Reforma tributária e alimentação têm tudo a ver. Entenda nesta reportagem.

Cinco pontos da reforma tributária que devem piorar sua alimentação

Reforma tributária tem trechos incluídos sorrateiramente para favorecer indústria alimentícia e o agronegócio em detrimento da comida no seu prato.

Reforma tributária e alimentação têm tudo a ver. Entenda nesta reportagem.

O texto da reforma tributária que está prestes a ser aprovado na Câmara dos Deputados, após votação no Senado, tem ao menos cinco pontos que favorecem a indústria alimentícia e o agronegócio em detrimento de uma alimentação mais saudável para os brasileiros. 

Em um dos artigos da Proposta de Emenda Constitucional, a PEC 45/2019, há brecha para que alimentos ultraprocessados e agrotóxicos tenham menos impostos, em vez de serem incluídos no rol de produtos com tarifa maior, por serem nocivos à saúde ou ao meio ambiente. 

Conheça agora este e todos os outros jabutis da reforma tributária que podem tornar sua alimentação pior.

Menos imposto para ultraprocessado e agrotóxico

Algumas das maiores ameaças que o texto da reforma tributária oferece à alimentação saudável dos brasileiros estão no artigo 9º. Ele prevê “regimes diferenciados de tributação” para uma série de bens e serviços considerados essenciais. Entre eles, estão os “alimentos destinados ao consumo humano” e os “insumos agropecuários”, que terão redução de 60% nas alíquotas de impostos.

Parece bom, mas ultraprocessados como mortadela e bolacha recheada também são consumidos por seres humanos, e agrotóxicos são insumos agropecuários – que acabam no nosso prato. 

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Sem definir critérios claros para os itens que terão impostos reduzidos, produtos como esses podem ser favorecidos com a mesma tarifa de alimentos saudáveis, medicamentos e serviços de educação, por exemplo.

Segundo Marcello Baird, doutor em ciência política e coordenador de advocacy da ONG ACT Promoção da Saúde, o texto deveria garantir que a alíquota reduzida seria apenas para “alimentos destinados ao consumo humano que atendam ao critério de essencialidade e saudabilidade e para insumos agropecuários, exceto os considerados tóxicos”.

A pegadinha do Imposto Seletivo na reforma tributária

Outro trecho desse mesmo artigo que favorece a indústria de ultraprocessados e o agronegócio é o parágrafo 9º, um jabuti inserido de forma sorrateira, sem discussão alguma. Ele diz que o Imposto Seletivo, o IS, “não incidirá sobre os bens ou serviços cujas alíquotas sejam reduzidas”, como é o caso dos alimentos destinados ao consumo humano e os insumos agropecuários. Isso dá brecha para deixar de fora também os ultraprocessados e os agrotóxicos.

O IS substitui o Imposto sobre Produtos Industrializados, o IPI, um tributo aplicado para desestimular o consumo de determinados itens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. 

Tudo piora quando se conhece a forma como o parágrafo foi inserido. Ele não aparecia no texto da PEC até pouco antes de a proposta ser votada na Câmara dos Deputados. “O relator Aguinaldo Ribeiro [do PP] incluiu o parágrafo 9º com a votação já em plenário. Ninguém sequer estava sabendo”, contou Baird, que acompanha de perto toda a movimentação em Brasília envolvendo a reforma tributária. 

Já no Senado, o relator Eduardo Braga, do MDB, retirou o parágrafo do relatório que apresentou em uma coletiva de imprensa, em 25 de outubro pela manhã. Mas a alegria durou pouco. No fim da tarde, um novo relatório foi inserido no sistema e lá estava o parágrafo de volta, na página 84. 

Para Baird, isso é fruto de muita pressão do agronegócio. “O agro está levando tudo que quer. Já estão com redução de alíquota em insumo e produto agropecuário, aumentou o teto para os produtores não pagarem imposto e agora garantem a exclusão do Imposto Seletivo”, criticou.

