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Hind’s Hall: a música que virou hino dos protestos por Gaza da noite pro dia

Enquanto Drake e Kendrick Lamar trocavam farpas, o rapper Macklemore roubou a cena lançando Hind's Hall, sua música sobre o genocídio e os protestos.


(Capa do clipe Hind’s Hall mostra um manifestante com bandeira da Palestina sobre uma marquise. Fonte: divulgação)

Durante esta semana, a batalha entre os rappers Drake e Kendrick Lamar dominou o noticiário de cultura e entretenimento nos EUA. Em seis músicas, os rappers trocaram acusações, inclusive pesadas como de pedofilia e violência doméstica, e se gabaram das próprias capacidades como rimadores.

No dia 7 de maio, o rapper Macklemore tomou o mundo do hip hop de assalto ao lançar Hind’s Hall, sua música sobre a situação de Gaza e os protestos. O título é inspirado pelos manifestantes na Universidade de Columbia, que ocuparam um prédio e declararam este nome em memória a uma menina palestina de seis anos assassinada por Israel, junta com seis membros da sua família, em situações aterrorizantes. A Hind Rajab virou uma mártir e símbolo da crueldade e imoralidade do ataque israelense que já matou 40 mil palestinos e destruiu mais de 80% dos domicílios em Gaza.

Em poucas horas, a música dominou completamente a Internet na gringa, com mais de 25 milhões de ouvintes até o momento.

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Macklemore prometeu doar todos os rendimentos da música para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente, a UNRWA na sigla em inglês. Nos últimos meses, Israel acusou a UNRWA de ligação com o Hamas e utilizou supostas confissões de funcionários da UNRWA como prova. A agência alega que seus funcionários foram torturados durante os interrogatórios. 

‘Eu quero um cessar-fogo, foda-se a resposta do Drake’

Diversos países europeus e os EUA retiraram o financiamento da UNRWA, apesar de todos, com a exceção dos EUA, terem voltado atrás na decisão após a denúncia de tortura vir à imprensa. A UNRWA é essencial para garantir a chegada de alimentos e demais suprimentos à Faixa de Gaza.

A briga entre Drake e Lamar não passou despercebida pelas rimas de Macklemore em Hind’s Hall. No meio dos seus versos ácidos contra a política, os políticos, o silêncio da mídia e a censura das Big Techs, Macklemore dispara contra a futilidade da briga entre seus colegas de rap:

‘Eu quero um cessar-fogo, foda-se a resposta do Drake

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O impacto é impressionante. A música ainda não está no Spotify, se tornando a música pop mais tocada que não está disponível na principal plataforma de streaming em anos.

No YouTube e no YouTube Music, o vídeo só é exibido após o usuário aceitar visualizar imagens e ouvir palavrões fortes, embora a música seja desproporcionalmente mais leve do que muitas outras que não requerem tal aviso.

Mas no Twitter, o vídeo de Hind’s Hall alcançou 25 milhões de visualizações, 343 mil curtidas e 160 mil compartilhamentos. Em menos de 24 horas. No Instagram, a música já tem mais de um milhão de curtidas.

Quem é Macklemore e o que ele tem a ver com Gaza?

Macklemore é um artista branco que nasceu em 1983 em Seattle, uma cidade com uma cena mas muito mais conhecida por ser o berço de outro tipo de música de protesto, o rock grunge.

Na estrada desde 2000, o rapper sempre se recusou a assinar com um selo musical, ou seja, uma gravadora. Segundo a própria letra de Hind’s Hall, essa é uma das razões dele ser um dos poucos rappers a se pronunciar sobre Gaza:

“O que aconteceu com o artista? O que você tem a dizer?

Se eu estivesse em um selo, você poderia me dispensar hoje

Em 2009, Macklemore oficializou sua parceria com Ryan Lewis, que durou até 2017. Foi com essa parceria que conseguiu seus dois maiores feitos, o primeiro single da dupla, Thrift Shop, uma música que faz deboche do consumismo, chegou ao topo da US Billboard em 2013. O segundo single, Can’t  Hold Us, também chegou ao topo. Nenhuma música sem apoio de uma gravadora havia chegado ao topo desde 1994.

