Uma agente da Guarda Municipal de Americana, no interior de São Paulo, relatou ao Intercept ter sido assediada por seu superior dentro de uma viatura por cerca de 40 dias intermitentes. Enquanto o subinspetor Manoel Leôncio de Oliveira, 60, denunciado por assédio, foi inocentado na sindicância interna, a vítima de 40 anos foi indiciada e responde a um processo administrativo disciplinar que pode levar a sua demissão por justa causa. São imputadas a ela 10 infrações disciplinares. O marido da vítima, que também atua na guarda municipal, também passou a sofrer retaliação após a denúncia.
“Por diversas vezes fui surpreendida com ele tentando me tocar, passar a mão em meus braços e pernas, eu chamava a atenção dele, gritava dentro da viatura pra ele parar tocar em mim, aí ele falava que eu não aceitava brincadeiras, que ele estava brincando, essa era sempre a desculpa dele, e dizia que eu era chata”, relata a vítima, que continua afastada.
Após ter denunciado o assédio reiterado à direção da Guarda Municipal, a Gama, Joana afirma que tem sido alvo de assédio moral e precisou se afastar do trabalho, desde 2 de dezembro, para tratar um “quadro depressivo importante com crises de choro”, diante da pressão que tem sofrido.
Em 18 de outubro de 2022, uma medida protetiva concedida pelo juiz da 1ª Vara Criminal de Americana, André Carlos de Oliveira, passou a proibir contato ou comunicação do subinspetor com a agente. Denunciado pelo Ministério Público de São Paulo em 13 de outubro, antes mesmo de o inquérito ter sido concluído pela Polícia Civil, o caso foi enquadrado no artigo 216-A, que tipifica crime de assédio sexual, quando há relações de hierarquia no exercício profissional. Em 31 de outubro, o servidor denunciado, Manoel Leôncio de Oliveira, perdeu a função de confiança. Mas continuou a atuar como guarda municipal, ainda que esteja aposentado.
Ainda no mesmo mês, o Ministério Público do Trabalho da 15ª Região instaurou inquérito civil para investigar denúncias de assédio moral e sexual na guarda municipal. Em 3 de março, finalmente, o juiz substituto Marcelo Luís de Souza Ferreira, da 2ª Vara do Trabalho de Americana, acolheu a ação civil pública proposta pelo MPT.
‘A conduta adotada no âmbito da Guarda Municipal de Americana fere direitos fundamentais, inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis de toda a coletividade de trabalhadores’.
Segundo a decisão, caso as denúncias sejam comprovadas em processo administrativo, criminal ou ação trabalhista, a Guarda Municipal de Americana terá que pagar multa de R$ 10.000 por cada vítima. O pedido de afastamento por 180 dias dos servidores que são réus na ação, no entanto, não foi acolhido pela justiça.
Além da Guarda Municipal, três servidores são réus, dois deles denunciados após o caso de Joana vir à tona: Manoel Leôncio de Oliveira e Bruno Anderson da Silva, por denúncias de assédio sexual, perseguição e coação de guardas femininas, e o inspetor Cícero Rodrigues de Cabral, por assédio moral relatado em pelo menos oito notícias de fato. Segundo assinalou nos autos o procurador do Trabalho, José Pedro dos Reis, a quantidade de denúncias evidencia “prática costumeira” na instituição.
“A conduta adotada no âmbito da Guarda Municipal de Americana fere direitos fundamentais, inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis de toda a coletividade de trabalhadores, exigindo a atuação do Ministério Público para que esses valores essenciais à sociedade sejam respeitados e protegidos, coibindo-se condutas abusivas em relação a outros trabalhadores”, argumentou o procurador nos autos.
À reportagem, a prefeitura de Americana informou que o caso já foi arquivado após realização de sindicância interna. “A Gama ressalta que repudia toda e qualquer forma de assédio, seja sexual ou moral, e todas as denúncias são rigorosamente apuradas por meio da Corregedoria, e caso comprovado, todas as medidas cabíveis serão aplicadas”, afirma em nota. A prefeitura disse iniciou em 2021 um “programa de educação e prevenção contra o assédio sexual e moral no âmbito da Guarda Municipal de Americana, com cursos e palestras que foram oferecidos a todos os servidores e superiores hierárquicos”.
