Arte com a marca da Jovem Pan e com as teclas usadas para copiar textos no computador.

Clone Pan

Jovem Pan usa plataforma de plágio com nome de Samy Dana para copiar reportagens de outros sites


Reportagem atualizada em 26 de janeiro, às 14h11, para incluir resposta da Jovem Pan e de Luiz Fernando Favaro

Reportagem atualizada em 25 de janeiro, às 16h31, para incluir resposta da empresa Semantix

Reportagem atualizada em 19 de fevereiro, às 13h29, para incluir resposta da Jovem Pan

O Grupo Jovem Pan, composto por rádio, televisão e portal de notícias, tem usado um programa de inteligência artificial para plagiar conteúdo de outros veículos de forma velada, postando no próprio site o material como se tivesse sido produzido por eles, sem dar os devidos créditos aos verdadeiros autores.

A plataforma de plágio leva o nome de “Samy News” e, dentro da própria empresa, segundo ex-funcionários, é atribuída ao economista e professor Samy Dana, um dos principais comentaristas do grupo. 

Esta denúncia chegou ao Intercept Brasil por meio de profissionais que até recentemente atuavam na empresa, demitidos em um acelerado processo de esvaziamento que a Jovem Pan vem sofrendo desde o ano passado.

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Na primeira quarta-feira do ano, 3 de janeiro, a Jovem Pan cortou quatro repórteres dos 11 jornalistas que restavam em sua redação. Responsáveis por alimentar cinco editorias, eles produziam matérias para o site e haviam trabalhado em esquema de plantão durante o fim do ano. Em 2023, ao todo, 18 jornalistas atuavam no portal de notícias do grupo. 

As seguidas demissões, de acordo com os profissionais, têm relação direta com o uso posterior de um programa para copiar notícias de outros portais. Com o trabalho feito por IA, uma das atribuições dos jornalistas passou a ser de checar as cópias, em uma tentativa de despistar o plágio antes das matérias serem publicadas.

Inflada durante o governo Bolsonaro, a Jovem Pan viu as verbas públicas de publicidade decaírem de forma vertiginosa a partir da posse de Lula – despencaram do 12º maior faturamento entre veículos de mídia até atingir números irrisórios, a partir de 2023. 

A emissora também perdeu, conforme publicado no Intercept, importantes cotas de publicidade privada, após o grupo Sleeping Giants Brasil questionar grandes empresas por patrocinarem quem fomentava discurso de ódio, ataque às urnas eletrônicas, além de informações falsas sobre a vacina da covid-19. 

Com problemas de fluxo de caixa, a Jovem Pan apostou, então, na redução da equipe. Para manter o site em funcionamento – inclusive em áreas do portal nas quais cobra do leitor um valor para o acesso às notícias – passou a usar uma plataforma que copia postagens em velocidade industrial, segundo afirmam os ex-funcionários ouvidos pela reportagem.

Um levantamento feito pelo Intercept mostra que, atualmente, 66% do material produzido pela Jovem Pan é feito por inteligência artificial, copiando textos de outros portais – entre eles, G1, Folha, CNN, Estadão, Valor Econômico e UOL. 

Ex-funcionários da Jovem Pan dizem que plataforma de IA com nome de ‘Samy News’ era de responsabilidade de Samy Dana. Foto: Reprodução: Jovem Pan

Plataforma de plágio da Jovem Pan leva o nome de Samy Dana

O programa Samy News, contaram os ex-funcionários, mapeia matérias de outros veículos, altera o texto e disponibiliza para publicação conteúdos em diversas editorias, como economia, política e entretenimento. 

Os profissionais ouvidos não souberam explicar como o comentarista teria implantado a plataforma no dia-a-dia da redação, mas disseram que a mudança partiu dele – e que seu papel, extraoficialmente, é muito mais representativo nas decisões editoriais, indo além da função de um comentarista econômico que se comunica com o público.

Ao ser implementada, a ferramenta funcionava como uma plataforma paralela. Mas, no fim do ano passado, foi anexada diretamente ao publicador no qual os jornalistas da Jovem Pan editam as matérias antes de publicá-las.

