Fome só é um problema para Bolsonaro se for na Venezuela

Presidente explora a história de refugiados para ressuscitar o fantasma da crise no país vizinho e negar a fome que assola o Brasil em seu governo.


Em um intervalo de seis dias, o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, se apresentou publicamente ao lado de dois imigrantes da Venezuela para atacar a miséria naquele país e ignorar a fome no Brasil. Primeiro, em um discurso de campanha em Betim, Minas Gerais, semana passada. Nesta terça-feira, dia 30, ele repetiu a manobra numa entrevista a jornalistas em Brasília.

Nas duas oportunidades, o presidente pediu aos dois refugiados que relatassem as dificuldades econômicas que viveram na Venezuela. Não haveria problema em falar da fome no encrencado país caribenho não fosse o fato de Bolsonaro e seu clã fingirem que o problema não existe no Brasil. Só que é mentira: 33 milhões de pessoas passam fome diariamente por aqui, segundo este levantamento da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional.

Pior ainda, Bolsonaro reagiu mal ao ser confrontado sobre o fato por jornalistas na terça. “Lógico que me incomodo [com a fome no Brasil]. Você acha que no passado não tinha fome no Brasil? [Mas] esse número, 30 milhões, está exagerado. Queria que fosse zero, mas não são 30 milhões. É uma história sempre para se vitimizar”, disse ao ser questionado.

A ideia simplória que embasa o discurso bolsonarista é a seguinte: com a volta de Lula ao governo, o Brasil corre o risco de entrar numa crise semelhante à da Venezuela. É uma lorota, por dois motivos: isso não ocorreu quando Lula foi presidente, entre 2003 e 2010, e Bolsonaro tem muito mais em comum com o caudilho autoritário que foi Hugo Chávez do que o petista.

Vale lembrar que o Brasil saiu do Mapa da Fome da ONU em 2014, durante o governo da também petista Dilma Rousseff, e voltou a figurar no documento em 2018, no final do mandato de Michel Temer – um retrocesso inédito no mundo, segundo afirmou o economista Walter Belik à Folha de S.Paulo em janeiro deste ano. O maior aumento no número de brasileiros em insegurança alimentar grave, porém, se deu durante o governo Bolsonaro.

Exemplo acabado de populista que ambiciona se tornar ditador, Bolsonaro costuma repetir que na Venezuela existem pessoas que tiveram que comer os próprios cães e gatos. Enquanto isso, finge que não vê as fotos de brasileiros disputando ossos de boi para colocar alguma proteína no prato. E jura não haver gente “pedindo pão” por aqui.

O seu futuro está sendo decidido longe dos palanques.

Enquanto Nikolas, Gayers, Michelles e Damares ensaiam seus discursos, quem realmente move o jogo político atua nas sombras: bilionários, ruralistas e líderes religiosos que usam a fé como moeda de troca para retomar ao poder em 2026.

Essas articulações não ganham manchete na grande mídia. Mas o Intercept está lá, expondo as alianças entre religião, dinheiro e autoritarismo — com coragem, independência e provas.

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