Heather Higgins, à direita, presidente e CEO do grupo Independent Women's Voice (Voz Independente das Mulheres), fala durante um evento na Casa Branca em Washington, D.C., em 18 de agosto de 2020.

Amazon, Google e Facebook ajudaram a bancar fim do aborto legal nos EUA

Grupo bancado por gigantes de tecnologia não é explicitamente antiaborto, mas trabalhou para criar a maioria conservadora na Suprema Corte dos EUA.

Heather Higgins, à direita, presidente e CEO do grupo Independent Women's Voice (Voz Independente das Mulheres), fala durante um evento na Casa Branca em Washington, D.C., em 18 de agosto de 2020.

Quando a Suprema Corte anulou a decisão do caso Roe vs. Wade, que garantia o direito ao aborto em todo o país, as principais empresas de internet dos Estados Unidos agiram rapidamente, comprometendo-se a ajudar suas funcionárias nos estados que passariam a proibir o aborto. Em um sinal implícito de apoio ao direito ao aborto, as empresas disseram que ajudariam essas funcionárias a buscar o procedimento em estados onde a legalidade foi mantida.

No entanto, nos anos que antecederam a bombástica decisão a respeito dos direitos reprodutivos, os gigantes da tecnologia patrocinaram um controverso grupo que trabalhou incansavelmente para colocar a Suprema Corte sob controle conservador, preparando o terreno para a reversão da decisão de Roe vs. Wade.

O Fórum de Mulheres Independentes (IWF, na sigla em inglês) tem suas origens na luta para confirmar a nomeação de Clarence Thomas para a Suprema Corte, em 1991. Desde então, o grupo se expandiu para promover uma série de causas ligadas à direita, como o negacionismo climático, o alarmismo quanto à imigração e a desregulamentação do mercado, embora seu foco tenha permanecido na formação de uma Suprema Corte dominada por conservadores.

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O trabalho de relações públicas desempenha um papel fundamental no funcionamento do grupo. Com seu hábil posicionamento de vender-se como uma organização pró-mulher, o grupo lutou pela nomeação de juízes conservadores para a Suprema Corte. A IWF deu apoio a Bret Kavanaugh como alguém bom para o feminismo e acusou qualquer oposição a Amy Coney Barrett como sexismo — apesar da pertinente preocupação de que suas chegadas à corte significariam o fim de Roe vs. Wade. A IWF é responsável por uma eficiente gama de aparições na mídia, artigos de opinião, comentaristas de televisão e outras contribuições para o ecossistema de conteúdo conservador.

O grupo também faz um uso silencioso do tráfico de influências. Em 2020, a chefe da IWF e herdeira da Vick VapoRub, Heather Higgins, se gabou para uma audiência fechada de conservadores da Virgínia sobre como a atuação do grupo foi fundamental para reunir apoio do Congresso para a indicação de Kavanaugh à Suprema Corte. Higgins disse ao grupo que a IWF fez circular um memorando de estratégia confidencial no Congresso. “O mais importante”, disse Higgins, “é que Susan Collins me disse que, sem aquele memorando, ela não teria como apoiá-lo”, referindo-se à senadora republicana do Maine.

O Fórum de Mulheres Independentes e sua organização irmã, a Voz das Mulheres Independentes (Independent Women’s Voice), recebem doações de pilares financeiros da direita dos Estados Unidos, como os irmãos Koch, mas nos últimos anos os grupos têm recebido apoio financeiro da empresa-mãe do Facebook, a Meta, do Google, e da Amazon. Em 2017, o Google patrocinou uma festa de gala da IWF com o status de doador “ouro”, de acordo com folhetos fornecidos ao Intercept pela True North Research, um observatório progressista. Outros folhetos mostram que a Meta (que na época ainda usava o nome Facebook) patrocinou as festas de gala da IWF em 2018, ao lado do Google, e em 2019. Os homenageados em eventos da IWF incluíram conhecidas figuras antiaborto, como a representante Republicana do Wyoming, Lynne Cheney; Kellyanne Conway, do alto escalão no gabinete do governo Trump; e o vice-presidente do próprio Trump, Mike Pence.

Dados corporativos da Amazon mostram que a empresa doou quantias não reveladas à IWF em 2018, 2019 e 2020.

Amazon, Google, Meta e a IWF não responderam aos pedidos de comentário desta reportagem.

A fundadora da True North, Lisa Graves, caracterizou os esforços da IWF como uma tentativa de maquiar sua ideologia conservadora. “Eles agem como legitimadores”, disse ela em uma entrevista, “basicamente, fornecendo o rosto de uma mulher à direita, para criticar ou atacar os progressistas, e promover suas propostas extremas, opressivas e regressivas.”

Patrice Onwuka, diretora do Centro de Oportunidades Econômicas do Fórum de Mulheres Independentes, fala durante um evento organizado pelos Republicanos do Congresso em 1º de março de 2022, em Washington, D.C.

Patrice Onwuka, diretora do Centro de Oportunidades Econômicas do Fórum de Mulheres Independentes, fala durante um evento organizado pelos Republicanos do Congresso em 1º de março de 2022, em Washington, D.C.