A dupla ganhou quatro Grammys em 2014. A julgar pelo imediato impacto cultural de Hind’s Hall no dia de seu lançamento, todos esses marcos estão próximos de serem batidos novamente.

‘Eu voltei para fazer minha pesquisa. Eu não sei de tudo mas eu sei o suficiente: isso é um genocídio’

Em 19 de outubro de 2023, após o início da guerra em Gaza, Macklemore publicou no Instagram um pequeno texto condenando os ataques de 7 de outubro e criticando a punição coletiva como resposta.

Até hoje, alguns dos comentários mais curtidos em respostas a essa postagem são críticos, acusando-o de ser “não-educado”, apenas uma celebridade e questionando “qual o seu problema?”.

Durante a marcha pelo cessar-fogo em Washington, a maior marcha Pró-Palestina da história dos EUA, realizada em 4 de Novembro de 2023, Macklemore discursou e respondeu a essas acusações: “Existem milhares de pessoas aqui que são mais qualificadas para falar sobre o assunto da libertação da Palestina do que eu. Mas eu vou dizer o seguinte: eles disseram para eu ficar calado, eles disseram para eu voltar e fazer minha pesquisa e que é muito complexo para me pronunciar, certo?, para eu ficar calado nesse momento”, disse o artista ao público de 300 mil manifestantes. 

“Nas últimas três semanas, eu voltei para fazer minha pesquisa e aprendi muito, eu não sei de tudo mas eu sei o suficiente: isso é um genocídio. E nós estamos assustados, nós estamos vendo ele se desenrolar, nós fomos ensinados a ser cúmplices, para proteger nossas carreiras, para proteger nossos interesses e eu não vou mais fazer isso, eu não tenho medo de falar a verdade”, completou o Macklemore. 

Hind’s Hall: Um meteoro musical em 24hs

Não é exatamente comum ouvir vídeos de música no Twitter. Se ele foi assistido 25 milhões de vezes em 24 horas no site sem nenhum patrocínio e nenhuma campanha de marketing por trás, há algo de fenomenal nele.

Os apoios emocionados de muitos dos que compartilharam também é um bom sinal de que estamos diante de algo especial. O guitarrista Roger Waters, fundador do Pink Floyd, declarou seu amor pela música. Tom Morello, da lendária banda de protesto Rage Against The Machine, declarou que Hind’s Hall é a música mais Rage Against The Machine desde Rage Against The Machine(o autor desse texto fica triste pelo esquecimento de Prison Song).

“Porra, sim!✊🏼PALESTINA LIVRE. Na mosca! #Macklemoore. Amor, R.”

Dois candidatos presidenciais dos EUA, o Professor Cornel West, independente, e a Jill Stein, do Partido Verde, elogiaram efusivamente a música, bem como líderes sindicais, jornalistas independentes e intelectuais de esquerda.

Artigos sobre a música pipocaram na mídia internacional, como nas revistas especializadas em música como Rolling Stones e Pitchfork, nas independentes, como The Intercept e The Nation, mas também na grande mídia como Time Magazine e Newsweek.

Mas, afinal, o que é Hind’s Hall e o que essa música tem de tão especial?

O sucesso da música foi tal que é impossível achar rapidamente no Google o que é Hind’s Hall.

A música denuncia um pacto de silêncio, repressão e futilidade

Hind Rajab era uma menina de seis anos quando a guerra começou. No dia 29 de janeiro, ela, seu tio, sua tia e quatro primos fugiram de casa em um carro. O carro foi alvo de um tiro de um tanque israelense.

Presa entre as ferragens junto com os corpos de sua família, sua prima Layan Hamadeh, ao lado da Hind, ligou para o Crescente Vermelho. A ligação durou três horas e os atendentes ouviram quando Hamadeh, de apenas 15 anos, foi assassinada por uma rajada de metralhadora do exército israelense.

Depois, o Crescente Vermelho ligou novamente para o número e descobriu que Hind seguia viva. Então, uma ambulância foi enviada para resgatar a menina. O Crescente Vermelho se comunicou com os militares israelenses para garantir passagem segura da ambulância até o carro, mas ao chegar no local, a ambulância foi explodida por um míssil israelense produzido nos EUA.

