Ilustração: Intercept Brasil; Agência Brasil

Ricardo Barros abre empresa de fertilizantes após liderar governo Bolsonaro na crise dos fertilizantes

Como deputado e líder do governo na Câmara, Barros defendeu interesses do setor em que, agora, atua como empresário.

Ilustração: Intercept Brasil; Agência Brasil

O ex-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros, do PP, fundou uma empresa de fertilizantes chamada Juazeiro Fertilizantes e Agronegócio em novembro de 2022. Com um capital social de R$ 100 mil e sede no interior baiano, na zona rural de Juazeiro, a firma foi aberta menos de um ano depois de Barros liderar o governo de extrema direita durante a chamada “crise dos fertilizantes”. Em março do ano passado, ainda do outro lado do balcão, Barros despontou como protagonista diante da escassez desse produto essencial para o agronegócio.

Hoje empresário do ramo, Barros tentou abrir caminho para seu futuro negócio ao liderar a bancada bolsonarista na aprovação do requerimento de urgência ao Projeto de Lei 191/2020, que visava permitir a mineração em terras indígenas. Na época, o então deputado afirmou que a medida seria fundamental justamente para “garantir fertilizantes para o nosso agronegócio” por meio da exploração das reservas de potássio. Em discurso para defender a aprovação da urgência, bradou: “Mineração em terras indígenas estava na plataforma de campanha do presidente Bolsonaro”.

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Em 9 de março do ano passado, na tribuna do plenário da Câmara, quando o relógio apontava 20h30, ele explicou a relação entre a crise dos fertilizantes e a liberação da exploração mineral em áreas indígenas.

“”Ah, mas pouco das reservas [minerais] estão em terras indígenas’. Quando há uma reserva fora, sabem de quanto é a zona de amortecimento de uma reserva indígena? Dez quilômetros! Se a reserva acaba aqui, nestes 10 quilômetros não se pode explorar. Então, as terras indígenas podem estar sobre uma quantidade menor de reservas – estou falando só de fertilizantes, porque existem inúmeros outros minerais nas reservas indígenas –, mas as zonas de amortecimento abrangem muito mais áreas, que ficam impedidas de serem exploradas”, argumentou Barros. Ele desconsiderou que estudos científicos demonstram que o potássio, principal insumo na fabricação de fertilizantes, não está localizado nas terras indígenas.

Embora o requerimento de urgência tenha sido aprovado, o projeto enfrentou forte resistência e acabou indo para a gaveta em março deste ano. Em nota, a atual presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas, a Funai, Joenia Wapichana, comentou a tentativa de utilizar a crise dos fertilizantes como pretexto para facilitar a mineração em terras indígenas. 

“Esse projeto tentou se justificar para a sociedade brasileira porque seria imprescindível para a agricultura e para assegurar a segurança alimentar, no caso, o agronegócio. Mas o texto do PL não fala isso e é totalmente contraditório”, afirmou a primeira indígena a chefiar a Funai.

Uma nota no site do órgão , que celebra a decisão de Lula em suspender o projeto, cita Barros nominalmente. Diz o texto: “Joenia relembrou como, enquanto exercia seu mandato de deputada federal, já havia se posicionado sobre o tema. À época, Joenia apresentou uma solicitação para suspender o trâmite do pedido de urgência do PL, feito pelo então líder do governo na Câmara, Ricardo Barros”.

Nova empresa com sócio ilustre

A empresa de Ricardo Barros foi registrada na Receita Federal em novembro de 2022, dias depois da vitória do presidente Lula contra Bolsonaro no segundo turno. Na época, o projeto de lei 191/2020 ainda tramitava na Câmara. Questionado pelo Intercept sobre o possível conflito de interesse, ele afirmou, em nota: “Não há nenhuma relação da minha atuação como líder do governo na Câmara e a fundação da empresa de fertilizantes em Juazeiro”.

A engenharia para formação da sociedade chama atenção, já que, em junho daquele ano, o mesmo grupo de empresários que está na sociedade com Barros abriu uma empresa com um nome quase igual: Juazeiro Agronegócio e Fertilizantes. Em 20 de outubro, a empresa foi extinta, mas reaberta em 2 de novembro com o nome atual, Juazeiro Fertilizantes e Agronegócio. Agora, com o ilustre deputado Ricardo Barros, ex-líder do governo na Câmara, como um dos sócio-administradores. Sobre o assunto, Barros explicou ao Intercept: “A respeito das alterações na configuração societária da empresa, trata-se  de engenharia tributária”.

Além da saída de dois dos antigos sócios – um deles, Corcino Neto, ex-prefeito de Baianópolis, um município vizinho a Juazeiro –, outra mudança chama a atenção na nova configuração da Juazeiro Fertilizantes: o capital social declarado à Receita Federal, que era de R$ 6 milhões, caiu para R$ 100 mil. 

Além da Barros, a empresa tem como sócios-administradores os empresários do agronegócio Eleide Timm e Luiz Henrique Wiechoreki, ambos com atuação em Baianópolis. Figuram também no quadro societário Graciliano Evaldt de Matos, Marcia Briskiewski Parenti, Luiz Fernando Wiechoreki e José Ricardo Bastos Cezar – esse último chegou a ser preso, em 2008, por uso de documentos falsos. O administrador registrado na Receita Federal é José Adriano da Silva Dias, que divide a sociedade de outras empresas com Ricardo Barros.

A empresa de fertilizantes não foi a única aberta por Barros durante o seu mandato como deputado federal. Dois dias antes de ser nomeado líder do governo Bolsonaro na Câmara, em 12 de agosto de 2020, Barros abriu uma empresa chamada RC6 Mineração, sediada em seu estado natal, o Paraná. Apesar do nome, a empresa foi inscrita na Receita Federal tendo como atividade a fabricação e o envase de água mineral, o que não habilita a companhia a realizar extração e exportação de minério.

Porém, em março de 2022, Barros entrou de vez no setor. A RC6 Mineração passou a compor o quadro societário da Sulpar Mineração, empresa fundada no último dia daquele mês, com sede no município de Marabá. A cidade paraense é marcada pela extração ilegal de manganês, além do desmatamento, do garimpo e da grilagem. Nos dados da Receita, a Sulpar tem como atividade econômica a extração de manganês e o comércio de minerais. Entre os sócios, está um empresário chamado Giovanni Ribeiro Amorim, dono de mineradoras no Pará e em Minas Gerais, e que atua na exportação de manganês.

Barros também é sócio de outras empresas, entre incorporadoras, consultorias, construtoras e até uma locadora de veículos. Com mandato de deputado federal desde 1995, ele figura como sócio, diretor ou sócio-administrador de pelo menos 11 empresas, sendo que oito foram abertas depois que assumiu o cargo no Congresso Nacional. Os dados foram obtidos pelo Intercept no site da Receita Federal.
Longe de Brasília e dos holofotes, engana-se quem pensa que Barros largou a política para mergulhar, enfim, no mundo dos negócios. Reeleito com mais de 107 mil votos nas eleições de outubro, abriu mão temporariamente do posto de deputado federal que ocupa por 27 anos para trabalhar com o governador paranaense Ratinho Júnior, como secretário de Indústria e Comércio. Ex-ministro da Saúde do governo de Michel Temer e “pitaqueiro” negacionista durante a pandemia de covid-19, na qual chegou até a ser convocado para depor à CPI, pelo menos agora o parlamentar licenciado deu mais transparência ao que parece ser seu tema predileto: os negócios.

Esta reportagem foi produzida com o apoio do Instituto Serrapilheira.

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