Perguntamos ao Samy Dana se ele tem participação no Samy News ou em outra ferramenta de inteligência artificial usada pelo Grupo Jovem Pan. A assessoria do economista alegou que está de férias no exterior e, por isso, não responderia. Insistimos no pedido e recebemos a resposta que alguém da equipe jurídica de Dana entraria em contato com o Intercept – o que, de fato, não aconteceu.

A Jovem Pan também foi procurada, mas não respondeu aos nossos questionamentos. Depois da reportagem publicada, o advogado da emissora entrou em contato com o Intercept e disse que o veículo “vem desenvolvendo e incorporando, em toda sua atividade, inclusive em sua redação, sistemas de inteligência artificial”.

Disse também que as soluções incorporadas “são utilizadas para auxiliar a atividade dos jornalistas na produção de suas notícias”, mas que isso “jamais pode ser interpretado como plágio”. Samy Dana não foi citado na nota enviada pela Jovem Pan ao Intercept.

Antes de ser anexada ao publicador, dizem os ex-funcionários, a ferramenta era acessada diretamente, a partir de uma URL. Tivemos acesso a esse endereço, que parece ter sido feito especificamente para a Jovem Pan. A ferramenta lembra a página inicial de um site de notícias, mas sem nome ou identidade visual. 

Na parte de cima da página inicial, está escrito apenas “news”. No rodapé, a assinatura: “SamyNews © 2023 – Todos os direitos reservados”. Ironicamente, o site traz no rodapé o símbolo de copyright, que protege justamente o direito autoral e a propriedade intelectual dos conteúdos.

Buscamos por “SamyNews” em agregadores de informações de CNPJ, no buscador da Receita Federal, na seção de empresas e negócios da plataforma do governo federal e no site da Junta Comercial do Estado de São Paulo, onde as demais empresas de Samy Dana estão registradas. Nada foi encontrado. 


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O domínio utilizado pela plataforma também não dá dicas: não há nenhuma informação pública sobre o responsável pelo endereço newsjp.mdsai.com.br. 

O endereço mdsai.com.br, por sua vez, é registrado por Luiz Fernando Simões Favaro, cientista de dados da Semantix – uma empresa que vende serviços de inteligência artificial e que, em 2022, contratou Samy Dana para uma palestra.

Contatamos Favaro pelo telefone e e-mail registrados na Receita Federal, mas não tivemos retorno. Depois da reportagem publicada, Favaro entrou em contato e afirmou que desenvolveu, sim, a plataforma a pedido de Samy Dana, como prestação de serviços da empresa de Dana com Adonay de Nuccio, seu sócio. Ele nega, porém, que seja uma plataforma de plágio.

Também depois da reportagem ir ao ar, a empresa de inteligência artificial Semantix entrou em contato com o Intercept para afirmar que, apesar de Luiz Fernando Simões Favaro ser seu funcionário, a companhia não tem nenhuma relação com a plataforma “Samy News”.

Havíamos perguntado a Samy Dana qual era sua relação com Favaro, mas ele não nos respondeu.

Samy Dana e Adonay de Nuccio, sócios, haviam ironizado a troca de jornalistas por inteligência artificial em vídeo publicado no instagram. Foto: Reprodução/Instagram

Assinatura ‘da Redação’ era senha para o plágio

Entre novembro e dezembro de 2023, dizem os entrevistados, utilizar a Samy News passou a ser uma obrigação na redação da Jovem Pan. 

Inicialmente, as matérias feitas por IA eram publicadas apenas por editores. No fim do ano passado, todos tiveram acesso a ela e chegou até a existir uma meta de publicação diária – algo entre 15 e 20 publicações da Samy News ao dia. 

Os repórteres demitidos nos contaram ainda que as postagens feitas a partir da “IA do Samy” eram assinadas como “da Redação” – no jornalismo, essa assinatura é habitual quando o conteúdo publicado não tem a apuração específica de um repórter, como notas oficiais de órgãos públicos ou coletâneas de falas publicadas em redes sociais, por exemplo. Ainda assim, um jornalista fica encarregado de redigir um texto original conectando todas essas informações.

