O delegado aposentado da Polícia Federal Jomar Duarte Bittencourt recebeu uma doação de Manoel Inácio Brazão, irmão do ex-deputado estadual Domingos Brazão, para sua campanha a deputado federal pelo Avante, em 2018. Manoel Inácio é mais conhecido no meio político como Pedro Brazão e, naquele mesmo ano, concorreu pelo PR a uma cadeira na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Apesar de serem de partidos diferentes, eles fizeram uma campanha casada.
Morto em 2020 pela Covid, Jomar Bittencourt é pai de Jomar Bittencourt Júnior, mais conhecido como Jomarzinho, responsável por vazar informações da operação da Polícia Civil que prendeu Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, acusados de terem executado a ex-vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, em março de 2018.
Na campanha daquele mesmo ano, Jomar Bittencourt esteve muito associado a Pedro Brazão. Eles saíram pelas ruas da Piedade, bairro na zona oeste do Rio, onde o ex-delegado presidia o River Futebol Clube. O ex-delegado chegou a usar adesivos dele e de Pedro e divulgar santinhos das duas candidaturas conjuntas nas suas redes sociais.
Além disso, há um outro vínculo direto entre eles. Em toda sua campanha, Jomar Bittencourt registrou apenas uma receita: uma doação de R$ 250 justamente de Pedro Brazão. O valor é irrisório, mas indica mais um elo entre as famílias, em uma relação importante pelo fato de Domingos Brazão, ex-deputado estadual do Rio, com passagens pelo MDB, figurar entre os possíveis mandantes da morte de Marielle.
Como demonstrou o Intercept, Jomarzinho temeu a prisão do político e trocou mensagens com o sargento da PM Maurício da Conceição dos Santos Júnior, na véspera da operação ser deflagrada. O diálogo, registrado no dia 11 de março de 2019, às 23h, mostra que a operação foi vazada, ainda que Brazão nem tenha sido um dos alvos. “Pelo que me falaram vão até prender Brazão e Rivaldo Barbosa”, escreveu Jomarzinho.”Puts”, respondeu Maurício.
Rivaldo Barbosa é delegado e ex-chefe da Polícia Civil do Rio. Tempos depois, a PF associou a ele a um suposto recebimento de propina para impedir avanços na investigação do caso. Barbosa negou as acusações.
À época, Domingos Brazão era acusado pela Operação Lava Jato de receber propinas de empresários do setor de transporte. Por isso, estava afastado do cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Rio.
As investigações sobre a morte de Marielle cogitam a hipótese de que essa acusação tenha motivado o político a encomendar o crime por vingança contra Marcelo Freixo, à época deputado estadual pelo Psol e atualmente presidente da Embratur. Freixo, com quem Marielle trabalhou por dez anos antes de ser eleita vereadora, ajudou os procuradores da República nas operações da Lava Jato do Rio que resultaram nas prisões de políticos do MDB, a exemplo do próprio Brazão, e dos então deputados estaduais Paulo Melo, Edson Albertassi e Jorge Picciani – este último, morto em 2021.
A estranha vida política de Jomar
Jomar Bittencourt foi um político irrelevante e com nenhuma fidelidade partidária. As eleições de 2018 foram sua quarta tentativa de se eleger a um cargo político, sempre por um partido diferente e com ideologias distintas.
Em 2002, filiado ao PTB, concorreu a deputado estadual, sem sucesso. Migrou para o PT e, em 2004, tentou a sorte na Câmara Municipal do Rio. Em 2012, tentou novamente uma vaga como vereador, desta vez pelo Partido Social Democrata Cristão, o PSDC – em todas foi derrotado. Em 2018, mesmo ano do assassinato de Marielle, Jomar migrou para o Avante, partido que havia sido repaginado a partir do PTdoB, um ano antes, e, apesar dos fracassos eleitorais anteriores, sonhou mais alto: arriscou uma vaga como deputado federal.
Suas campanhas sempre tiveram arrecadações modestas – o que levanta a hipótese de Jomar não lançar candidaturas competitivas, mas sim de atuar como cabo eleitoral para outros candidatos. Em 2004, ele arrecadou R$ 19 mil. Em 2012, o valor foi bem mais baixo: R$ 3,3 mil.