Outra mudança importante em relação à substituição do IPI pelo IS é que a aplicação do tributo, antes, era definida por meio de decreto do Poder Executivo. Agora, o Legislativo pegou esse poder para si. Os produtos que receberão IS vão ser definidos por lei complementar, e o valor das alíquotas será estabelecido por lei ordinária

Baird avalia que isso é uma distorção da função do tributo: “Se os indicadores de saúde estiverem ruins, o governo não poderá assinar um decreto aumentando o imposto de determinado produto para desestimular seu consumo, visando a melhoria dos indicadores”. 

Lobby do suco também favorece má alimentação

Ainda no artigo 9º da reforma tributária, há outro trecho que parece positivo à primeira vista, mas pode ser uma pegadinha. O texto ressalta que “os sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes” terão redução de 60% de impostos. 

Baird avalia que isso é fruto de lobby de um setor específico da indústria alimentícia, e não garante que a bebida seja saudável. “Pode não ter açúcares e conservantes, mas ter outros aditivos, como os edulcorantes” – aditivos alimentares definidos pela Anvisa como “substâncias diferentes dos açúcares que conferem sabor doce ao alimento”.

Ele defende que o trecho da PEC, como está, é inadequado à luz da Constituição Federal, que deveria dar diretrizes como “alimentos saudáveis serão contemplados com redução de alíquota”. Nesse caso, destacou Baird, usaram um produto muito específico, como suco, para dar uma impressão enganosa, do ponto de vista de alimentação saudável.

A cesta básica dos alimentos ruins

A criação da Cesta Básica Nacional de Alimentos, que será livre de impostos, foi uma conquista para os movimentos que lutam por maior tributação para alimentos não saudáveis. 

O artigo 8º foi incluído na Câmara de Deputados e melhorado pelos senadores, que acrescentaram a “diversidade regional e cultural” e a “alimentação saudável e nutricionalmente adequada” como critérios para os produtos que vão compor essa cesta. 

Mas os parlamentares abriram outra brecha: a cesta básica estendida, cujos produtos terão redução de 60% nos impostos. O problema é que os critérios usados para a Cesta Básica Nacional de Alimentos não estão expressos no parágrafo que menciona a cesta básica estendida. 

“Novamente, os ultraprocessados podem ser favorecidos com redução de alíquota”, alertou Baird.

A reforma tributária será aprovada com um texto genérico, que deixa para a regulamentação definir, por exemplo, que produtos são prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Por enquanto, parece haver consenso apenas sobre tabaco e álcool, embora nem mesmo estes sejam citados expressamente como prejudiciais. 

Todos os outros produtos ainda serão alvo de disputa política e de lobby em 2024. É nesse momento, afirmou Baird, que a sociedade tem que estar muito atenta, porque a indústria vai defender seus interesses ferrenhamente. 

“A regulamentação deve partir de um texto do Poder Executivo. O tabaco e o álcool já têm um debate avançado na sociedade de que são prejudiciais. Agora, vamos ver a coragem do governo para dar um passo adiante, alinhando-se a vários países do mundo que tributam alimentos não saudáveis”, disse Baird.

O governo federal tem pressa para concluir a votação da reforma tributária antes do recesso de fim de ano. Por isso, apenas alguns ajustes mínimos poderiam ser feitos agora para melhorar o texto que voltou do Senado e está para ser aprovado na Câmara. 

Um deles é incluir, na cesta básica estendida, os mesmos critérios de alimentação saudável que constam na Cesta Básica Nacional de Alimentos. Também seria essencial excluir o sorrateiro jabuti que é o parágrafo 9º do artigo 9º. 

Resta saber se a toda poderosa bancada do agro vai permitir que isso aconteça.

Correção: 12 de dezembro, 16h28
Uma versão anterior deste texto afirmava que o relator da PEC é Aguinaldo Oliveira. Seu nome é, na verdade, Aguinaldo Ribeiro.

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