No portal da Jovem Pan, quando o texto era escrito nesse formato, as assinaturas vinham como “Jovem Pan”. E, quando era um texto apurado e redigido por um profissional, aí sim, continha o nome de quem o havia feito.

Desta forma, os repórteres viraram checadores das cópias feitas pela plataforma. E essa nova atribuição não era para garantir a exatidão das informações publicadas, mas para que a empresa não fosse responsabilizada por plágio.

A partir dessas informações, procuramos a quantidade de vezes que textos aparecem no site da Jovem Pan com a assinatura “da Redação”. O Intercept criou um feed RSS com o link de distribuição da Jovem Pan e analisou todas as matérias publicadas entre 1º de dezembro de 2023 e 21 de janeiro de 2024. 

Das demissões em diante, a partir de 3 de janeiro, a ‘Samy News’ ocupou, em média, 66,7% das publicações diárias. O valor é expressivamente mais alto do que antes: entre o começo de dezembro de 2023 e 2 de janeiro de 2024, a média diária de postagens contendo a assinatura “da Redação” era 21,8% do total. 

Antes, o pico de frequência de uso da “IA do Samy” havia sido no dia de Natal, quando os repórteres trabalharam em regime de plantão – ou seja, parte da equipe estava liberada para folgar, e a outra trabalhando com horas adicionais para suprir a cobertura do feriado. 

Nesse dia, 48% do conteúdo teve a assinatura que, segundo os repórteres, era a senha para indicar o plágio. Nos dois dias seguintes à demissão, 78,8% dos conteúdos postados eram cópias de outros sites. Em valores totais, a Jovem Pan publicou 1239 plágios em 52 dias, durante o período analisado pelo Intercept.

Algumas das matérias postadas no site com a assinatura da “da Redação” estavam na área exclusiva para assinantes, chamada de JP Premium. Essa parte do site só tem acesso quem paga um valor por isso – os preços vão de 4,17 a R$ 19,90, ao mês.

Prints de reportagens mostram, na parte de cima, os títulos de O Globo e Jovem Pan. Embaixo, um comparativo dos dois textos e a similaridade entre eles.

Repórteres da Jovem Pan viraram checadores de cópias

De acordo com os ex-profissionais da emissora, a função do repórter, respaldado pelos editores, passou a ser a de checar se o texto feito pela inteligência artificial estava muito parecido com o texto-base, publicado originalmente em algum outro veículo de mídia. 

As matérias vêm da inteligência artificial prontas e ficam disponíveis no publicador da Jovem Pan em modo de rascunho, já com título.

Os repórteres escolhem a matéria, mudam o subtítulo – que vem, por padrão, copiando a primeira linha do texto –, checam se o texto não está igual ao que foi copiado e se não há nenhuma informação flagrantemente errada – se referir ao Lula como “ex-presidente”, por exemplo. Por fim, eles desmarcam a editoria “inteligência artificial” e deixam marcada apenas a editoria do assunto da matéria.

Logo após ao ato em memória do dia 8 de janeiro, uma matéria sobre Randolfe Rodrigues foi ao ar na Jovem Pan. O texto, de dois parágrafos, copia o que havia sido publicado uma hora e meia antes no UOL. Não só as informações são as mesmas, mas a ordem em que elas aparecem no texto – no UOL, em parágrafos separados; na Jovem Pan, tudo junto.

Na parte de cima, títulos do Estadão e da Jovem Pan com a mesma notícia. Embaixo, um comparativo dos dois textos e a similaridade entre eles.

Palavras também são trocadas por sinônimos. O trecho “Apesar de a crítica ser a integrantes da oposição, também atingiu congressistas de todas as siglas. Muitos deputados e senadores de partidos da base de apoio ao governo não vieram a Brasília pelo fato de o evento acontecer no recesso parlamentar”, do UOL, virou “A crítica do senador, vale ressaltar, não se limitou apenas aos membros da oposição, atingindo também congressistas de todas as siglas. Muitos deputados e senadores da base de apoio ao governo não compareceram ao evento devido ao recesso parlamentar”. 

