“Nem cadeia tem isso”. Foi assim que Bruno*, um dos internos da comunidade terapêutica Centradeq-Credeq, na área rural do município mineiro de Lagoa Santa, descreveu ao Intercept a rotina de tortura, maus tratos e trabalhos forçados que viveu em um lugar que, supostamente, deveria tratar dependentes químicos.
Na nossa reportagem, publicada em 2019, mostramos que o inferno vivido dentro das clínicas era, em grande parte, financiado pelo governo, cujas políticas antidrogas preveem o custeio desse tipo de tratamento. Depois, as clínicas são transformadas em ativos eleitorais, sobretudo por políticos evangélicos.
Agora, um estudo recém-publicado da ONG Conectas Direitos Humanos quantificou o tamanho do setor – e mostrou que ele explodiu nos últimos cinco anos. Turbinado por mudanças na política de drogas, ele movimentou mais de meio bilhão de reais de 2017 para cá. A maior parte desse dinheiro veio a partir de 2019, quando Bolsonaro sancionou a Política Nacional sobre Drogas, oriunda de uma lei de autoria de Osmar Terra, um político do Centrão filiado ao MDB e que na época era ministro da Cidadania do governo de extrema direita.
Só de verbas federais, clínicas receberam mais de R$ 300 milhões para custear internações.
No período analisado, os gastos da União, estados e municípios com vagas em comunidades terapêuticas chegou a R$ 560 milhões – e a tendência é de crescimento. A maior parte desse gasto veio do governo federal, e ele explodiu sob Bolsonaro. De 2019 para cá, foram mais de R$ 100 milhões ao ano para financiar essas instituições.
Desde o governo Temer, o Brasil vem endurecendo sua política antidrogas. Em 2017, a Secretaria Nacional de Política de Drogas, a Senad, órgão do Ministério da Justiça, chegou inclusive a censurar um estudo que mostrava que, ao contrário do que Osmar Terra (que também foi ministro de Temer) e outros partidários de uma política antidrogas mais rígida esperneavam, não havia “epidemia” nenhuma de drogas no Brasil. Depois, contratou sem edital uma nova pesquisa, encomendada a um grupo alinhado ao governo.
Na contramão de iniciativas de descriminalização, a nova política assinada por Bolsonaro facilitou a internação compulsória e centralizou o tratamento dos dependentes nas chamadas comunidades terapêuticas, instituições privadas de tratamento a dependentes químicos.
O problema disso? Mal regulamentadas, elas têm um modelo de tratamento baseado na abstinência, no isolamento e, em muitos casos, em práticas religiosas compulsórias. Vários pesquisadores questionam a eficácia desse tipo de tratamento. No Brasil, pesquisas apontam, por exemplo, que práticas religiosas podem levar ao abandono e até a recaídas.
Mas a indústria antidrogas – principal beneficiada das mudanças na regulação – regada a dinheiro público vai muito bem, como avisamos três anos atrás.
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