Durante os protestos na Universidade de Colúmbia no mês passado, estudantes entraram no prédio Hamilton Hall e o rebatizaram como Hind’s Hall com uma grande faixa.

A música denuncia um pacto de silêncio, repressão e futilidade, ao mesmo tempo que louva os manifestantes por terem acordado e corajosamente lutar contra a guerra. No vídeo viral que lançou o vídeo, imagens de protestos e do genocídio em Gaza são intercaladas com imagens de políticos e da repressão policial. Os cortes rápidos, bem ritmados com a batida da música e o flow do rap de Macklemore causam um efeito artístico interessante, deixando toda a experiência com uma sensação de documentário histórico, como um filme do Adam Curtis aceleradíssimo.

A longa história da relação entre protestos e música

Não há novidade na relação entre protestos populares e música. Se formos buscar nos primórdios, o atual hino nacional francês, a Marselhesa, foi escrito no contexto da Revolução Francesa e não era o único. Escrito por um girondino, ele rivalizava com outros, como a jacobina “Chant du départ” e a otimista “Ça Ira”.

A Revolução dos Cravos, que há poucas semanas completou 50 anos, valeu-se de duas músicas de protesto, “E depois do adeus”, de Paulo de Carvalho, e a mais famosa “Grândola Vila Morena”, de José Afonso, como senha. Ao ouvir as músicas censuradas tocar nas rádios, os revolucionários souberam que era o momento de ir às ruas. No dia seguinte, começa a transição para o fim do regime salazarista em Portugal e o colonialismo luso na África e Timor Leste.

O que interessa em Hind’s Hall de Macklemore é que por seus versos ele disseca as estruturas de poder desse silêncio.

Nascido nos guetos do Bronx, a relação entre rap e luta por justiça social é longa e diversa. Hind’s Hall não faz apenas uma crítica à disputa entre Drake e Lamar, mas começa louvando Ice Cube e Eazy-E, cujo grupo N.W.A. lançou “Fuck tha police”(Foda-se a polícia) em 1988. Era o começo da chamada “Era de Ouro” do hip hop e do gangsta rap, considerado mais contestador que o mainstream das gerações seguintes.

Por aqui no Brasil, algumas das maiores expressões musicais dos protestos de junho de 2013 se deram no hip hop, com músicos como Criolo, Yago Oproprio e Froid explicitamente fazendo referências aos protestos em suas músicas.

É por essa história peculiar entre música e protesto e, em especial, entre rap e contestação social, que assombra um tanto um rapper acusar a indústria musical e, em especial, o próprio hip hop de estar calado perante um genocídio e os protestos que o combatem.

E o que interessa em Hind’s Hall de Macklemore é que por seus versos ele disseca as estruturas de poder desse silêncio. A repressão policial que bate em quem protesta contra o genocídio. Empregadores, como grandes gravadoras, que cortam contratos com artistas que se pronunciam. Big Techs que reduzem a relevância de postagens que ousam falar sobre a Palestina. Um sistema político, que vai do lobby ao próprio presidente Biden. Todos unidos em nome do silêncio.

A música conclui com uma provocação: “E se você estivesse em Gaza? E se essas fossem suas crianças? Se o Ocidente estivesse fingindo que você não existe, você gostaria que o mundo se levantasse e os estudantes finalmente fizeram, vamos conseguir“.

E é por comentar todos obstáculos que se levantam diante de quem luta contra os protestos, mas fechar comentando a coragem dos estudantes que protestam ainda assim, que a música furou todos os bloqueios e se tornou em hino instantâneo da luta contra o genocídio na gringa.

Leia a letra da música Hind’s Hall na íntegra, com explicações entre parênteses:

As pessoas não vão embora

(referência aos manifestantes em universidades)

O que há de ameaçador em desinvestir e querer paz?

