Governo do Paraná admite disparo em massa de SMS golpista e culpa empresa terceirizada

Mensagem que pede invasão ao Supremo Tribunal Federal e ao Congresso partiu de número usado por prestadores de serviços públicos.


Paranaenses e moradores de outros estados do Sul e do Sudeste relatam ter recebido uma mensagem de teor claramente golpista e anti-democrático do número usado por serviços públicos digitais do governo do Paraná. Relatos têm se espalhado pelas redes sociais na manhã deste sábado, 24 de setembro.

Após a publicação desta nota, que relatava apenas o envio da mensagem a moradores do Paraná, o Intercept recebeu relatos de pessoas que vivem em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, e no litoral norte de São Paulo que também receberam o SMS golpista.

O governo paranaense admitiu que dados de cidadãos que usaram serviços públicos foram usados e culpou uma “empresa terceirizada”, que em seguira identificou como a Algar Telecom. Disse, ainda, que está investigando o caso, e que registrou boletim de ocorrência pois considera “ter sido vítima de um crime”.

A mensagem, enviada na madrugada de hoje, diz o seguinte: “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senao, vamos a rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nos!!”. Ela partiu do número 28523.

Conversei com três pessoas que receberam a mensagem e me autorizaram a publicar os prints. Elas me disseram ter usado anteriormente serviços digitais do Departamento de Trânsito do Paraná, o Detran, e um sistema chamado Paraná Inteligência Artificial, o PIA, plataforma de serviços digitais do governo. A comunicação, até então, era restrita a informações sobre protocolos de atendimento e códigos de autenticação. Neste sábado, os usuários foram surpreendidos com a mensagem golpista.

“O PIA agrupa todos os serviços públicos estaduais que você quiser consultar em seu nome. Quando escolho a opção de segurança vinculada ao celular, ele manda o código de acesso pelo número 28523”, me disse uma usuária, que recebeu a mensagem golpista.

“Na madrugada do dia 15 pro dia 16 eu recebi um código de autenticação pra algum app. Talvez tenha sido o da Carteira Digital de Trânsito, porque eu renovei recentemente a CNH. Aí, ontem, o mesmo número me enviou a mensagem anti-democrática”, relatou outra – ambas vivem em Curitiba.

O governador do Paraná, Carlos Roberto Massa Junior, o Ratinho Junior, do PSD, filho do apresentador do SBT, apoia a reeleição de Jair Bolsonaro. O diretor-geral do Detran é Adriano Furtado, que foi diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, a PRF, durante o governo Bolsonaro. Furtado foi demitido no início da pandemia por manifestar pesar pela morte de um agente pela covid-19, o que irritou o presidente negacionista. Desde o início do governo, a PRF tem se deixado usar politicamente por Bolsonaro.

Disparos em massa sem consentimento dos destinatários são proibidos pelo Tribunal Superior Eleitoral desde 2021. Além disso, a lei eleitoral também proíbe doações ou venda de cadastros às campanhas. Se o governo tiver repassado os dados coletados durante prestação de serviço público, o envio de mensagens em massa pode configurar o crime eleitoral de abuso de poder político e econômico.

Perguntei ao governo do Paraná de que forma funciona o envio de mensagens pelo número 28523, se houve cessão de dados de usuários de serviços públicos a campanhas eleitorais (o que afronta a Lei Geral de Proteção de Dados), e se houve registro de invasão ou ataque no sistema que efetua os disparos.

A assessoria do governo enviou a seguinte nota: “O Governo do Estado do Paraná repudia qualquer tentativa de uso político ou manifestação antidemocrática e determinou à [empresa estatal de tecnologia] Celepar apuração célere junto a seus parceiros para responsabilização desse fato lamentável. O fato ocorreu a partir de uma empresa terceirizada e ela já foi notificada pela Celepar”.

A nota deixa subentendido que a empresa terceirizada tem acesso livre a dados sigilosos entregues à administração pública do Paraná.

Entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Data Privacy Brasil acompanham o caso e devem acionar a justiça.

No fim do sábado, o governo do Paraná publicou uma nova nota, desta vez nominando a Algar Telecom:

“As mensagens de cunho político enviadas por SMS foram feitas a partir de uma empresa terceirizada, a Algar Telecom, sem qualquer iniciativa e envolvimento da Celepar e do governo do sstado. Em nenhum momento a Celepar teve ciência, autorizou ou enviou qualquer tipo de mensagem. O caso é grave e os responsáveis serão penalizados na forma da lei. Os órgãos policiais e eleitorais já foram acionados em todas as esferas e os boletins de ocorrência realizados para fins de investigação. A Celepar notificou a empresa terceirizada para que preste os esclarecimentos de acordo com os parâmetros contratuais e repudia qualquer tentativa de uso político, eleitoreiro ou manifestação antidemocrática a partir de suas plataformas de serviços e trabalha ativamente para combater esse tipo de atitude. A Celepar e o governo do estado foram vítimas desse crime”.

A Algar Telecom também divulgou comentário sobre o caso:

“A Algar Telecom está analisando o ocorrido. Detectamos um acesso indevido à plataforma, com um IP que não pertence à operadora. A Algar Telecom informa que a conta que realizou os disparos foi bloqueada, que continua analisando internamente a questão e que irá colaborar com a apuração dos fatos”.

Com colaboração de Tatiana Dias.

 

Atualização: 26 de setembro, 12h10

O texto foi atualizado com o acréscimo de novas notas emitidas pelo governo do Paraná e pela Algar Telecom.

 

Atualização: 24 de setembro, 14h40

Este texto foi atualizado com a nota divulgada pelo governo do Paraná e novas informações sobre o envio de mensagens, recebidas também por moradores de outros estados.

 

 

S.O.S Intercept

Peraí! Antes de seguir com seu dia, pergunte a si mesmo: Qual a chance da história que você acabou de ler ter sido produzida por outra redação se o Intercept não a tivesse feito?

Pense em como seria o mundo sem o jornalismo do Intercept. Quantos esquemas, abusos judiciais e tecnologias distópicas permaneceriam ocultos se nossos repórteres não estivessem lá para revelá-los?

O tipo de reportagem que fazemos é essencial para a democracia, mas não é fácil, nem barato. E é cada vez mais difícil de sustentar, pois estamos sob ataque da extrema direita e de seus aliados das big techs, da política e do judiciário.

O Intercept Brasil é uma redação independente. Não temos sócios, anúncios ou patrocinadores corporativos. Sua colaboração é vital para continuar incomodando poderosos.

Apoiar é simples e não precisa custar muito: Você pode se tornar um membro com apenas 20 ou 30 reais por mês. Isso é tudo o que é preciso para apoiar o jornalismo em que você acredita. Toda colaboração conta.

Estamos no meio de uma importante campanha – a S.O.S. Intercept – para arrecadar R$ 250 mil até o final do mês. Nós precisamos colocar nosso orçamento de volta nos trilhos após meses de queda na receita. Você pode nos ajudar hoje?

Apoie o Intercept Hoje

Inscreva-se na newsletter para continuar lendo. É grátis!

Este não é um acesso pago e a adesão é gratuita

Já se inscreveu? Confirme seu endereço de e-mail para continuar lendo

Você possui 1 artigo para ler sem se cadastrar