Assédio tratado como ‘brincadeira’
Segundo Joana, o assédio começou logo no primeiro dia em que passou a integrar a equipe da Ronda Ostensiva Municipal, em 1º de março do ano passado. A cada dia que passava, o subinspetor Oliveira, que desempenhava cargo de confiança nomeado pelo diretor da Guarda, aumentava o tom das investidas, chamadas por ele de “brincadeiras”, segundo a vítima. A maioria das situações, no entanto, ocorria durante os trajetos na viatura, momentos em que os dois estavam sozinhos, sem que houvesse testemunhas a presenciar, ela relata. “Em uma das situações que mais me machucou e me deixou arrasada, ele chegou ao ponto de me mostrar uma foto minha, de uma viagem que fiz com minha família (então publicada numa rede social), falando que se masturbava com a foto e que dava zoom nos meus seios e falava ‘delícia gelada’”, conta.
Ao amanhecer de 2 de março, quando, ao apresentarem uma ocorrência ao Plantão Policial de Americana, enquanto a agente narrava os fatos para registro da ocorrência, Oliveira teria se sentado próximo a ela, aberto e fechado as pernas várias vezes. Indagado, ele teria alegado que estava imitando uma cena de filme em que uma advogada sensualiza diante de um homem.
“Ah, deixa eu pegar um papel aqui” seria a resposta dada costumeiramente por ele para mover os braços dentro da viatura para tocar as pernas da agente, o que acontecia muitas vezes quando ela estava na direção. “Na oportunidade, patrulhavam pela região central de Americana/SP, nas imediações do calçadão, da rua Fernando de Camargo. Por cerca de três vezes, a declarante chegou a repeli-lo com bastonada com a tonfa, dentro da VTR, em movimento”, detalha o registro policial.
Ainda de acordo com o relato trazido no boletim de ocorrência, o suposto comportamento controlador do denunciado, bem como os toques desnecessários no corpo da vítima e a mania de “encostar para conversar”, deixaram a agente profundamente incomodada, a ponto de ter verbalizado, até mesmo com gritos, que não a tocasse, que exigia respeito. Em outra situação, Oliveira teria pedido que ela proferisse a palavra “pudim”, enquanto reparava em seus lábios. “Quando a declarante bebia água, tinha de se virar, para que ele não a visse, pois ele parecia se excitar e ficava inquieto, se mexendo na viatura, ao reparar na boca da declarante na garrafa”, traz outro trecho do boletim.
‘Como ele viu que não ia conseguir nada, começou a me provocar’.
Segundo expõe, o subinspetor – que foi quem a convidou a integrar a guarda – teria ciúmes quando ela conversava com outros guardas e, de acordo com as denúncias, passou a tratá-la como propriedade dele. “Tinha a sensação que ele tinha sentimento de posse sobre mim, pois ele se incomodava muito quando outro homem conversava comigo, eu comecei a evitar conversar até sobre questões de serviço com os colegas de farda, evitava de ficar no pátio da guarda para que ele não visse eu conversando com alguém, e depois ficasse bravo, de cara fechada, sem educação, ou quaisquer outros comportamentos negativos dentro da viatura, como era de costume”, relata a vítima no processo.
Certo dia, em meio a mais uma cena de assédio, a agente conta que estava ao volante, quando parou a viatura e falou que o denunciaria caso continuasse a constrangê-la sexualmente. “Novamente, disse que estava brincando, que respeitava meu marido, que prometeu pra ele que não ia ter assédio de nenhuma parte nesse período que eu estava na Romu”.
As promessas, no entanto, não se confirmaram. Diante da recusa da agente, Oliveira teria passado a assediá-la moralmente, criando situações de conflito no ambiente de trabalho. “Como ele viu que não ia conseguir nada, começou a me provocar com intuito de que eu saísse da Romu, como, por exemplo, não seguir regras de segurança básicas”. A negativa às investidas, segundo relato da vítima, levou a situações em que Oliveira não dirigia mais a palavra à colega, ignorando-a durante as ocorrências.
A servidora conta que informou duas vezes ao instrutor de policiamento sobre os riscos das abordagens sem a adoção dos equipamentos de segurança, e cobrou que houvesse novos treinamentos. No dia 23 de junho, Oliveira não compareceu ao trabalho e a agente integrou equipe em outra viatura. Foi quando, já não mais suportando o peso do silêncio, revelou aos colegas o que estava acontecendo. Dia em que chorou muito e foi confortada pelos policiais.
