A Câmara proibiu que deputados usem seus mandatos para ganhar dinheiro em redes sociais. Só que a regra só vale para o YouTube – não para o Instagram.

Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer driblam proibição e usam mandatos para ganhar dinheiro no Instagram

Deputados do PL se valem de brecha em regra da Câmara e vendem assinatura com acesso a bastidores da atividade parlamentar.

A Câmara proibiu que deputados usem seus mandatos para ganhar dinheiro em redes sociais. Só que a regra só vale para o YouTube – não para o Instagram.

Os deputados federais Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer, ambos da ala bolsonarista do PL, estão monetizando seus canais no Instagram. Eles encontraram uma brecha na regulamentação da Câmara dos Deputados para vender assinaturas aos seguidores, prometendo acesso exclusivo a informações da atuação parlamentar e aos bastidores de seus mandatos.

Cada assinatura dos serviços premium oferecidos pelos deputados custa R$ 7,99 por mês. O Intercept Brasil se inscreveu no canal de assinantes de Nikolas Ferreira e assistiu a diversas postagens exclusivas. As publicações alternam vídeos feitos em salas de comissões e no plenário da Câmara com momentos de intimidade.

Nikolas também oferece aos assinantes serviços como canais de transmissão exclusivos, acesso antecipado a publicações e informações de bastidores. Em paralelo, usa outro recurso do Instagram para ganhar dinheiro: vende selos que podem custar até R$ 25,99, dando destaque a usuários nos comentários durante as lives do canal.

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No caso de Gayer, os serviços oferecidos aos assinantes são conteúdo exclusivo, bastidores e a possibilidade de fazer uma pergunta ao parlamentar. Ele também mantém uma loja virtual em seu perfil, em que vende exemplares do livro “A mentalidade conservadora”, do filósofo conservador norte-americano Russel Kirk. Uma unidade custa R$ 151,92.

Recurso do Instagram não existia quando a regra foi criada

A prática de Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer não é expressamente proibida, mas levanta questões éticas e legais sobre o uso das redes sociais por parte de políticos em exercício – especialmente quando envolve o lucro obtido por meio de recursos ligados ao mandato.

A última transmissão ao vivo feita por Nikolas, em 20 de fevereiro, por exemplo, foi feita no seu gabinete na Câmara dos Deputados. O tema da live era a sua atuação parlamentar e o noticiário político. Os assinantes e detentores de selos tinham privilégio para fazer perguntas.

Em 2020, a Câmara dos Deputados proibiu explicitamente o uso de recursos da cota parlamentar para contratar serviços que possam gerar lucro com a monetização, com foco no YouTube. A regulamentação, no entanto, não foi específica em relação à monetização de canais no Instagram – que, àquela época, ainda não oferecia os recursos usados por Nikolas e Gayer.

A medida foi tomada após uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelar que parlamentares estavam transformando a divulgação de atividades no Congresso num negócio privado ao monetizar seus canais no YouTube, com vídeos que arrecadam recursos de acordo com o número de visualizações. 

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Na lista, estavam Carla Zambelli, Joice Hasselmann, Bia Kicis, Otoni de Paula, Paulo Pimenta e Flordelis, por terem contratado empresas com dinheiro da cota parlamentar para fazer edição e montagem dos vídeos apresentados em seus canais no YouTube. 

A regra da Câmara vetou expressamente o reembolso de despesas com serviços que resultem em vantagens financeiras ao parlamentar ou a terceiros. Mas a brecha encontrada por Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer mostra uma lucrativa lacuna nessa regulamentação.

Atualmente, está em tramitação na Câmara outro projeto de lei que visa proibir explicitamente que agentes públicos recebam vantagens econômicas de qualquer natureza com a publicação de conteúdo em aplicações de internet no exercício da função pública. A proposta, que modifica a Lei de Improbidade Administrativa, busca coibir práticas que violem os princípios da administração pública.

“Via de regra, não há incompatibilidade entre as atividades liberais e o exercício da atividade pública. Claro, desde que aquela não guarde relação com as prerrogativas do cargo, o servidor não se valha de informações privilegiadas em função de seu cargo em benefício próprio, e a prática da atividade extra se dê fora da jornada de trabalho e sem o emprego de material público, em nenhuma de suas formas”, explicou o autor da proposta, deputado Áureo Ribeiro, do Solidariedade do Rio, na justificativa do projeto.

Nikolas Ferreira vende mentoria a R$ 497

A monetização do Instagram não foi a única forma encontrada por Nikolas Ferreira para ganhar dinheiro. Ele também lançou, em janeiro deste ano, um programa de treinamento para candidatos às eleições municipais, chamado Caixa Preta. O curso começou a ser vendido por R$ 997 e, agora, já pode ser adquirido por R$ 497.

Os professores convidados por Nikolas, segundo o site do Caixa Preta, são sete outros parlamentares, todos da ala bolsonarista do PL: os senadores Cleitinho, também de Minas Gerais; e Magno Malta, do Espírito Santo, além dos deputados federais Eduardo Bolsonaro, de São Paulo; André Fernandes, do Ceará; Ana Campagnolo, de Santa Catarina; Coronel Zucco, do Rio Grande do Sul; e Bia Kicis, do Distrito Federal.

“Se você quer ter acesso às estratégias que mudaram o meu jogo na corrida eleitoral e não quer perder para um esquerdista em 2024, entre para o Caixa Preta agora”, diz um dos materiais de propaganda da mentoria, que também organiza fóruns com os interessados no programa.

A reportagem se inscreveu em um grupo de WhatsApp que reúne os mentorados por Nikolas Ferreira. Inicialmente aberto apenas para mensagens dos administradores, que faziam divulgação diária do Caixa Preta, o grupo chegou a ser liberado para manifestações de todos por algumas semanas.

Os diálogos mostram que os espaços serviram para os seguidores de Nikolas combinarem estratégias de apoio mútuo nas redes: “Galera, aqui nesse grupo somos 526 pessoas se cada um seguir o outro no Instagram já ajuda muito na campanha de cada um bora fazer esse engajamento nas redes sociais um do outro”, diz uma das mensagens.

O Intercept procurou as assessorias de Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer para que comentassem as atividades descritas na reportagem. Não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestações.

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