Condições de trabalho nota zero: aplicativos não pontuaram em nenhuma das cinco categorias avaliadas pela organização Fairwork.

Uber, Rappi e Loggi conseguem proeza de zerar avaliação de trabalho decente

Outras quatro plataformas também não pontuaram em nenhum dos critérios, que incluem salário mínimo, condições de trabalho e comunicação.

Condições de trabalho nota zero: aplicativos não pontuaram em nenhuma das cinco categorias avaliadas pela organização Fairwork.

Falta muito para o mínimo. Essa é a conclusão do segundo relatório da Fairwork, organização internacional que avalia as condições de trabalho em plataformas digitais como a Uber, Loggi e iFood. No Brasil, quando se fala de mínimo, é o mínimo mesmo: salário mínimo, fornecimento de equipamentos e treinamento para saúde e segurança, contratos justos, canal de comunicação e liberdade de associação dos trabalhadores.

Das 10 empresas avaliadas no relatório, lançado nesta terça-feira, sete conseguiram a proeza de zerar todos os critérios de avaliação: Uber, Rappi, Loggi, Americanas Entregas Flash, Lalamove e GetNinjas. As outras três pontuaram pouco. O AppJusto, plataforma paulista de entregas, conseguiu três pontos – de um total de 10. O iFood conseguiu dois. E a Parafuzo, que terceiriza serviços de limpeza, um.

É um resultado pífio que mostra que, desde a primeira avaliação, divulgada no ano passado, pouca coisa mudou – pouca coisa mudou – embora as empresas, muitas delas milionárias, sigam lucrando e investindo pesadamente em publicidade e lobby. A Uber, por exemplo, até piorou. Na avaliação passada, a empresa tirou 1 ponto. Agora, mesmo registrando uma receita global de 8,8 bilhões de dólares no primeiro trimestre de 2023, não conseguiu comprovar que cumpre os critérios mínimos de decência para os trabalhadores.

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“As jornadas de 60 a 80 horas semanais são realidade. Os ganhos abaixo do salário mínimo, retirados os custos para trabalhar, tendem a ser a regra. A falta de seguridade social tornou-se normal”, escreveram os pesquisadores. 

Eles analisam várias práticas das empresas com base em cinco critérios básicos. A primeira é a remuneração: a empresa consegue provar que os trabalhadores recebem um salário mínimo, independentemente de seu vínculo empregatício? A segunda é relacionada à proteção da saúde e da segurança dos trabalhadores, especialmente importante nos casos que envolvem riscos, como entregas, por exemplo. A terceira são os contratos, que devem ser acessíveis e não podem eximir as plataformas de responsabilidade.

As duas últimas dizem respeito à gestão. Os trabalhadores devem ser ouvidos, contar com um canal de comunicação e poder recorrer de decisões prejudiciais – e à representação. Seja qual for o vínculo, os colaboradores devem ter o direito de se organizar coletivamente, com cooperação das plataformas.

Com base nesses critérios, as empresas são analisadas com pesquisa documental, entrevistas com trabalhadores e reuniões com os gestores. Se elas conseguirem provar que cumprem os critérios, recebem os pontos.

Das plataformas avaliadas, só Parafuzo e AppJusto conseguiram provar que os trabalhadores recebem mais de R$ 6 por hora – o que equivale a um salário mínimo por mês: R$ 1.320. Vale lembrar que mesmo esse valor está muito aquém do necessário – o salário mínimo ideal, segundo o Dieese, seria de R$ 30 por hora.

Em relação às condições de trabalho, nenhuma das empresas cumpriu os requisitos de fornecimento de treinamento e equipamentos adequados. Já contamos, aqui no Intercept, casos de entregadores acidentados, e vítimas de assaltos, que evidenciam os riscos e a falta de assistência  que esses profissionais enfrentam.