Tudo que antecede ou sucede esse trecho segue a mesma lógica – ordem igual e uso de sinônimos para despistar.

Desta forma, os repórteres viraram checadores das cópias feitas pela plataforma. E essa nova atribuição não era para garantir a exatidão das informações publicadas, mas para que a empresa não fosse responsabilizada por plágio.

Samy Dana e sócio defenderam IA no lugar de jornalistas

A nova função dos repórteres da Jovem Pan virou precisamente o que Adonay de Nuccio, sócio de Samy Dana na PrimeTalk, uma empresa de produção, disse que o ChatGPT iria “atropelar”.

Em um vídeo publicado no Instagram em fevereiro de 2023, o jornalista disse que 70% do jornalismo seria substituído por inteligência artificial, porque grande parte do trabalho é pegar uma mesma informação e escrever sobre ela de maneira diferente. 

Para ele, já existe inteligência artificial que faz isso e “que não reclama de cansaço, que trabalha de madrugada, que não pede VR [Vale Refeição]”. 

“Nem direito trabalhista”, complementou logo em seguida, com um sorriso no rosto, o próprio Samy Dana, então parceiro de bancada de Adonay de Nuccio no “Talk InvestNews”, um podcast do portal de notícias InvestNews.

Samy e Adonay são sócios desde 2017. O registro da empresa deles na Receita Federal lista, entre as atividades que podem ser exercidas, a de “portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet”, uma categoria que permite “operar e gerir websites, ou mesmo a operação de ferramentas de busca”.

Fenaj e sindicato repudiam prática de plágio

A Federação Nacional dos Jornalistas, a Fenaj, organização que representa a classe profissional, foi provocada pelo Intercept a se posicionar sobre o caso da Jovem Pan. 

Eles disseram enxergar três grandes problemas no uso da inteligência artificial nas redações. O primeiro é a empregabilidade. Para Samira de Castro, presidente do órgão, é um risco que a mão de obra humana seja substituída por ferramentas que negligenciam etapas importantes do processo jornalístico, como critério de noticiabilidade e checagem.

O segundo é a violação da propriedade intelectual para a produção de algo por inteligência artificial. Mesmo as mais avançadas ferramentas ainda ancoram suas bases em conteúdos feitos por humanos. Sem direito de uso, isso se torna plágio.

Por fim, Castro aponta que há a questão ética envolvida nesta questão. E, portanto, não avisar ao público que a produção da notícia foi feita por uma inteligência artificial seria uma violação. A Jovem Pan, desta forma, falha nos três quesitos levantados pela presidente da Fenaj.

“O que mais nos preocupa é o uso indiscriminado dessa tecnologia não para melhorar a qualidade da informação, mas para baratear custos de mão de obra: um modelo de uso que desempregue e desinforme, enquanto se apropria intelectualmente do trabalho de terceiros”, afirmou.

Segundo dados da Fenaj, o Brasil perdeu 21,3% das vagas de trabalho formais de jornalistas entre 2013 e 2021, em um movimento de esvaziamento de redações que se acelerou com o jornalismo digital.

O Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo também se manifestou por meio de seu presidente, Thiago Tanji. Para ele, existem aspectos positivos no uso de inteligência artificial e ferramentas automatizadas podem ajudar a rotina de repórteres e redações.

No entanto, ele elenca que “casos onde há uma substituição [de mão de obra humana por inteligência artificial] sem avisar o leitor” e sem “utilizar dessa tecnologia a favor do jornalismo”devem ser “combatidos frontalmente”.

Casos de plágio, o presidente do sindicato paulista reforça, estão sujeitos à sanção legal e são debatidos em conjunto com a Fenaj, que possui um código de ética jornalística.

Após a publicação da reportagem, a Jovem Pan enviou uma nota ao Intercept contestando que utilize Inteligência Artificial para copiar reportagens de outros veículos. A íntegra da nova pode ser lida neste arquivo aqui.

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