No dia seguinte, Joana conta que foi informada por telefone de seu desligamento da equipe da Romu por ordem do diretor da guarda, sob a justificativa de que ela não havia passado no estágio probatório. Oliveira compôs a comissão que decidiu pela reprovação.
Ainda segundo relatou Joana, no dia 27 do mesmo mês, ela e o marido dirigiram-se à sede para denunciar a situação e pediram que uma guarda mulher, que atuava no acompanhamento das Medidas Protetivas de Urgência, estivesse presente durante a conversa, o que não foi autorizado pelo diretor-comandante Marco Aurélio da Silva. Além do diretor, mais três policiais acompanharam a denúncia do casal. “O diretor foi ríspido, arrogante. Todos ficaram perguntando o porquê eu demorei pra falar, se eu tinha provas. Ficaram de fazer a comunicação interna pra eu assinar, mas nunca me chamaram, foram usadas informações nessa comunicação que eu não fiz a eles”, lembra a servidora.
De vítima a indiciada
Oficializada, a denúncia que já corria pelos corredores passou então a ser motivo de perseguição à vítima e também a possíveis testemunhas, relata Joana. Segundo ela, funcionários em cargos de confiança, com os quais ela havia conversado sobre a situação de assédio e que tinham demonstrado disposição em testemunhar em seu favor, pediram para que ela não os citasse, pois teriam sido avisados pela direção de que seriam prejudicados caso o fizessem.
“O que aconteceu, aconteceu só entre eu e o Oliveira dentro de viatura. Normalmente não tinha pessoas perto, a não ser quando ele se incomodava muito com ciúmes de outros guardas perto de mim, então essas pessoas que presenciaram esses ciúmes mentiram em depoimento, a mando da Guarda. Um dos chefes chegou a pedir que eu não citasse o nome dele, pois ele havia sido chamado pela direção da Guarda e o avisaram que por ele ter cargo de confiança seria prejudicado. Ele disse ‘eu posso ser mandado embora’. Tanto é que ele mentiu durante o depoimento”, ela disse ao Intercept.
Em 6 de julho, foram afastados Oliveira, a vítima e o marido para o início da sindicância. Três dias depois, a defesa da vítima entrou com pedido de “exceção de suspeição” ao presidente da comissão de sindicância para que fossem suspensas as apurações diante de uma comissão formada somente por homens e alguns deles já terem sido denunciados por assédio – como o próprio presidente da comissão disciplinar.
Em 21 de julho, o diretor-comandante Marco Aurélio da Silva, negou o pedido, informando que embora pessoas citadas como suspeitas constassem inicialmente nos autos do processo, elas não integravam a comissão, formada por duas guardas mulheres e um guarda homem.
Em 18 de agosto, a sindicância apresentou um relatório final no qual concluiu que não havia testemunhas favoráveis ou provas das acusações feitas pela vítima. A vítima passou a ser acusada de ter feito denúncias sem fundamento que colocariam em xeque a honra da Guarda. No PAD, Oliveira é listado como uma das testemunhas contra a indiciada.
Outro boletim de ocorrência traz ainda a denúncia sobre o fato de o casal de guardas ter encontrado uma escuta.
No dia 30 de agosto, o diretor-comandante da Guarda chamou a vítima e o marido para o retorno às atividades e o resultado da sindicância: Oliveira se livrou da acusação e a vítima foi indiciada por desonrar a imagem da instituição. “Para eu receber uma cópia do teor da sindicância me obrigaram a assinar um documento informando que eu não poderia mostrar a ninguém, nem tirar cópia”.
Quando voltaram aos seus postos, segundo a vítima, ela e o marido foram informados que passariam a trabalhar durante o dia, o que trouxe vários prejuízos para o casal, que durante anos atuou à noite. Além disso, o casal alega que passou a ser “castigado” durante o expediente, tendo que atuar em postos de trabalho sob calor excessivo, monitorados por câmeras.
Em 31 de agosto, Oliveira e os guardas aparecem em uma foto, postada nas redes sociais, fazendo um brinde ao lado do vice-prefeito, Odir João Demarchi, do PL.
Por meio da assessoria de imprensa, o vice-prefeito Odir Demarchi alegou que a publicação feita em rede social não tem relação com a conclusão da sindicância, que ocorreu em 18 de agosto. “Trata-se de uma confraternização na qual participavam diversas pessoas, entre eles servidores da prefeitura, alguns guardas municipais, e familiares, não havendo qualquer simetria entre os fatos”, informou em nota.