Em 2018, além dos R$ 250 doados por Brazão, o candidato praticamente não se movimentou em prol da sua própria candidatura. Ele ainda teve teve as contas rejeitadas pelo Tribunal Eleitoral do Rio de Janeiro. Isso porque não indicou um contador para cuidar das contas relativas à campanha, omitiu despesas e registrou movimentações financeiras divergentes na prestação de contas da campanha. Ainda que os montantes fossem pequenos, o TRE-RJ entendeu que as falhas “comprometem a confiabilidade e transparência das contas prestadas”. Bittencourt teve pouco mais de 1,4 mil votos.
Sem querer revelar o nome, uma pessoa que acompanhou a candidatura de Bittencourt disse que ele fez uma “campanha simples, bem protocolar”, mas certamente gastou mais do que os R$ 250 que recebeu de Pedro Brazão.
A influência dos Brazão no Avante
Primeiro dos irmãos a se aventurar na política, Domingos Brazão, caçula e líder do clã, ganhou o cargo de vereador pelo PL, em 1996. Passou para o PTdoB e, em 1998, se tornou deputado estadual do Rio de Janeiro. Dois anos depois, comprou briga no partido para ser o candidato à prefeitura – amargou a oitava posição na disputa. Logo depois, trocou o PTdoB pelo PMDB. Foi reeleito nas quatro disputas seguintes. Só deixou a Alerj em 2015, quando foi nomeado conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Chiquinho Brazão se juntou ao irmão em 2004, quando foi eleito vereador do Rio de Janeiro pelo PMDB. Por anos, os dois irmãos tiveram sucesso na empreitada política, com os votos vindos da zona oeste, área de milícia do Rio de Janeiro.
Mas o desgaste com as investigações contra políticos do MDB, como os ex-governadores do Rio Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, condenados por corrupção, e os próprios escândalos de Domingos atrapalhavam os planos da família. Com a popularidade em baixa, o líder da família procurou Vinicius Cordeiro, presidente do Avante e velho conhecido desde os tempos de PTdoB, para saber sobre as disputas eleitorais daquele ano.
Seria mais fácil eleger a família em um partido menor. Cordeiro e Domingos entraram em um acordo: Chiquinho migraria para o Avante concorrendo a deputado federal. “Eles trouxeram outros candidatos. Mas todo mundo que ele lançou a federal era para ajudar o Chiquinho a se eleger na chapa. E eles dobravam com o Pedro para estadual”, explicou Cordeiro. “Claro que foi bom também para o Avante, com mais deputados, a gente ganha mais tempo de TV e fundo eleitoral”, completou.
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Era esse o papel de Jomar Bittencourt na eleição de 2018: ajudar a eleger a família Brazão. “Jomar era líder comunitário, presidente de um clube. Não foi só agora nessa eleição, a família está ligada a ele há 20 anos”, contou Cordeiro.
Pedro Brazão investiu dinheiro também em outros candidatos do Avante para eleger o irmão. Foram R$ 45,2 mil para sete postulantes a candidato federal pela legenda, distribuídos assim: R$ 39,5 mil para Chiquinho Brazão; R$ 1,7 mil para Vera Ramos da Silva; R$ 1,55 mil para Lucia Regina Soares Carrilho; R$ 1,283 para José Regislando de Figueiredo Filho; R$ 700 para Carlos Alberto Siqueira da Silva; e R$ 250 para Jomar Bittencourt e para Ricardo de Souza Barcelos – destes todos, apenas seu irmão foi eleito.
Chiquinho recebeu R$ 300 mil do partido para disputar as eleições. Um valor pequeno se comparado a outros candidatos eleitos, como Luis Tibé, presidente do partido, que levou R$ 2,2 milhões, ou Greyce Elias, que angariou R$ 500 mil. Chiquinho se elegeu deputado federal com 25,8 mil votos, e Pedro deputado estadual, com 26,8 mil votos.
Foram números baixos, comparado aos anos de auge da família. Em 2002, Domingos Brazão recebeu mais de 60 mil votos na disputa por uma vaga na Alerj. Em 2008, Chiquinho recebeu mais de 37 mil votos só na cidade do Rio de Janeiro, quando se reelegeu vereador.
