João Filho

As ligações de Bolsonaro com o PCC de Marcola e o crime organizado

O presidente tenta associar o chefão do PCC a Lula, mas foi a liberação maciça de armas nos últimos quatro anos que armou o maior grupo criminoso do país.

As ligações de Bolsonaro com o PCC de Marcola e o crime organizado

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Ilustração: Júlia Coelho/Intercept Brasil

Há muitos anos, Bolsonaro e sua turma tentam associar Lula ao crime organizado de maneira criminosa. Agora, desesperados com a manutenção da liderança do candidato petista nas pesquisas nessa reta final, os bolsonaristas voltaram a investir alto nessa mentira.

Nunca houve o mínimo indício de que exista alguma ligação de Lula com facções criminosas. No debate do último domingo, Bolsonaro acusou Lula de ir ao Complexo do Alemão protegido por traficantes, disse que a maioria dos presidiários do país votaram nele e afirmou categoricamente que Marcola, chefe do PCC, votou no Lula. É tudo mentira. Essas são as mais novas mamadeiras de piroca fabricadas nos porões do bolsonarismo.

O presidente tem usado seu programa eleitoral, os veículos de imprensa vassalos e o gabinete do ódio para tentar emplacar a mentira de que Lula é um aliado do PCC. A campanha de Lula já entrou quatro vezes com representação no TSE contra quem associa o candidato à facção criminosa. Segundo apuração da Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo, vídeos publicados pela Jovem Pan associando Lula ao PCC atingiram mais de 1,75 milhão de visualizações no YouTube. O conteúdo mentiroso foi identificado em mais de cem correntes de aplicativos de mensagens.

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O fato é que, se há um candidato na disputa que tem a simpatia da bandidagem, esse é Jair Bolsonaro. O goleiro Bruno, condenado por sequestrar, matar e ocultar o cadáver da mãe do seu filho, gravou vídeo chamando Lula de “bandido”e pedindo voto em Bolsonaro. Guilherme de Pádua, o assassino de Daniela Perez, é outro criminoso que faz campanha ativa por Bolsonaro. A deputada cassada e presa Flordelis, considera pela justiça mentora e mandante do assassinato do próprio marido, sempre foi e continua sendo uma bolsonarista raiz. Todos eles têm algo em comum: são criminosos que se escondem atrás da Bíblia.

Não há nesses apoios nada além de uma demonstração de simpatia. Não é possível afirmar com base neles que Bolsonaro mantém ligações com a bandidagem. Mas há outros fatos que sustentam essa afirmação. A família Bolsonaro está historicamente ligada ao crime organizado, tendo inclusive empregado parentes de chefe de milícia no serviço público. Trata-se da mesma milícia apontada como autora do assassinato de uma adversária política do bolsonarismo, a vereadora Marielle Franco. Não é preciso forçar a barra para afirmar que essa família tem ligação carnal com o crime organizado do Rio de Janeiro. O histórico da aliança entre os Bolsonaros e as milícias cariocas está carregado de provas.

Nessa semana, passou a circular no noticiário uma conversa pública entre o chefe máximo do PCC e o então deputado Jair Bolsonaro. O encontro se deu em 2001, em uma audiência da comissão especial de combate à violência da Câmara. Engana-se quem acha que foi uma conversa dura entre um ex-militar implacável com os criminosos e aquele que é considerado o maior líder da maior facção criminosa do país.

Foi um bate-papo ameno, com risadinhas, algumas concordâncias e momentos de simpatia mútua. Em determinado momento, Marcola aponta que é necessário combater também os crimes de colarinho branco. Bolsonaro responde fazendo uma promessa: “No dia em que eu for ditador deste país, vamos resolver esse problema. Pode ter certeza disso aí”.

Houve também discordâncias pontuais entre os dois, mas todas com muito respeito. Durante toda a conversa, Bolsonaro tratou o criminoso como “senhor”. O homem que costuma virar um bicho feroz com políticas e jornalistas mulheres, mostrou-se dócil quando ficou cara a cara com o chefão do PCC.

Bolsonaro tratou Marcola como “senhor”. O homem que costuma virar um bicho feroz com políticas e jornalistas mulheres, mostrou-se dócil com o criminoso.

Nessa campanha, Bolsonaro tem recebido apoio entusiasmado de Ney Santos, prefeito da cidade de Embú das Artes, no interior de São Paulo, uma figurinha carimbada aqui nesta coluna. Antes de entrar para a política, Ney Santos era um assaltante de altíssima periculosidade. Foi condenado por roubo, receptação e formação de quadrilha. Em 2003, foi preso em flagrante após assaltar um carro forte usando uma metralhadora 9mm. Segundo o Ministério Público, foi a partir dessa prisão que Santos entrou para o PCC, facção da qual se tornou um dos líderes em pouco tempo.

Ainda segundo o MP, Ney Santos “constituiu fortuna de forma relâmpago, enveredando-se para a área política e candidatando-se para cargos públicos”. As investigações apontam que, paralelamente à vida política, ele continuou sendo o comandante do tráfico de drogas na região da zona oeste da grande São Paulo. Desde que saiu da cadeia e virou prefeito, Santos acumulou um patrimônio incompatível com sua renda: mais de R$ 100 milhões em apenas 4 anos. A maior parte dessa renda seria proveniente dos lucros dos postos de gasolina de sua propriedade.

