Vozes

Ônibus queimados no Rio: Zinho mandou o recado de que quem manda é a milícia

Com ataques recordes a ônibus no Rio, o miliciano Zinho provou ter um poder muito maior do que se imaginava.

Carcaças de ônibus queimados na zona oeste do Rio de Janeiro. Os coletivos foram incendiados por milicianos após a morte do número dois do comando da milícia. Em toda a zona oeste foram 35 ônibus totalmente destruídos, uma estação do BRT e um trem.

A ação que resultou em 35 ônibus queimados na zona oeste do Rio realizada pela milícia de Luís Antônio Braga da Silva, conhecido como Zinho e irmão de Ecko, revela que ele tem uma capacidade de articulação muito consolidada e muito mais ampla do que as pessoas tinham noção anteriormente.

Na verdade, ele unificou uma estrutura miliciana que parecia ser cindida pela disputa com Tandera, e depois com a disputa com o Tauã (Tubarão). Esses dois grupos tinham rachado com a milícia do Zinho, mas nesta segunda-feira, ele deu uma manifestação de poder de controle muito mais amplo e mais intenso do que se possa imaginar.

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar

No ano de 2020, a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Civil mataram 17 membros dessa milícia, em uma operação que durou dois dias de outubro, um mês antes das eleições municipais. A milícia absorveu essas mortes e a partir daí passou a construir uma possibilidade de resposta que seria acionada quando fosse necessária. 

A milícia absorveu inicialmente as mortes como parte da estrutura de relação entre ela e a estrutura policial, só que essa absorção foi progressivamente sendo reconfigurada numa resposta mais dura, de confronto e com impactos para a cidade como um todo.

A HISTÓRIA DA MAIOR MILÍCIA DO RIO

Infográfico: Kiki Tohme para o Intercept Brasil

Zinho passa um recado: quem manda é a milícia

O recado que o Zinho tá dando é nítido: quem manda nesse território aqui, nessa extensão urbana imensa, é ele. E demonstra seu poder com todos esses ônibus incendiados. Ele tem alianças com o Terceiro Comando. Isso vem da origem deles, da família Braga da Silva. 

São três irmãos que se unificaram: Carlinhos Três Pontes, o primeiro que inicia na milícia, depois o Ecko, e agora Zinho. Unificaram, na verdade, essa estrutura miliciana, que mesmo com as fragmentações que surgiram se mantém unificada. 

Não só unificou como ele ampliou o leque de acordos, que não é só o Terceiro Comando. Agora Zinho conta com alianças com o Comando Vermelho, algo raríssimo.

 Zinho conseguiu firmar, a partir da sua base de poder, alianças para se sustentar nas disputas internas. 

Agora Zinho conta com alianças com o Comando Vermelho, algo raríssimo.

A mudança recente do comando da Polícia Civil que saiu do Torres e foi para o Marcos Amim também pode ter a ver com esse cenário. Marcos Amim é afeito às dimensões de confronto e de morte. Ele é o cara que comandou a chacina do Jacarezinho, ele é uma espécie de “influencer” da Polícia Civil. 

Leia também

Marcos Amim foi projetado por uma outra estrutura miliciana. Quem indicou ele para o governo foi o deputado estadual Márcio Canella que divide com Waguinho, Belford Roxo, a partir da estrutura miliciana de poder dentro da estrutura policial.

O presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar, dá suporte a Márcio Canella, que fez pressão para indicar Marcos Amin.

Então, na verdade, nós temos um cenário de composição da polícia mais ampla com a estrutura miliciana. Mas é uma estrutura miliciana por dentro da estrutura policial que faz confrontos e que mata os civis, que não são diretamente vinculados à estrutura da Polícia Civil. Isso é uma prática já comum deles, como eu falei, desde 2020. 

Temos um cenário de composição da polícia mais ampla com a estrutura miliciana. Mas é uma estrutura miliciana por dentro da estrutura policial que faz confrontos e que mata os civis.

A morte do sobrinho de Zinho deu motivação para esse conjunto de incêndios e está dentro de uma mudança na estratégia interna que não está sendo aceita – a mudança que faz com que civis sejam mortos na estrutura de confronto com a polícia, enquanto a estrutura policial é preservada. Essa tem sido uma estratégia, já adotada há bastante tempo aqui. Se expõe os civis, eles são mortos, eles viram bucha de canhão para poder servir de exemplo de combate à milícia feita pela Polícia Civil. 

Enquanto a estrutura policial dentro das milícias é preservada e as operações policiais vão vitimar na sua maioria das vezes esses civis. Então parece que essas divisões internas – essas disputas para essa estrutura de poder e as modificações recentes –, estão eclodindo um novo cenário dentro dessa configuração miliciana.