Ainda assim, com as vitórias, o sobrenome da família recuperou parte da popularidade – dentro e fora do partido. Chiquinho virou vice-líder na Câmara dos Deputados e vice-presidente estadual do Avante. E ainda colocou mais um antigo aliado nas disputas municipais de 2020: Waldir Rodrigues Moreira Junior. Embora não seja parente da família, pela proximidade, é chamado de Waldir Brazão.
Antes, ele era chefe de gabinete de Pedro Brazão. Com a estrutura do Avante, que doou R$ 270 mil para sua campanha, Waldir se elegeu vereador do Rio de Janeiro.
Em 2021, o papel do pequeno Avante se esgotou para a família Brazão. Pedro e Chiquinho migraram para o União Brasil, o partido com maior fundo eleitoral do país: R$ 758 milhões. No ano seguinte, concorreram à reeleição e ambos se reelegeram.
Os escândalos dos Brazão
A trajetória política de Domingos Brazão é marcada pela violência. Em março de 1987, Domingos matou a tiros um homem e feriu outro por causa de uma desavença entre vizinhos. O inquérito policial mostrou que ele perseguiu os dois homens e efetuou os disparos pelas costas. Ele alegou legítima defesa. O caso nunca foi submetido a júri popular e tramitou durante 15 anos até a denúncia ser rejeitada pela corte especial do Tribunal de Justiça, quando Brazão era deputado estadual.
“A autoridade policial destacou, à época, a índole violenta e perigosa do réu, que constantemente portava arma e se unira a ‘grileiros’ que disputavam a posse das terras na região”, afirmou em 2002, José Muiños Pinheiro Filho, então procurador-geral de Justiça, chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, e posteriormente desembargador.
Anos depois, Brazão teria seu nome citado na CPI das Milícias, em que Marielle trabalhou no caso como assessora parlamentar dentro do gabinete de Freixo. Ele prestou depoimento meses após o atentado e negou qualquer participação. Em um inquérito anterior da PF, que apurava um esquema para atrapalhar as investigações do duplo homicídio, ele foi citado em 2019 “como um dos possíveis mandantes”.
No mesmo ano, a então procuradora-geral da República Raquel Dodge chegou a afirmar na denúncia que fez contra Brazão por obstrução de justiça que ele “arquitetou o homicídio” de Marielle. Brazão negou novamente qualquer envolvimento.
Em 2008, Domingos e Chiquinho Brazão foram citados no relatório da CPI das Milícias, presidida por Freixo, como políticos influentes no bairro de Oswaldo Cruz, na zona norte do Rio. Entre os milicianos da região apontados no relatório, um deles voltou aos noticiários recentemente: Edmilson Oliveira da Silva, o Macalé, assassinado em 2021. Segundo a delação de Élcio de Queiroz, Macalé foi quem levou o “trabalho” ao atirador Ronnie Lessa e ajudou na vigilância de Marielle nos meses anteriores ao crime.
Pedro Brazão, o primogênito, entrou apenas em 2018 nas disputas eleitorais, pelo Partido da República, o PR, que se tornaria, em 2022, o Partido Liberal, do ex-presidente Jair Bolsonaro. Embora seja o último dos Brazão a entrar na política, ele não fica de fora das suspeitas de participação em atividades criminosas.
Em 2018, uma conversa grampeada entre Fábio Campelo Lima e Manoel Brita Batista, acusados de integrar as milícias de Rio das Pedras e Muzema, na zona oeste do Rio, apontou uma ligação do grupo com a família Brazão.
Lima precisava resolver um problema com propinas pagas a funcionários da Prefeitura para facilitar a documentação dos imóveis ilegais do grupo. Ele ligou para João Carlos Macedo da Silva, que se tornaria assessor parlamentar de Pedro Brazão, a fim de resolver a questão por outros caminhos. Em outra conversa, Batista menciona diretamente o nome de Pedro Brazão na intermediação do negócio ilegal. Os dois milicianos foram presos em 2019 na Operação Intocáveis.
Vale ressaltar que o ex-vereador Nadinho, assassinado em 2009, contou à CPI das Milícias que Domingos Brazão havia feito campanha em Rio das Pedras no ano anterior – em áreas dominadas por milicianos, são liberadas apenas propagandas eleitorais de políticos amigos.
Entramos em contato com o deputado Pedro Brazão para saber da relação de sua família com Jomar Bittencourt, mas não tivemos resposta.
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