Ilustração: Intercept Brasil

Irmão de dono da Cyrela gaúcha pede doação, gasta com antena Starlink e posta: 'Thank you, Elon Musk'

Com incentivo de bolsonaristas, ONG recebe PIX para comprar alimentos, mas torra em roteadores de Musk – sendo que operadoras brasileiras seguem funcionando no RS.

Ilustração: Intercept Brasil

A tragédia decorrente dos temporais no Rio Grande do Sul desencadeia uma onda de solidariedade no Brasil, mas também expõe interesses pouco transparentes envolvidos nas doações para auxílio às vítimas. Enquanto centenas de milhares de pessoas enfrentam o deslocamento forçado e cidades inteiras sofrem com as enchentes, a extrema direita revela sua prioridade: politizar o sofrimento do povo gaúcho.

Um dos expoentes da cruzada é o deputado federal Tenente-Coronel Zucco, do PL, que tem convocado doações para diversas organizações desde o início da crise. Uma delas é o Instituto Cultural Floresta, uma ONG liderada por Cláudio Goldsztein, integrante da família que comanda a Cyrela Goldsztein, braço gaúcho da Cyrela, uma das maiores empresas de construção civil do país.

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A recomendação de doação poderia até ser um gesto de solidariedade, a ser executado por meio das ações sociais da ONG, não fosse o fato de que pelo menos uma parte da verba foi direcionada para a compra de 100 antenas da Starlink, serviço de internet via satélite oferecido pela empresa do magnata Elon Musk.

A compra dos roteadores foi feita sem nenhuma orientação do poder público para tal. A prioridade máxima do estado, no momento, é um item muito mais básico que um aparelho da Starlink: água potável.

Na tarde desta segunda-feira, a ONG de Goldsztein ainda escreveu num post no Twitter que tripudia dos verdadeiros voluntários que estão há dias sem dormir lutando pela sobrevivência do povo gaúcho: “Thank you, @ElonMusk”, escreveu a ONG. A própria legenda, no entanto, diz que foi o Instituto Cultural Floresta que adquiriu os aparelhos. Você não leu errado. A ONG comprou os roteadores e, mesmo assim, resolveu babar ovo do bilionário nas redes sociais.

Nos dias anteriores, vários dos pedidos de doação feitos pelo instituto não mencionaram a compra dos aparelhos. “Nosso objetivo é destinar itens necessários para auxiliar nos resgates, além de aquisição e distribuição de cestas básicas e kits de higiene. Faça sua doação”, escreveu o Instituto Cultural Floresta, em seu último pedido de PIX antes de divulgar a compra dos roteadores.

Mesmo assim, o post do Instituto Cultural Floresta tem sido celebrado nas redes. O apoio vem de militantes bolsonaristas, mas ganha força, provavelmente, porque uma fake news circula pelas redes sociais dizendo que a Starlink seria a única em funcionamento para auxiliar em resgates no Rio Grande do Sul. Uma checagem da Agência Lupa nesta segunda-feira expôs essa mentira.

Em nota, a Conexis Brasil Digital — sindicato que reúne as empresas de telecomunicações e de conectividade no Brasil —, informou que as principais operadoras de internet fixa e móvel associadas à instituição mantêm as redes ativas na maior parte do estado. 

Além disso, as operadoras brasileiras Tim, Vivo e Claro abriram as suas redes de telefonia no estado para que as pessoas possam acessar, temporariamente, a rede disponível das outras duas de forma gratuita. A medida é válida para todos os clientes ativos, com contas pré ou pós-pagas.

Ao Intercept, a assessoria de Zucco afirmou que as antenas podem apoiar a comunicação das equipes de resgate. O mandato do deputado ainda citou a importância de “não politizar” as campanhas de solidariedade”.

Grupo empresarial impactou o planejamento urbano de Porto Alegre

A Goldsztein Cyrela, que tem como sócio Fernando Goldsztein, irmão de Claudio Goldsztein, é uma das maiores construtoras do Rio Grande do Sul, com um histórico de projetos imobiliários de grande porte na região. O empresário é conhecido por suas vultosas doações para políticos, como as feitas para o atual prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, do MDB. Com R$ 200 mil em recursos, os integrantes da Goldsztein Cyrela foram os principais financiadores de Melo.

Em novembro do ano passado, o site gaúcho Sul21 publicou uma extensa investigação sobre como um grupo restrito de empresários, incluindo Goldsztein, conseguiu uma série de vitórias junto à Prefeitura de Porto Alegre que teriam impactado o planejamento urbano da capital gaúcha. A reportagem menciona explica como a empresa fez parte de uma força-tarefa que teria sido fundamental para derrubar leis ambientais, driblar o Plano Diretor e manipular a opinião pública da cidade.

Mas os empresários gaúchos não são os únicos a se aproveitar da tragédia, com a qual contribuíram negando diariamente as mudanças climáticas, para fazer política. O MBL fez parecido. Nas redes sociais, o deputado federal Kim Kataguiri, do União Brasil, publicou o seguinte na tarde desta segunda. “Todas as assinaturas do Clube MBL de hoje serão revertidas em doações para o Rio Grande do Sul”. A repercussão negativa fez ele apagar o post rapidamente.

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Quem também apagou post com golpe do PIX foi Zucco. Além da ONG que gastou o dinheiro em antenas, ele recomendou doações ao Instituto Harpia Brasil, de Goiás. O presidente da ONG é o ex-deputado federal Major Vitor Hugo, do PL. E o presidente honorário? Ele mesmo: Jair Messias Bolsonaro.

Até o momento, a crise desencadeada pelos temporais no Rio Grande do Sul revelou não apenas a magnitude dos danos causados pelo negacionismo climático, mas também as entranhas de uma estrutura onde interesses empresariais prevalecem sobre o bem-estar da população. Enquanto as vítimas clamam por ajuda, os poderosos aproveitam a oportunidade para reforçar suas agendas pessoais e políticas.

Em nota, a Companhia Cyrela (a nacional, não a do Rio Grande do Sul) disse que “gostaria de reforçar seu compromisso em garantir a segurança das pessoas e de todos os colaboradores, repudiando qualquer ação que não esteja alinhada a esse contexto, especialmente diante da tragédia em questão. Neste momento, a empresa segue focada no compromisso em apoiar as vítimas, priorizando a segurança de todos”.

Correção: 7 de maio de 2024, 17h23

O empresário Cláudio Goldzstein é membro da família Goldzstein, que é dona da Cyrela Goldzstein, mas “nunca teve nenhuma atuação ou conexão direta com a Companhia Cyrela”, de acordo com a assessoria de imprensa da empresa. A Cyrela Goldzstein, tem como sócio Fernando Goldzstein, irmão de Cláudio, que por sua vez “não tem relação com o Instituto Cultural Floresta”. O texto também foi atualizado para incluir o posicionamento da Cyrela nacional. Além disso, o Tenente-Coronel Zucco retirou sua candidatura à Prefeitura de Porto Alegre. O texto foi atualizado com o posicionamento dele.

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