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Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados na data em que minha filha, uma menina negra, chegou aos 12 anos de idade. Li a notícia quando me preparava para dormir. Fiquei chocado, mas ainda não tinha vislumbrado a dimensão daquele fato.
Não conhecia Marielle. Passei o dia seguinte na redação em que trabalhava pesquisando sobre sua trajetória, lendo seus discursos e projetos. No fim da tarde, fui a um protesto na Avenida Paulista contra o covarde atentado.
Ainda hoje consigo acessar o mal-estar que senti e que parecia dominar todos à minha volta. Era possível tocar o desânimo. Todos sentíamos uma tristeza pelas vítimas e por nós, enquanto gritávamos palavras de ordem ao vento. Se uma mulher negra a exercer o mandato de vereadora na cidade mais famosa do Brasil não estava minimamente protegida da violência, então todos nós também estávamos vulneráveis. Minha filha estava vulnerável. A obviedade me assusta até hoje.
Outra anotação óbvia: ao atirar em Marielle, o assassino ceifava toda sua potência, tudo que ela poderia alcançar, tudo que ela trazia de novo como liderança ao dar os primeiros passos na política. Passamos a olhar todos seus discursos, suas ações, seus gestos, com uma frustração doída.
Certas fotos em que Marielle sorri nos remete a esse lugar incômodo. Que futuro ela poderia nos oferecer como figura política? A gente pode especular. Nunca iremos saber. Você olha para aquele sorriso largo, para aquela mulher bonita e altiva, e fica alegre até se dar conta de que ela foi assassinada. Nos roubaram muita coisa com a morte de Marielle. É por essa razão que considero o atentado de 14 de março de 2018 o mais importante homicídio político da nossa história recente.
Escrevo sobre o caso Marielle desde então, assim como vários outros colegas. Publiquei reportagens sobre erros da investigação e os suspeitos de serem os mandantes. Tento não cair em demagogia. Escrevo sobre o atentado, não falo em nome dela. Quem pode falar por Marielle são as pessoas que a amaram em vida: sua esposa, sua mãe, sua filha, sua irmã, seu pai e seus amigos.
Semana passada publicamos mais uma reportagem que mostra que a Câmara do Rio tem muita coisa a esconder sobre o atentado e suas relações escusas com milicianos. Continuarei, com ajuda de repórteres como minha colega Carol Castro, a investigar o que aconteceu. É o que nos cabe aqui no Intercept. É a homenagem que podemos prestar à memória de Marielle. E é o que posso fazer como pai de uma mulher negra.
O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.
Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.
Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.
É por isso que sofremos processos da Universal e ataques da extrema direita.
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Se o Intercept não abrir as cortinas, quem irá? É hora de #ApoiarEAgir para frear o avanço da extrema direita.