Foto: Samuel Corum/Getty Images

Apesar da percepção pública de um suposto alinhamento do Vale do Silício com valores progressistas e causas liberais, as empresas de tecnologia, principalmente aquelas que temem a regulamentação estatal, há muito tempo canalizam dinheiro para grupos de direita como a IWF. Ao mesmo tempo, o grupo costuma promover posições políticas que são bastante favoráveis a seus doadores corporativos.

A IWF sempre defendeu posições favoráveis à indústria de tecnologia em aspectos trabalhistas, antitruste e outras questões, sem revelar os interesses de seus doadores. Veja, por exemplo, uma postagem do blog da IWF em abril, alertando que a aplicação de leis antitruste contra as gigantes de tecnologia seria desastrosa. “A inovação tecnológica tem sido nada menos que milagrosa nas últimas décadas”, escreveu Patrice Onwuka, diretora do Centro de Oportunidades Econômicas da IWF, e a principal defensora das poderosas empresas de tecnologia na entidade.

Poucas questões em tecnologia mobilizaram a IWF e Onwuka como o American Innovation and Choice Online Act, uma proposta bipartidária antitruste, que impediria as empresas de tecnologia de utilizar seu enorme alcance para favorecer os próprios serviços em detrimento dos concorrentes. Em um artigo de dezembro de 2021 intitulado “O Amazon Prime pode não estar por perto para salvar o próximo Natal”, Onwuka afirmou que “a Senadora Amy Klobuchar e outros estão prestes a encerrar serviços como o envio rápido e gratuito da Prime, e outros dos quais dependemos.” Onwuka então fez um link a uma postagem no blog da Câmara do Progresso, uma coalizão de empresas de tecnologia, com financiamento da Amazon, que alegava, de forma duvidosa, que a lei “baniria o Amazon Prime”.

Em junho, Onwuka escreveu uma crítica contra as ações antitruste do Congresso: “As conveniências que tornam a vida e o trabalho mais fáceis e rápidos e economizam o dinheiro dos consumidores podem desaparecer.” Mais tarde naquele dia, Onwuka apareceu na Fox Business, novamente protestando contra a aplicação da lei antitruste na indústria de tecnologia. “Estou mais preocupada com o impacto nos proprietários de pequenas empresas e nas mulheres e famílias que dependem dos benefícios que algumas dessas quatro grandes empresas de tecnologia oferecem,”, disse ela.

Proteger as gigantes de tecnologia do controle antitruste provou ser uma prioridade para a IWF, mas o grupo também defende diretamente seus benfeitores. Em 2019, Onwuka escreveu um post inteiro dedicado a defender o CEO da Meta, Mark Zuckerberg, depois que o site Politico relatou que ele havia participado de jantares com famosos comentaristas e congressistas conservadores. “Zuckerberg é um cidadão comum que pode jantar com quem quiser”, escreveu Onwuka. “O jantar dele tem um objetivo comercial claro, e isso faz parte dos negócios.”

‘Institucionalmente, eles não têm posição sobre o aborto, e essa é a sua posição declarada. Mas organizacionalmente, eles apoiaram a lista de juízes antiaborto mais agressiva que já vimos.’

Obviamente, o tratamento cordial aos gigantes da indústria é um pilar do conservadorismo, e a IWF provavelmente estaria alertando que as medidas antitruste nos levariam de volta à Idade do Bronze, mesmo sem o patrocínio do Google para seus jantares de gala. Mas alimentar a fábrica de comentaristas de direita é um aspecto importante da estratégia política das gigantes de tecnologia, e que se mostra em constante expansão.

Embora não haja evidências de que Zuckerberg ou o CEO do Google Sundar Pichai tenham qualquer oposição pessoal ao acesso ao aborto, não há dúvida que suas empresas se beneficiam do apoio a um amplo e próspero ecossistema de discurso conservador no qual qualquer regulamentação governamental é algo abominável. Para as lideranças das empresas de tecnologia, a realidade de que esse ecossistema impulsiona não apenas a economia do livre mercado, amigável ao Facebook, mas também o negacionismo climático e a proibição do aborto, é considerada um efeito colateral – talvez infeliz, mas que ainda vale a pena.

O patrocínio do Vale do Silício a grupos de pesquisa e campanhas de direita ocorre de forma que há uma grande margem viável para negação. Quando o The Guardian noticiou em 2019 que o Google estava doando para algumas das mais famosas organizações de negacionismo climático do país, um porta-voz da empresa respondeu: “Não somos os únicos entre as empresas que contribuem para organizações, e ao mesmo tempo discordamos delas fortemente em relação às políticas climáticas.”

A grande diversidade de tópicos nos quais a IWF se envolve, e seu cuidado para não se opor publicamente ao acesso ao aborto, ajudou a evitar a reputação de ser um grupo antiaborto. “Institucionalmente, eles não têm posição sobre o aborto, e essa é a posição declarada deles”, explicou Graves, da True North. “Mas organizacionalmente, eles apoiaram a lista de juízes antiaborto mais agressiva que já vimos.”

Tradução: Antenor Savoldi Jr.

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