A Praça do Compromisso é uma área de cerca de mil metros quadrados na Asa Sul, um dos bairros nobres de Brasília, a cinco quilômetros da Esplanada dos Ministérios. Ali, em 19 de abril deste ano, como celebração do Dia dos Povos Indígenas, a Funai do governo Lula, em parceria com o governo do Distrito Federal, fez uma cerimônia para rebatizar o local como Praça do Índio Pataxó Galdino Jesus dos Santos.
A ação homenageou o indígena assassinado de forma brutal enquanto dormia em um ponto de ônibus, depois que cinco jovens da elite brasiliense colocaram fogo em seu corpo, em uma madrugada de abril de 1997. Enquanto autoridades e representantes do movimento indígena discursavam no local do crime que chocou o país, um dos assassinos de Galdino começava seu expediente em mais um dia de trabalho como servidor do Senado Federal.
Mas aquele não era um dia qualquer para esse algoz do pataxó. O dia 19 de abril de 2023 marcou, para Tomás Oliveira de Almeida, sua nomeação para o cargo mais prestigiado de sua carreira como servidor: substituto do coordenador-geral da Secretaria de Comissões do Senado. O posto é um dos mais altos da burocracia interna e tem como incumbência chefiar uma equipe que é responsável por “planejar, supervisionar administrativamente e controlar as atividades de apoio às comissões do Senado Federal e do Congresso Nacional”. Entre as atividades do cargo está, por exemplo, coordenar o funcionamento técnico da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro.
Desde o início de 2021, Tomás Oliveira de Almeida cumpre o expediente de forma remota, autorizado pela Mesa Diretora do Senado. Um processo interno garantiu que ele prestasse serviços do Canadá, onde está morando com a esposa.
Pouco antes de viajar ao Canadá, inclusive, Almeida processou o Detran de Brasília por não ter conseguido vender sua BMW a tempo de pegar o voo por um suposto problema burocrático do órgão. Como advogado de defesa, o assassino de Galdino contou com seu próprio chefe, o servidor do Senado Bruno Cunha Lima. Depois de ter uma decisão liminar favorável da justiça, conseguiu resolver a transferência de propriedade de maneira eletrônica e o processo judicial, então, foi extinto.
Depois da fatídica noite em que ele, o irmão menor de idade e três amigos queimaram Galdino vivo “por brincadeira” e “achando que era um mendigo“, Almeida teve uma carreira sem muitos percalços. Em 2001, foi condenado a 14 anos de prisão – mas, no ano seguinte, recebeu benefício de liberdade assistida, revogado após o jornal Correio Braziliense mostrar os condenados bebendo cerveja no horário de expediente. Em 2004, os quatro assassinos estavam cumprindo pena em liberdade mais uma vez. Em 2011, quitaram seus débitos com a justiça.
Almeida formou-se em Direito em uma faculdade privada de Brasília e, desde julho de 2012, é servidor do Senado – carreira das mais cobiçadas entre os concurseiros. Em novembro daquele ano, já passou a acumular ao salário de profissional concursado (na época, com valor bruto de R$ 13.893,50) uma “função comissionada”. A gratificação lhe garante, até hoje, um acréscimo de R$ 6.108,08 aos vencimentos mensais fixos, que estão em R$ 23.100,69.
Com quase 11 anos de serviço público no Senado, Tomás Oliveira de Almeida ganhou prestígio interno. Em 2017, chegou a ser alocado provisoriamente como assistente técnico do senador tucano Ataídes Oliveira, do Tocantins. Até o ano passado, atuava na Coordenação de Comissões Permanentes. Transferido para a Secretaria de Comissões, foi alocado na coordenação-geral, sob chefia de Bruno Cunha Lima. Em abril, quando o superior se afastou dos serviços, o assassino de Galdino ocupou o cargo máximo da equipe e, lá do Canadá, organizou o funcionamento das comissões do Senado e do Congresso Nacional.
Almeida não foi o único que viu no serviço público a continuação de sua trajetória pós-prisão. Eron Chaves Oliveira é agente de trânsito no Detran do Distrito Federal. Antônio Novély Vilanova é fisioterapeuta da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Max Rogério Alves é servidor do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Gutemberg Nader, irmão mais novo de Tomás, é agente da Polícia Rodoviária Federal. Todos eles ganham salários superiores a R$ 15 mil mensais.
Irmão teve Ibaneis como advogado
Menor de idade na ocasião do assassinato de Galdino, o irmão mais novo de Tomás Oliveira de Almeida, Gutemberg Nader, foi libertado menos de cinco meses depois do homicídio, em 12 de setembro de 1997, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Em sessão secreta, os desembargadores trocaram a internação de três anos por liberdade assistida. Ao completar a maioridade, o registro do crime praticado na adolescência foi apagado, como determina a legislação brasileira.
Em 2014, o irmão de Tomás Almeida foi aprovado em um concurso para agente da Polícia Civil do Distrito Federal, mas foi barrado na análise de vida pregressa por causa da morte de Galdino. Ele questionou a decisão na justiça, mas a determinação foi mantida. Seu advogado na ocasião era o então presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal, Ibaneis Rocha. Em 2018, o advogado virou político e, hoje, já está em seu segundo mandato como governador do Distrito Federal.
Mesmo com a recusa da Polícia Civil, Gutemberg insistiu no projeto de integrar uma força de segurança. Em 2016, foi aprovado em um concurso da Polícia Rodoviária Federal. Depois de disputa judicial por ter sido barrado novamente na análise de vida pregressa, conseguiu tomar posse no cargo. Ele é agente da corporação desde novembro daquele ano. Na gestão de Sergio Moro no Ministério da Justiça, foi promovido e gozou de uma gratificação salarial de R$ 2 mil durante 11 meses.
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