Os promotores não têm dúvidas de que esses postos são usados para lavar o dinheiro proveniente de crimes, principalmente do tráfico de drogas. Hoje, Ney Santos é um político do Republicanos, o partido da Igreja Universal que faz parte da base aliada de Bolsonaro. É outro que se esconde atrás da Bíblia. Nunca se soube de qualquer mal-estar dos bolsonaristas em manter uma aliança política com esse perigoso ex-presidiário.

Imagem retirada do perfil de Ney Santos, do Partido Republicanos.

No fim do ano passado, o presidente da República apareceu abraçado com um integrante do PCC em um evento beneficente ocorrido em Santos, São Paulo. Trata-se do ex-policial militar Fredy da Silva Gonçalves Bento, acusado pela Polícia Civil de ser o responsável por lavar dinheiro para o PCC. Pouco tempo antes de aparecer sorridente ao lado de Bolsonaro, o criminoso estava na cadeia cumprindo pena por associação ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Fredy é apontado como o braço direito de André do Rap, um dos principais chefões do PCC, responsável pelo envio de toneladas de cocaína do Porto de Santos para a Europa.

É claro que essa foto não incrimina Bolsonaro. O presidente não tem como checar a ficha policial de todos que pedem para tirar foto. A foto prova apenas que um criminoso do PCC, bastante próximo da alta cúpula da facção, nutre simpatia por Bolsonaro.

E de onde vem essa simpatia? Talvez venha de algumas políticas públicas do governo Jair Bolsonaro que ajudaram a fortalecer ainda mais o PCC. Os decretos que flexibilizaram o porte e o comércio de armas fez com que a maior facção criminosa do país se armasse com mais facilidade. Em 2019, o MPF alertou o governo federal através de uma nota técnica em que afirmava que os decretos facilitariam o desvio de armas para o crime organizado. Bolsonaro, claro, ignorou o alerta.

Agora, em 2022, o noticiário nos informa que o PCC tem utilizado metralhadoras e fuzis legalizados. Sim, graças a Bolsonaro, o crime organizado teve o acesso às armas facilitado. Como há pouco ou nenhum controle e fiscalização no registro de CACs, agora o PCC pode comprar armas e munição legalizadas através de laranjas. Além disso, a “cesta básica do crime” – formada por fuzis, carabinas e pistolas – ficou até 65% mais barata depois dos decretos de Bolsonaro. Segundo o Estadão, não são apenas laranjas que compram armas.

Com ajuda direta de Bolsonaro, agora o PCC não precisa mais gastar uma fortuna para traficar armas do Paraguai ou da Bolívia. Basta ir até a loja de armas mais próxima e comprar tranquilamente. O promotor de justiça Lincoln Gakiya contou ao Estadão que os integrantes do PCC “pagavam de R$ 35 mil até R$ 59 mil num fuzil no mercado paralelo e agora pagam de R$ 12 mil a R$ 15 mil um (fuzil calibre) 556 com nota fiscal”.

Depois do liberou geral do Planalto, três criminosos do PCC conseguiram comprar armas em seus nomes com nota fiscal e tudo. Um deles já havia sido processado 16 vezes por tráfico de drogas e homicídio. O principal beneficiário pelos decretos das armas, portanto, não é o cidadão de bem que quer se proteger da bandidagem. É o PCC, que tem aumentado substancialmente seu poderio bélico gastando menos dinheiro.

Não se sabe de alguma política pública implantada pelo presidente que tenha prejudicado os planos do PCC. No último debate, Bolsonaro bem que tentou inventar uma. Ele simplesmente inventou que o seu então ministro da Justiça, Sergio Moro, seria o responsável por transferir Marcola para um presídio federal de segurança máxima.

A verdade é que o governo federal não teve qualquer influência na decisão. Quem pediu a transferência foi um promotor do MP-SP e quem deferiu a ordem foi um juiz estadual. E o presídio de segurança máxima para o qual Marcola foi transferido é o de Porto Velho, em Rondônia, que foi construído por… Lula.

Em 2008, uma investigação da Polícia Federal descobriu um plano de Fernandinho Beira-Mar para sequestrar um dos filhos do então presidente Lula. A intenção do criminoso era forçar sua soltura e a de outros presos, entre eles Marcola, chefe do PCC. Como bem lembrou o jornalista Rubens Valente, “as facções odeiam os presídios federais, todos construídos pelo governo Lula na gestão de Thomaz Bastos, ação pioneira no país. A rígida segurança foi toda planejada e inaugurada pelo governo do PT. A acusação de Bolsonaro de suposta aliança do PCC com o PT em 2006 não pára de pé”.

Apesar da campanha bolsonarista insistir em inverter os fatos, eles estão aí escancarados. Enquanto o governo Lula foi uma pedra no sapato do crime organizado, o governo de Bolsonaro foi uma mãe.

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