(fazer as universidades pararem de investir na indústria bélica é uma das pautas dos estudantes)

O problema não são os protestos, é o que eles estão protestando

Isso vai contra o que nosso país está financiando

(o financiamento dos EUA para Israel é questionado pelos manifestantes)

(Hey) Bloqueie a barricada até que a Palestina seja livre

(Hey) Bloqueie a barricada até que a Palestina seja livre

Quando eu tinha sete anos, aprendi uma lição com Cube e Eazy-E

Qual era mesmo? Ah sim, foda-se a polícia

Atores com distintivos protegendo propriedades

E um sistema que foi desenhado pela supremacia branca

Mas as pessoas estão nas ruas

Você pode pagar o Meta, mas não pode me pagar

(a Meta, dona do Facebook, Instagram e Whatsapp restringe quaisquer discussões sobre Israel, sionismo e Palestina)

Políticos que servem por todos os meios

AIPAC, CUFI e todas as empresas

(AIPAC e CUFI são duas organizações de lobby israelense nos EUA)

Você vê, nós vendemos medo na terra da liberdade

Mas esta geração aqui está prestes a cortar as cordas

Você pode banir o TikTok, nos tirar do algoritmo

(Nesse ano, o TikTok foi banido dos EUA. O motivo declarado é que a plataforma favorece espionagem chinesa sobre cidadãos dos EUA. Mas diversas declarações de momento indicam que o motivo pode ser a difusão de imagens do genocídio na Palestina e o impacto que elas tem causado na opinião dos jovens)

Mas é tarde demais, vimos a verdade, somos testemunhas

Vimos os escombros, os prédios, as mães e as crianças

E todos os homens que você assassinou, e então vemos como você manipula

Quem tem o direito de se defender e quem tem o direito de resistir

(Aqui, o vídeo compara a posição dos EUA quanto aos Ucranianos, financiando a resistência deles, e a dos palestinos, onde os EUA financiam o agressor)

Sempre foi sobre dólares e a cor da sua pele, mas

A supremacia branca finalmente está sendo exposta

Gritando “Palestina livre” até que estejam em casa finalmente

Vemos as mentiras neles

Dizendo que é antissemita ser anti-sionista

Eu vi irmãos e irmãs judeus por aí e participando

Em solidariedade e gritando “Palestina livre” com eles

Organizando, desaprendendo e finalmente cortando laços com

Um estado que precisa confiar em um sistema de apartheid

Para manter uma violenta história de ocupação

Que tem se repetido pelos últimos setenta e cinco

O Nakba nunca terminou, o colonizador mentiu

(Nakba, “a tragédia”, é como os palestinos chamam as limpezas étnicas realizadas em 1948, na ocasião da fundação de Israel)

Se estudantes em barracas postados no gramado

Ocupando o quarteirão é realmente contra a lei

E uma razão para chamar a polícia e seu esquadrão

Onde o genocídio se encaixa na sua definição, hein? (Hey; hey)

Destruindo todas as faculdades em Gaza e cada mesquita

(todas as universidades e quase todas as mesquitas da Faixa de Gaza foram destruídas desde Outubro de 2023)

Empurrando todos para Rafah e lançando bombas

(Rafah, no extremo sul, abriga mais de um milhão de palestinos refugiados de outras regiões e é a última cidade não destruída da Faixa de Gaza. Israel já soltou bombas e ameaça invadir a qualquer momento, apesar da pressão internacional contrária)

O sangue está em suas mãos, Biden, podemos ver tudo

E foda-se, não vou votar em você no outono

Indeciso

Você não pode torcer a verdade, as pessoas aqui estão unidas

Nunca serão derrotadas quando a liberdade está no horizonte

Ainda assim a indústria musical está quieta, cúmplice em sua plataforma de silêncio 

O que aconteceu com o artista? O que você tem a dizer?

Se eu estivesse em uma gravadora, você poderia me dispensar hoje

Eu estaria bem com isso porque o coração alimentou minha página

Eu quero um cessar-fogo, foda-se uma resposta do Drake

O que você está disposto a arriscar? O que você está disposto a dar?

E se você estivesse em Gaza? E se essas fossem suas crianças?

Se o Ocidente estivesse fingindo que você não existia

Você gostaria que o mundo se levantasse e os estudantes finalmente fizeram isso

Vamos vencer!

Clipe de Hind’s Hall, de Macklemore. Quando esse artigo foi publicado, ainda havia restrição de conteúdo. Mas você pode clicar acima se quiser ir pro YouTube ouvir a música.

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