João Filho

Imagens do GSI fortalecem fantasia bolsonarista que trata Lula como cúmplice do golpismo do 8 de janeiro

Vazamento foi estratégico para forçar governistas a apoiarem CPI que estava prestes a ser enterrada – e agora servirá de palco para inverter os fatos.

*Arquivo* BRASÍLIA, DF, 29.12.2022: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Gonçalves Dias durante encontro no CCBB.

*Arquivo* BRASÍLIA, DF, 29.12.2022: O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Gonçalves Dias durante encontro no CCBB.
Lula com Gonçalves Dias, ministro do GSI que liderou a pasta de 1º de janeiro até a última quarta-feira, 19 de abril. Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

O episódio golpista de 8 de janeiro era para ser um revés político para o bolsonarismo em 2023, mas acabou se transformando no seu principal trunfo político. O governo Lula conseguiu a proeza de perder o controle da narrativa do caso, mesmo sendo a vítima dos ataques e com a verdade dos fatos estando ao seu lado. Agora, se vê acuado na guerra de narrativas e obrigado a aceitar uma CPI da qual estava — corretamente, diga-se — fugindo. 

Lula nomeou um militar da sua confiança para o Gabinete de Segurança Institucional, o GSI. Gonçalves Dias, que liderou a pasta com status de ministério de 1º de janeiro até a última quarta-feira, havia trabalhado em governos petistas e mantinha uma relação pessoal com o presidente. O GSI, que até então era comandado por General Heleno — um ídolo dos golpistas do 8 de janeiro — estava infestado de militares pró-golpe. No fim do último mandato, o general recebeu no GSI a visita de golpistas que viriam a ser presos por participar da invasão. 

Com a chegada de Gonçalves Dias, nada mudou: o GSI continuou infestado de militares golpistas. Trocar todo o efetivo contaminado pelo bolsonarismo logo no início do mandato seria uma tarefa árdua e complexa, que provavelmente renderia alguma dor de cabeça ao governo, mas era um enfrentamento inadiável. Os custos seriam altos, mas os de não fazer uma limpa no GSI se mostraram ainda maiores. Estamos falando de golpistas, e com golpistas não se brinca. 

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Imagens internas do Palácio do Planalto no dia da invasão foram divulgadas pela CNN Brasil na última quarta. Nelas, podemos ver militares do GSI recebendo amistosamente os terroristas, oferecendo água e os auxiliando. A CNN destacou a presença de Gonçalves Dias, sugerindo conivência com os invasores, mas as imagens não deixam isso claro. Ao contrário dos seus funcionários, Dias chegou depois da invasão e aparece apenas apontando a saída. Tudo indica se tratar de incompetência do então chefe do GSI, e não de conivência. 

Apesar disso, o fato é que Gonçalves Dias estava na cena do crime, e seus subordinados apareceram agindo como parceiros dos invasores. Após a divulgação das imagens, a crise se instalou, e a coisa ficou insustentável para o ministro, que foi obrigado a se demitir no mesmo dia. 

O vazamento ilegal das imagens foi estratégico e certamente feito por bolsonaristas comprometidos com o golpismo. Leandro Magalhães, jornalista da CNN que as recebeu, é um dos raros profissionais da imprensa com quem Jair Bolsonaro aceita falar. Ele costuma publicar declarações exclusivas do ex-presidente e esteve presente no voo que o trouxe de Orlando para Brasília. 

Até aí, não há nada que desabone o trabalho do jornalista. Publicar os vídeos que recebeu era uma obrigação profissional. Mas é curioso que justamente um profissional da confiança de Bolsonaro tenha recebido o vazamento, no momento em que a CPI do 8 de janeiro estava prestes a ser enterrada. 

Segundo o próprio Magalhães, ele passou uma madrugada vendo 160 horas de gravação de 22 câmeras diferentes. No dia seguinte, vimos uma edição confusa, em que os acontecimentos não são exibidos em ordem cronológica. Os militares do GSI aparecem com rostos borrados, enquanto o chefe Gonçalves Dias é exibido de cara limpa. O resultado da divulgação foi o esperado pelos bolsonaristas: o governo nas cordas e a oposição fazendo gritaria porque um homem da confiança de Lula teria sido conivente com a invasão. O vazamento se encaixou como uma luva na narrativa absurda de que a vítima do 8 de janeiro — o governo Lula — seria, na verdade, cúmplice.  

Os governistas se viram obrigados a apoiar a CPI. Não havia outra saída. Até então, o governo fugia dessa arapuca armada pela oposição. Mesmo com mais de 2 mil detidos após a invasão e as centenas de presos, os bolsonaristas tentam a todo custo inverter a lógica dos fatos. A CPI é o palco perfeito para isso. Absolutamente todos os invasores estão comprovadamente ligados ao bolsonarismo, seja ideologicamente, seja com relações diretas com políticos bolsonaristas. O próprio Jair Bolsonaro defendeu os criminosos, chamando-os de “chefes de família”. Vários parlamentares bolsonaristas foram prestar solidariedade aos golpistas que foram presos. Um ex-ministro de Bolsonaro está na cadeia por se omitir na invasão do 8 de janeiro. A realidade é essa. O resto é fantasia. 

Com a gritaria conspiratória ganhando força, o governo foi obrigado a participar do circo armado pelo bolsonarismo. O Congresso ficará paralisado com a CPI, e votações importantes para o país serão adiadas. A oposição agora terá a oportunidade de espalhar nas redes sociais cortes de vídeos de parlamentares bolsonaristas lacrando na comissão. Era tudo o que eles queriam. Em favor dos governistas estão os fatos, as investigações da Polícia Federal e as decisões do STF. Mas, se não se prepararem para a guerra de narrativas, há alguma chance de tomarem um baile, mesmo estando com a faca e o queijo na mão. 

Nesses três primeiros meses de governo Lula, os bolsonaristas estavam perdidos, batendo cabeça e sem uma estratégia definida. A única tábua de salvação era a criação da CPI do 8 de janeiro, para tentar emplacar a narrativa de que Lula foi conivente com a invasão. Mesmo não tendo o mínimo sentido lógico, essa ideia agora ganhou novos elementos que tornam a fantasia um pouco mais sofisticada. Lula está pagando um preço alto por não fazer uma limpa geral nos militares pró-Bolsonaro empregados no governo logo no primeiro dia de mandato.

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