O chefe de Polícia, delegado Rivaldo Barbosa fala em entrevista sobre a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro que pediu seu afastamento por irregularidades em licitações na contratação de empresas de informática.

Caso Marielle: chefe de polícia Rivaldo Barbosa fez uma 'única exigência' para a execução

Investigação expõe que chefe da polícia civil, em 'posição estratégica', planejou o crime idealizado por Chiquinho e Domingos Brazão.

O chefe de Polícia, delegado Rivaldo Barbosa fala em entrevista sobre a denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro que pediu seu afastamento por irregularidades em licitações na contratação de empresas de informática.

O caso Marielle

Parte 34

Marielle Franco virou um símbolo internacional após seu assassinato no dia 14 de março de 2018. Com os olhos do mundo no Rio de Janeiro, todos estão perguntando: #QuemMandouMatarMarielle? E por quê?


As prisões dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes revelaram duas bombas. A primeira já era conhecida desde 2019 e foi confirmada pelo Intercept Brasil em janeiro deste ano: o deputado estadual fluminense Chiquinho Brazão, do União Brasil, e seu irmão Domingos Brazão, são os idealizadores do crime brutal. 

A outra, que pegou até a família de Marielle de surpresa, é o envolvimento de Rivaldo Barbosa, chefe da Polícia Civil do Rio, no planejamento do crime e obstrução da investigação.

Segundo a decisão de Alexandre de Moraes, Barbosa planejou “meticulosamente” o assassinato e tinha total ingerência sobre a execução, “com a imposição de condições”. A única exigência de Barbosa, então diretor da divisão de homicídios da Polícia Civil do Rio de Janeiro, ainda segundo a decisão, era que “a execução não poderia se originar da Câmara de Vereadores”.  A preocupação era manter as investigações sob controle.

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“Tal exigência tem fundamento na necessidade de se afastar outros órgãos, sobretudo federais, da persecução do crime em comento, de modo a garantir que todas as vicissitudes da investigação fossem manobradas por Rivaldo, então supervisor de todas as investigações de homicídios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro”, escreveu Alexandre de Moraes.

Logo após a morte de Marielle, em 14 de março de 2018, foi Barbosa quem atendeu o deputado Marcelo Freixo, colega de Marielle no Psol, e se encontrou com a família e os amigos. Hoje, ele é um dos acusados de estarem por trás do crime e ter agido para obstruir as investigações.

“Rivaldo Barbosa encontra-se em uma lotação estratégica aos interesses do grupo criminoso, tendo em vista que é a autoridade que centraliza e planeja a comunicação de todas as operações da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, inclusive aquelas de teor sigiloso e aquelas que contam com a integração das demais forças de segurança”, diz o relatório da Polícia Federal. 

Segundo o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, são várias as motivações do crime. Elas têm origem, principalmente, no interesse dos Brazão em terrenos na zona oeste do Rio. A atuação de Marielle como parlamentar pelo Psol atrapalhava os negócios.

Também segundo Rodrigues, a relação entre os irmãos Brazão e o delegado Barbosa era anterior ao crime. Em outra delação, o miliciano Orlando Curicica, que chegou a ser investigado pelo assassinato de Marielle, já havia afirmado que Rivaldo Barbosa recebia dinheiro para engavejar investigações na Delegacia de Homicídios. 

Para o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a investigação do caso Marielle está encerrada. Os Brazão e Barbosa idealizaram, planejaram e agiram para matar a vereadora e garantir que as investigações não avançassem. Não por acaso, Ronnie Lessa, o assassino preso desde 2019, disse em sua delação premiada que se encontrou com os mandantes após o crime. Ouviu que “não ia dar em nada”.