Em 16 de janeiro, a juíza relatora do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região atendeu parcialmente o mandado de segurança com pedido liminar da defesa da vítima, determinando o retorno do casal ao turno da noite, em equipe em que não estejam o denunciado, testemunhas ligadas a ele e membros da Corregedoria, e a suspensão dos efeitos de eventual decisão na sindicância administrativa, até julgamento da ação trabalhista.
Perseguições e isolamento
Em 13 de janeiro, a advogada da agente, Thalita Camargo, pediu a instauração de inquérito policial denunciando crime de abuso de autoridade pelo comando e chefia da Guarda. A advogada argumenta que o isolamento é uma das formas usuais de castigo imposto aos servidores que denunciam abusos na Guarda Municipal. “Quando acontece com o servidor público, com servidores armados, é mais significante ainda a relação de abuso de autoridade e no despreparo na conduta das chefias perante os seus subordinados”.
Um outro boletim de ocorrência traz ainda a denúncia sobre o fato de o casal de guardas ter encontrado uma escuta e um equipamento de rastreamento no carro particular da família. “Isso fez com que a gente se assustasse. Se for comprovado que foi a inteligência da guarda que colocou, mostra o nível de desvio do serviço público para outros fins que não proteger o patrimônio público municipal”, afirma Camargo.
O laudo pericial concluído em 20 de janeiro apontou o chip telefônico para o qual o rastreador transmitia informações. Esse tipo de sistema funciona para rastrear o carro pelo celular, em tempo real, e saber a localização exata do seu veículo. A polícia identificou, no entanto, que a pessoa, cujo CPF estava cadastrado no chip, não teria ligação com o caso, pois havia feito registro de furto. Segundo relato da vítima, o chip é o mesmo usado nas mensagens recebidas via WhatsApp pelo marido dela, em 25 de setembro, nas quais há fotos íntimas dela e ameaça de divulgá-las. Mensagens similares foram enviadas também em 9 de outubro à vítima, conforme registro na delegacia.
Segundo a advogada, 15 servidoras e servidores denunciaram outras situações de assédio sexual e moral. “É como se o quebra-cabeça estivesse montado. Todos relatando o mesmo modus operandi: a pessoa não está condizente com o comando da Guarda em função de abusos ininterruptos e o que acontece é a abertura de procedimentos administrativos que podem levar à exoneração do servidor ou outro tipo de punição administrativa que faz com que fiquem nervosos, apreensivos, com sintomas de depressão e ansiedade grave”.
Depois da denúncia, a guarda foi desarmada e precisou trabalhar durante o dia, reajustar a rotina e teve o salário reduzido.
Depois de Joana, outro caso de assédio dentro da guarda veio à tona. Mas, neste, a denúncia não foi uma escolha da vítima. “Apesar das pessoas me orientarem a fazer isso, eu nunca quis. Justamente pra não passar o que eu passei depois que tudo foi divulgado”, contou ao Intercept Marcela, a segunda vítima de assédio que levou a denúncia à Delegacia de Defesa da Mulher de Americana. O caso teria acontecido antes de Joana, e o assediador foi outro superior. Ele veio à tona a partir de uma denúncia anônima, encaminhada para diferentes setores da prefeitura de Americana e até mesmo empresas privadas, que continha relatos de Marcela à psicóloga que atuava na instituição durante uma palestra sobre assédio moral na corporação.
No seu depoimento, ela afirmou que o superior que trabalhava na mesma equipe não perdia uma oportunidade de a tocar fisicamente, seja com toques nos meus braços, abraços apertados, que chegavam a apertar seus seios contra o corpo dele. Ele colocava a mão na cintura dela, passava a mão em seu cabelo e fazia massagem em suas costas, narrou. Marcela começou a trabalhar com o superior em janeiro de 2021. Com a mudança na gestão da prefeitura, houve também a mudança no Comando da Guarda e nos cargos superiores. Até o começo daquele ano, ela trabalhava nas ruas, mas foi escalada para atuar internamente, função que ocupou até outubro de 2021, quando não conseguiu mais suportar os assédios e pediu para retornar para o trabalho operacional.