Pontuações da avaliação de trabalho decente da Fairwork, zerada por empresas como Uber, 99, Rappi e Loggi. Imagem: Reprodução/Fairwork

Sobre os contratos, apenas iFood e AppJusto mostraram que cumprem requisitos de clareza e transparência. As duas empresas também conseguiram mostrar que cumprem os critérios de gestão justa, ou seja, têm canais de comunicação e permitem que os trabalhadores reclamem e recorram em caso de erro, como um desligamento indevido. 

Nenhuma plataforma pontuou no critério de representação – ou seja, assegurar liberdade de associação e de expressão dos trabalhadores, permitindo que eles se organizem sem risco. O iFood, por exemplo, tem uma prática de “dividir para conquistar“, articulando encontros com algumas associações e entregadores, que acusam a empresa de tentar “criar conflito” entre eles. 

 “O relatório mostra mais continuidades e permanências que mudanças na economia de plataforma no país”, disse ao Intercept Rafael Grohmann, professor da Universidade de Toronto e coordenador da pesquisa. Na avaliação dele, as empresas “podem fazer muito mais”. “A regulação deve passar pela garantia dos princípios de remuneração, condições de trabalho e contratos dignos”, diz Grohmann.

iFood, Uber, 99, Rappi, Loggi e outras plataformas reprovaram avaliação de trabalho decente da Fairwork. Foto: Bruno Santos/ Folhapress

O poder do lobby

A justiça tem entendimentos contraditórios sobre reconhecer ou não o vínculo empregatício e os direitos dos trabalhadores de plataformas. Ao mesmo tempo, as empresas têm estratégias para manipular a jurisprudência, sugerindo acordos quando sabem que vão perder uma ação movida pelo trabalhador, como revelou o Intercept.

No vácuo legal, o governo federal estuda, com base em uma promessa de campanha de Lula, uma regulação para garantir mais direitos à categoria. Um grupo de trabalho está atuando para discutir o tema.

Nesse cenário, os pesquisadores da Fairwork chamam a atenção para a capacidade de mobilização e lobby dessas empresas. O iFood, por exemplo, tem uma tropa de choque no Congresso, ao lado de Google e outras gigantes de tecnologia. A Frente Digital é uma das responsáveis, por exemplo, por incubar o projeto de lei da empresa que quer criar uma nova categoria de trabalhadores, com menos direitos. Ao mesmo tempo, aprofundam relações com o terceiro setor, com think tanks, e promovem pesquisas enviesadas para defender seus interesses. 

“Apesar de afirmarem o contrário, as plataformas têm controle substancial sobre a natureza dos trabalhos”, escreveram os pesquisadores no relatório. “Os trabalhadores que encontram suas atividades por meio de plataformas ainda são trabalhadores, e não há base para negar a eles os principais direitos e proteções”.

Procurada, a Uber afirmou que o documento divulgado pela Fairwork “carece do rigor científico mínimo para que possa ser classificado como um trabalho de pesquisa”. Para a empresa, “a metodologia tem falhas que comprometem os resultados e impedem que a iniciativa seja usada na construção de melhorias aos maiores interessados: quem usa aplicativos para trabalhar”. A Uber afirma não ter participado do relatório e diz que as avaliações são “arbitrárias” e influenciadas “por concepções ideológicas”.

Já o iFood reafirmou sua postura de “colaboração” com a Fairwork. A empresa, no entanto, lamenta que sua nota “não reflita os avanços” que alega ter conquistado em prol dos trabalhadores. “Continuaremos trabalhando para alavancar as condições de trabalho”, disse o iFood, lembrando que a empresa integra o grupo de trabalho criado pelo governo federal para discutir a regulação do setor. 

Já a Loggi afirmou que não participaria da reportagem. A assessoria da empresa encaminhou o contato para o Movimento Inovação Digital, associação que representa empresas do setor. O MID, como é conhecido, afirmou que qualquer diálogo entre profissionais e aplicativos deve considerar pluralidade, escuta e participação e estudos de impacto, e disse ter endereçado os pontos levantados ao grupo de trabalho do governo federal. A entidade não comentou os resultados da pesquisa.

Atualização: 25 de julho de 2023, 13h01

O texto foi atualizado para inclusão do posicionamento do MID.

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