Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefe do CMP (Comando Militar do Planalto) nos ataques de 8 de janeiro.

Ministério Público Militar questionou prisão de terroristas antes de apurar envolvimento de militares no 8 de janeiro

No calor do momento após destruição em Brasília, a primeira medida do MPM foi cobrar um suposto abuso de autoridade nas prisões realizadas.

Gustavo Henrique Dutra de Menezes, chefe do CMP (Comando Militar do Planalto) nos ataques de 8 de janeiro.

Uma revelação importante quase passou despercebida  durante o depoimento do general Gustavo Henrique Dutra Menezes, na manhã da última quinta-feira,à CPI dos Atos Antidemocráticos, que funciona desde o início do ano na Câmara Legislativa do Distrito Federal. À certa altura do depoimento, que durou pouco mais de 4 horas, o general Dutra deixou escapar que, na tarde de 9 de janeiro, foi cobrado formalmente pelo Ministério Público Militar, o MPM, por meio de uma notícia de fato enviada ao Comando Militar do Planalto, oCMP.

A justificativa do MPM para inaugurar suas ações após os atos terroristas: um suposto “abuso de autoridade” nas prisões dos manifestantes golpistas no Quartel-General do Exército na manhã seguinte aos atos terroristas que destruíram a Praça dos Três Poderes.

Durante o depoimento à CPI, o general Dutra, ex-comandante Militar do Planalto, respondeu ao relator da comissão, o deputado distrital e ex-policial militar Wellington Luiz, sobre um suposto “exagero” das Forças Armadas no apoio às prisões. Foi nesse contexto que a informação sobre a autuação do MPM foi revelada pelo general.

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“No tocante à pergunta do senhor sobre prender, vou aproveitar esse ganho para reforçar a importância da ordem judicial na desocupação da manifestação. O senhor sabe que na tarde do dia 9 recebi uma notícia de fato do Ministério Público Militar perguntando se eu havia cometido abuso de autoridade nas prisões. Se nós tivéssemos feito qualquer coisa sem ordem judicial…”, disse o general.

“Mesmo depois da ordem do ministro [Alexandre de Moraes, do STF], mesmo depois dos atos, quando foram feitas as prisões no dia 9, o Ministério Público Militar questionou o CMP sobre como seria a legalidade daquela ação. Para os senhores verem a sensibilidade desse ato [prender os golpistas]”, continuou Dutra.

A notícia de fato enviada pelo MPM chama a atenção não apenas pelo seu conteúdo – em defesa dos golpistas, 24 horas depois da destruição promovida em Brasília –, mas também porque o MPM omitiu essa informação em uma listagem de ações relacionadas aos atos ocorridos em 8 de janeiro, publicada no site do próprio órgão em fevereiro deste ano.

Na ocasião, o MPM listou 17 procedimentos em curso no órgão, entre notícias de fato e inquéritos. Na listagem, publicada em resposta a uma reportagem do Intercept sobre a morosidade do órgão no combate aos atos de 8 de janeiro, não consta a notícia de fato revelada por Dutra. E pior: todas as datas de autuações no documento são a partir do dia 10 de janeiro – deliberadamente o MPM optou por divulgar as ações tomadas ignorando a pressão que exerceu no CMP no dia 9 de janeiro.

Ou seja, antes mesmo de apurar as falhas das Forças Armadas na proteção ao Palácio do Planalto e a conduta dos militares envolvidos nos atos – tema central de sua atuação –, o MPM saiu em defesa dos manifestantes golpistas que estavam na porta do quartel. Depois, ainda escondeu a medida pró-golpistas no balanço de sua atuação pós-8 de janeiro

Na nota de fevereiro, o órgão afirmou: “O MPM tem apurado os fatos no exercício do seu poder-dever constitucional de investigação direta, tanto de ofício quanto a partir de representações que tem recebido, sobretudo para apurar a conduta dos militares eventualmente envolvidos, até mesmo por possível omissão (inclusive oficiais-generais).”

À CPI, Dutra fez uma outra menção importante à atuação do órgão. O ex-comandante militar do Planalto lembrou que o MPM – e também o Ministério Público Federal – não pediu o desmonte do acampamento. “Trataram as ilegalidades que aconteceram no acampamento, como furto de energia, de água, comércio ilegal”, disse. Segundo ele, apenas essas ilegalidades foram combatidas pelo Exército.

Provocação a Lula

A ânsia do MPM na defesa dos golpistas, porém, não surtiu efeito. No final de fevereiro, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o STF é quem vai julgar os militares que cometeram supostos crimes durante o 8 de Janeiro. Ele também autorizou a instauração de uma investigação pela Polícia Federal.

“O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas”, afirmou Moraes. Segundo o ministro, a competência do STF para presidir os inquéritos que investigam os crimes do 8 de janeiro não diferencia funcionários públicos civis ou militares. Com a decisão, a atuação da Justiça Militar – e, por consequência, também do MPM – se restringiu apenas a crimes considerados infrações militares.

Em março, Antônio Pereira Duarte, procurador-geral de Justiça Militar e responsável por levar à frente as ações do MPM, deu uma declaração que foi vista como uma provocação ao presidente Lula. Durante a posse do novo presidente do Superior Tribunal Militar, diante dos olhos do petista, Duarte disse que a Justiça Militar “supera desconfianças” e que o Brasil vive, hoje, “tempos complexos e turvos da nossa história”.

A preocupação com o destino do país,ou com os crimes de militares, no entanto,  não parecia estar no radar de Duarte no auge da pandemia. Em junho de 2020, o procurador foi recebido pelo então presidente Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. O encontro foi registrado pelo site do MPM, que se referiu ao então chefe do Executivo como “Comandante Supremo das Forças Armadas”. Sem máscara de proteção contra o coronavírus, Duarte pediu a Bolsonaro o apoio nas obras de construção da nova sede da Procuradoria de Justiça Militar, no Rio de Janeiro.

O Intercept procurou o MPM por meio do contato de sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

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