No mesmo dia da denúncia anônima, a servidora conta que foi chamada pelo Comando da Guarda. “Eles perguntaram se eu tinha ciência do e-mail. Eu estava tão surpresa como qualquer outra pessoa. [Perguntaram] se o que estava relatado era verdade, eu afirmei, e se eu queria fazer a denúncia, naquele momento eu estava confusa e não queria falar nada”, relata. Marcela diz que assinou um documento confirmando que tinha escolhido não realizar a denúncia naquele momento, mas o caso já havia chegado à Delegacia da Mulher. No dia seguinte, Marcela foi chamada a depor, mas a oitiva foi desmarcada porque ela ainda estava sem advogado. A denúncia agora compõe o segundo inquérito, que ainda está aberto.
Depois da denúncia, a guarda foi desarmada e precisou trabalhar durante o dia, reajustar a rotina e teve o salário reduzido. Depois de avaliação psicológica, voltou ao seu posto.
A sindicância aberta para apurar as denúncias foi arquivada por falta de provas, segundo a vítima. “Foram ouvidas testemunhas minhas, pessoas que trabalham comigo. No fim, eles acharam que não tinha materialidade para abrir um processo administrativo e a sindicância foi arquivada”.
Marcela conta que seu advogado tentou coletar dados para denunciar ao Ministério Público, e seu ex-marido mandou uma mensagem pedindo que um rapaz prestasse depoimento. “No dia seguinte, esse rapaz fez uma comunicação, acusando meu ex-marido de coação e ele, por ser superior hierárquico, foi afastado, desarmado, a princípio por trinta dias”, narra.
Após trinta dias, quando voltou ao serviço, o marido dela foi rebaixado, segundo afirma. “Hoje ele trabalha de dia, com a justificativa que ele era meu marido e poderia interferir nas investigações. Hoje continua assim, mesmo que a investigação já tenha sido encerrada. Acho que a pessoa mais afetada foi ele. Principalmente com a perda financeira”.
Vítima sob julgamento
A psicóloga que avaliou Marcela virou referência em casos de violência de gênero dentro da instituição, por sua formação em psicologia e por atuar desde 2017 com acompanhamento de casos de mulheres vítimas de violência doméstica, além de ter integrado o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher. Ela passou a ser testemunha de Joana. “A gente se sente muito sozinha, isso que nem sou vítima, você parece que grita para todos os lados e ninguém quer te ouvir. A gente precisa lutar muito por justiça, ainda mais quando envolve o campo político, porque eles se blindam de uma forma que parece que você é a louca da história”, ela disse ao Intercept.
A servidora também revela que passou a sofrer retaliação depois de ter apoiado as colegas de trabalho. “Quando eu voltei de férias, em outubro do ano passado, imediatamente me afastaram, eu não tinha mais acesso a nada no setor. Dias depois fui informada de que não fazia mais parte do quadro de chefia e me disseram que estavam apenas remanejando. Comigo as retaliações vieram”.
Em sua análise, o masculinismo como sinônimo de violência é uma característica presente na guarda, e retrata uma sociedade marcada por papéis de gênero desiguais. No entanto, não há nenhuma política interna de letramento e punição. “Sempre subestimam o trabalho da mulher. Muitos ali acham que nós não temos que ser guardas, policiais, porque nós andamos armadas, de colete, dirigimos viaturas. Há muitas piadinhas, comentários sexistas”.
O caso de Joana foi levado à Procuradoria da Mulher na Câmara de Vereadores de Americana, que prepara um relatório após ter colhido relatos de cinco servidoras, que alegam ter sido vítimas de assédio sexual, e de pelo menos 15 servidores, que reportaram situações de assédio moral. Compete à Procuradoria, no entanto, se voltar aos casos que envolvem vítimas mulheres. Com caráter de denúncia de violação de direitos humanos, o documento será encaminhado aos órgãos responsáveis pelo controle interno e externo da Guarda, incluindo a Prefeitura de Americana.
Como resultado da atuação da Procuradoria, o projeto de lei municipal 129/2022, protocolado no final do ano passado, que recebeu a versão atualizada 13/2023 em 6 de fevereiro deste ano, propõe uma política pública de prevenção e combate ao assédio sexual e importunação sexual na administração pública. “É uma resposta no sentido da prevenção, o que não exclui a necessidade de apurar a responsabilidade de quem estava no comando, optando por esses procedimentos que a gente identificou como procedimentos inadequados de revitimização, a partir, inclusive, de processo administrativo interdisciplinar”, afirma a procuradora da Mulher, vereadora Juliana Soares, do PT.
*Os nomes foram trocados para preservar a identidade das vítimas.
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