***ARQUIVO*** RIO DE JANEIRO, RJ, 17.04.2015: CASO-MARIELLE - Foto de arquivo do então delegado Rivaldo Barbosa em reconstituição de crime no complexo do Alemão. Barbosa foi preso juntamente com Domingos Brazão, atual conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Chiquinho Brazão, deputado federal do Rio de Janeiro, em uma operação conjunta da Polícia Federal, da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público do Rio de Janeiro. Os três são suspeitos de serem mandantes do assassinado da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. (Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Rivaldo Barbosa era descrito como meticuloso. Mas, segundo denúncias, ele recebia pagamentos para engavetar investigações. Foto: Ricardo Borges/Folhapress

Investigação do caso Marielle foi marcada por erros gritantes

Os Brazão tinham razão para estarem confortáveis com o parceiro de crime. Até fevereiro de 2018, Rivaldo Barbosa era delegado da Divisão de Homicídios da Capital. No dia 22 de fevereiro, foi nomeado pelo general Walter Souza Braga Netto, comandante da Intervenção Federal, como novo chefe da Polícia Civil no estado. A nomeação havia sido contraindicada pelo setor de inteligência, mas o interventor foi em frente mesmo assim. Rivaldo Barbosa foi empossado no novo cargo no dia 13 de março. No dia seguinte, Marielle foi assassinada. 

Logo após a morte da vereadora, Rivaldo Barbosa nomeou o delegado Giniton Lages como titular da Delegacia de Homicídios, responsável por investigar o crime. Já mostramos que os primeiros momentos da investigação foram marcados por erros gritantes, como imagens de câmeras que sumiram, testemunhas que não foram localizadas e perícias que não puderam ser feitas por incompetência. Lages, também alvo de busca e apreensão, é apontado como uma pessoa de “extrema confiança” de Barbosa.

“Com a assunção do cargo por Giniton, se operacionalizou a garantia da impunidade dos autores do delito”, escreveu Moraes.


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Rivaldo Barbosa é descrito em reportagens elogiosas como um delegado meticuloso que “adorava números”. A revista Veja chegou a apelidá-lo de “Sherlock Carioca”. Em 2018, uma reportagem da Época revelou que o delegado tinha faturado quase R$ 500 mil com empresas de consultorias de inteligência no nome da mulher, Erica de Andrade Almeida Araújo.

Após o assassinato de Marielle, o gabinete da intervenção divulgou uma nota reiterando a confiança no “trabalho dedicado” da polícia civil do Rio. “A integração dos órgãos de segurança pública do Estado com a Polícia Federal já está consolidada, particularmente na área de inteligência”, dizia a nota. 

Intervenção Federal era alvo de críticas de Marielle

O presidente Michel Temer havia decretado a Intervenção Federal no início de 2018 para tentar combater uma suposta escalada de violência no Rio de Janeiro – que não era amparada pelos números do próprio governo do Rio. Em uma canetada só, Braga Netto, que havia chefiado a segurança dos Jogos Olímpicos de 2016, assumiu o comando das polícias militar e civil e dos bombeiros do Rio de Janeiro. Se reportava diretamente ao presidente Michel Temer, do MDB. 

A intervenção, como sabemos, foi um fiasco. Ainda no final de fevereiro, pouco mais de duas semanas antes de ser assassinada, Marielle Franco assumiu a relatoria da comissão que fiscalizaria as atividades da Intervenção. Muito crítica, ela deu uma entrevista, naquele mês, afirmando que o gabinete era pouco transparente e pouco eficiente. 

“Não só pouco efetiva, mas também pouco eficiente, com pouca transparência, um decreto tão genérico que teremos dificuldade, por exemplo, para obter números que costumávamos ter acesso, porque antes havia prestação de contas ao Tribunal de Contas”, ela disse. 

Tinha razão: em 2023, uma outra operação da PF constatou que houve compras superfaturadas em mais de R$ 4 milhões durante a intervenção. Braga Neto é hoje investigado por isso. O outro mandante do crime preso neste domingo, também vale destacar, também ocupa uma posição estratégica: Domingos Brazão é conselheiro do Tribunal de Contas do Rio.

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