Como nasce um miliciano?

Poder miliciano penetrou na estrutura da Zona Oeste do Rio

Isso está também expressando que o poder miliciano está muito mais amplo e muito mais penetrado na estrutura social e geográfica de todo esse eixo da Zona Oeste – de Santa Cruz, Recreio, Barra, passando todos esses territórios e manifestando seu poder agora. Poder muito mais consolidado e acho que essa é a manifestação desses eventos todos que nós estamos vendo agora. 

Essa é uma reflexão que a gente vai ter que fazer daqui para frente: como uma estrutura de grupo armado como essa foi capaz de penetrar tantos espaços e ter tanto poder assim? Como ela também não é atingida?  

Porque, na verdade, a estrutura miliciana não tem nada de paralelo, ela está toda penetrada pela estrutura do Estado. 

Ela penetra nessa estrutura toda, só que essa estrutura do Estado é contraditória e opera em cima dela para produzir efeitos, como as mortes. Só que agora essa estrutura não tá mais se submetendo a esse projeto de pagar o pato, então simplesmente os milicianos querem manifestar poder, querem impedir que isso continue acontecendo.

A estrutura miliciana não tem nada de paralelo, ela está toda penetrada pela estrutura do Estado.

A morte do Faustão, deste irmão do Zinho foi o grande mote para eles mostrarem agora quem eles são e o poder que eles têm em colocar em uma cidade inteira de joelhos, como não é cidade inteira, mas uma parte significativa da cidade refém na mão deles. Os milicianos têm essa capacidade hoje.

Então é um recado para o Marcos Amin que assume com uma posição nítida de confronto. Vamos ver os próximos lances, como isso vai se desenrolar a partir da entrada de Amim. E, na verdade, Cláudio Castro e Marcos Amin, e toda a estrutura de poder político, querem ganhar dividendos com essas dimensões da estrutura policial matando por um lado e da estrutura de controle territorial econômico e político que a milícia possui. Então como é que eles vão agora equilibrar essas duas dimensões? Como eles vão jogar para plateia, para a opinião pública dizendo que estão combatendo a milícia e, ao mesmo tempo, mantê-la como principal estratégia deles? É isso que eles estão fazendo. 

É esse o grande jogo de cena: você mata e diz que combate, mas, ao mesmo tempo, você está extremamente vinculado à estrutura miliciana. Essa estrutura compõe grupos militares e grupos civis e todos esses grupos partem de um controle territorial armado com ganhos econômicos e ganhos políticos eleitorais. Tudo isso vira um grande cenário em movimentação e modificações que estão ocorrendo recentemente. Então nós estamos no meio desse cenário, desse furacão todo e é preciso acompanhar cada detalhe. 

Somos há décadas reféns desses grupos armados aqui no Rio de Janeiro. Eles vêm crescendo e vão aprofundando essa capacidade de atuação. Os milicianos estão sendo capazes de alterar o cenário muito rapidamente, se reconfigurar, fazer alianças e continuar com a sua estrutura de poder. 

Podem até matar Zinho, podem matar todos, quem seja que forem colocar lá como líderes. Eles podem matar nessa estrutura, mas ela é feita para continuar mesmo que morram pessoas, seja o Faustão, seja quem for. Essa estrutura é muito mais ampla, com muito mais ganhos. Ganhos para esses que dizem que estão combatendo, principalmente para esses estão no governo e na Assembleia Legislativa. 

Tudo isso está conectado e muito dinheiro rola a partir dessa estrutura e poder.

Nem todo mundo pode se dar ao luxo de pagar por notícias neste momento.

E isso está tornando cada vez mais difícil financiar investigações que mudam vidas.

A maioria dos jornais lida com isso limitando o acesso a seus trabalhos mais importantes por meio de assinaturas.

Mas no Intercept Brasil, acreditamos que todos devem ter acesso igual à informação.

Se você puder, há muitos bons motivos para nos apoiar:
1) Nosso objetivo é o impacto: forçamos os ricos e poderosos a respeitar pessoas como você e a respeitar a lei
2) Somos financiados pelos leitores, não por corporações, e somos sem fins lucrativos: cada real vai para nossa missão de jornalismo sem rabo preso, não para pagar dividendos
3) É barato, fácil e seguro e você pode cancelar quando quiser

Escolha fortalecer o jornalismo independente e mantê-lo disponível para todos com uma doação mensal. Obrigado.

FAÇA PARTE

Faça Parte do Intercept

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar