no início do século XVI. “Descubra a História que a TV e a escola não contam”, cita o slogan da série.

Registro de vídeo da Brasil Paralelo em sistema de curso ligado à capacitação de servidores da UERJ (Foto: Reprodução)
Registro de vídeo da Brasil Paralelo em sistema de curso ligado à capacitação de servidores da UERJ (Foto: Reprodução)

No minuto final do vídeo de Gargaschen, que foi publicado originalmente no YouTube, há uma convocação para que a audiência – logo, também os servidores da UERJ – assine os serviços da Brasil Paralelo. “Sua assinatura é muito importante para a gente continuar crescendo”, diz um apresentador da produtora.

O conteúdo indicado de forma automática pelo YouTube depois da exibição do vídeo é mais um corte de outra entrevista de Gargaschen. Nela, o teor de extrema direita fica mais claro: o cientista político discute um “erro” por trás da frase “conversador nos costumes, liberal na economia”.

Na visão dele, o conservadorismo já pressupõe valores liberais na economia e a utilização do termo “liberal” no slogan utilizado pela direita brasileiro abre espaço para um tipo de liberdade incompatível com o conservadorismo. “A perspectiva de liberdade de um conservador é diferente da dos liberais”, afirma.

Registro de vídeo da Brasil Paralelo em sistema de curso ligado à capacitação de servidores da UERJ (Foto: Reprodução)
Registro de vídeo da Brasil Paralelo em sistema de curso ligado à capacitação de servidores da UERJ (Foto: Reprodução)

“Cada clique de um servidor gera dinheiro para eles”

“Fiquei estarrecido ao ver que um curso de uma universidade pública estava divulgando um material tão enviesado e ainda promovendo um site pago”, afirmou um servidor, que preferiu não se identificar temendo represálias. “Como o canal da Brasil Paralelo é monetizado [no Youtube], cada clique de um servidor gera dinheiro para eles”, observou.

A ação faz parte de uma estratégia da Brasil Paralelo para expandir sua influência em instituições educacionais e públicas. Uma investigação recente do Intercept Brasil revelou que a Brasil Paralelo tem ampliado sua atuação em escolas e ONGs por meio de parcerias financiadas por “mecenas”. O caso na UERJ agora traz à tona a inclusão dos conteúdos em instituições públicas.

O servidor ouvido pela reportagem afirmou que já fez uma reclamação formal à UERJ sobre o uso do material, mas nenhuma providência foi tomada. “É muito preocupante que, mesmo após alertas, a universidade não tenha retirado o conteúdo do curso. Isso vai contra tudo o que a UERJ representa como espaço público e laico”, disse.

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Procurada pela reportagem, a UERJ confirmou que o vídeo da Brasil Paralelo fazia parte de um dos cursos oferecidos, mas que foi removido desde o dia 22 de novembro. Também informou que “não foi feito qualquer tipo de pagamento ao Brasil Paralelo”. 

De acordo com a nota enviada pela universidade, “o Curso de Administração Pública, oferecido na plataforma, disponibilizava em meio a vários outros conteúdos, o vídeo em questão. Assim que a Superintendência de Gestão de Pessoas (SGP) tomou ciência de que havia um conteúdo na plataforma que não condizia com os valores institucionais da Universidade, o vídeo foi retirado do curso”. 

A UERJ ressaltou ainda que “os servidores não são obrigados a realizar cursos específicos” para progressão de carreira, mas devem cumprir a “carga horária mínima e certificação” escolhendo os cursos disponíveis em uma plataforma disponibilizada pela instituição.

UERJ em crise

Sob o governo de Cláudio Castro, do PL, a UERJ tem acumulado escândalos. Em setembro, houve ampla repercussão às cenas de uma ação do Batalhão de Choque da Polícia Militar agredindo estudantes e até prendendo três deles, um jornalista e o deputado federal Glauber Braga, do PSOL.

Outras acusações pesam contra o governador na administração da universidade: emagosto de 2022, uma série de reportagens do UOL revelou um esquema de desvios milionários de dinheiro público na UERJ. Irrigado com dinheiro do governo Castro, o esquema — que é alvo de inquérito criminal— teria beneficiado cabos eleitorais e aliados do governador.

Mais recentemente, Castro foi a público garantir que não daria “mais nem um centavo” para a universidade, reforçando o sucateamento e a crise no campus. “O Estado não está aqui para dar bolsa, muito menos ‘bolsa maconha’ para aluno que quer fazer a baderna na universidade”, declarou o governador do PL.

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.

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