O Brasil encara em 2022 as eleições mais diversas de sua história. Pela primeira vez, candidatos e candidatas ao Congresso autodeclarados brancos não são maioria. Candidaturas indígenas quebraram recorde, e as de mulheres também cresceram. Parece promissor. Mas, na prática, essa maior diversidade não é refletida na distribuição de recursos para as campanhas: uma pequena panelinha de homens brancos ainda concentra boa parte do dinheiro.
Até quinta-feira, 8 de setembro, o Tribunal Superior Eleitoral havia contabilizado R$ 2,162 bilhões arrecadados ao todo pelos 10.810 candidatos ao Senado e à Câmara —incluindo fundos partidário e eleitoral, vaquinhas, autofinanciamento e doações individuais. Desse total, quase metade — ou R$ 1,036 bilhão – ficou com homens brancos. Dentre eles, os primeiros 68 da lista abocanharam R$ 189 milhões. Ou seja: 0,62% dos candidatos ganharam 18% do total do dinheiro. Os dez que mais receberam somam até agora R$ 34,1 milhões.
Os dados foram levantados pelo Intercept em parceria com a plataforma 72 horas, formada por especialistas na análise de dados eleitorais e organizações e movimentos da sociedade civil.
Para quem o dinheiro público jorra
A bordo de uma campanha suntuosa e em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto no seu estado, o campeão de arrecadação dentre os candidatos ao Congresso até agora é Márcio França, ex-governador de São Paulo. Candidato ao Senado pelo PSB na chapa do petista Fernando Haddad, França já levantou R$ 6,5 milhões, tudo de dinheiro público transferido pelo PSB e pelo PSOL. Assim, ele não deve ter dificuldades de chegar ao teto permitido por lei no estado, que é de R$ 7,1 milhões.
O candidato declarou gastos de apenas uma fração disso até o momento. Suas principais despesas até agora foram de R$ 115 mil em passagens aéreas, de R$ 96 mil em serviços gráficos e de R$ 17 mil na produção de vídeos.
Outro candidato ao Senado bem financiado é Álvaro Dias, que busca a reeleição pelo Podemos do Paraná. Segundo colocado no ranking de recursos recebidos dentre os candidatos ao Congresso, Dias já declarou R$ 4,4 milhões para sua campanha – e atingiu o teto de arrecadação paranaense. O candidato trava uma batalha encarniçada com o ex-juiz Sergio Moro pela única vaga disponível, depois que o rival e ex-aliado, hoje no União Brasil, foi impedido pela Justiça Eleitoral de se candidatar por São Paulo. Moro, aliás, é outro homem branco da panelinha: são R$ 2,4 milhões arrecadados para sua campanha, dos quais já foi gasto R$ 1,3 milhão.
O Centrão está bem representado nessa panelinha. Boa parte dos nomes na lista é do grupo. Otto Alencar, do PSD da Bahia, ocupa o terceiro lugar de maior arrecadador. Ele já levantou R$ 3,9 milhões para sua campanha ao Senado, tudo do fundo eleitoral transferido pela direção do partido. O investimento parece estar funcionando: Alencar lidera as pesquisas na sua praça, com pelo menos 30% das intenções de voto.
Seu concorrente do Progressistas da Bahia, Cacá Leão, também está na da panelinha dos homens brancos privilegiados. Com R$ 3,5 milhões de dinheiro público injetados pela direção partidária do União Brasil, ele está em segundo lugar nas intenções de voto com cerca de 17% da preferência do eleitorado.
O ex-senador Romero Jucá vai tentar voltar à Casa neste ano após ter perdido em 2018. Apesar da derrota, ele foi bem lembrado pelo seu partido. Ele recebeu duas transferências do MDB, uma da direção nacional e outra do diretório em Roraima, e já soma pouco mais de R$ 3 milhões para sua campanha de retorno a Brasília. Por lá, o investimento também parece estar dando certo. Jucá toca uma campanha competitiva ao Senado e está empatado em primeiro lugar nas sondagens de intenção de voto. Seu principal concorrente também é do Centrão: Doutor Hiran, autodeclarado pardo que arrecadou pouco mais da metade do rival, R$ 1,6 milhão.
O abismo aumenta
Quando olhamos apenas para as doações de pessoas físicas, autofinanciamentos e doações coletivas, a disparidade fica ainda mais gritante. Do total de R$ 115,2 milhões distribuídos aos candidatos esse ano – verba que não leva em conta o dinheiro público –, R$ 75,3 milhões foram para a panelinha dos homens brancos. Mais de 65%.
“Não é só no valor que tem disparidade e fica concentrado na mão dessa ‘panelinha’. É também no tempo que esse dinheiro leva para chegar às campanhas menos favorecidas”, afirmou Drica Guzzi, uma das idealizadoras e coordenadoras da plataforma 72 horas. “Em uma campanha curta como no Brasil, não adianta o dinheiro chegar faltando 15 ou 10 dias para a eleição”.
Fundo é importante para candidaturas com menos chances estruturais – mas a falta de transparência na distribuição agrava a desigualdade.
De acordo com a plataforma, que analisou dados do TSE, apenas 56% das candidaturas receberam algum aporte de dinheiro até agora. “Se a campanha, principalmente para o legislativo, não começa potente, é muito difícil salvar no final”, disse Guzzi.
As eleições deste ano têm uma novidade importante: é a primeira vez que os efeitos da Emenda Constitucional 111 estarão em vigor. A norma determina que os partidos com mais votos em candidatos negros e negras e candidatas mulheres à Câmara dos Deputados terão direito a cotas maiores do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, o fundo partidário, e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o FEFC, conhecido como fundo eleitoral.
Apesar desse avanço, as regras e estímulos para que os partidos distribuam de forma mais equânime o dinheiro público desses fundos ainda são incipientes. “O fundo eleitoral é muito importante para candidaturas com menos chances estruturais: candidatos pobres, de grupos pouco representados, mulheres negras… o problema é que sua distribuição fica totalmente a cargo do partido e tem pouquíssima transparência”, explicou a coordenadora da 72 horas. “Dessa forma, ele acaba mantendo e até aprofundando a desigualdade de condições para competir entre as campanhas privilegiadas e a maioria que segue subfinanciada”.
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