Vista aérea mostra a destruição após o ataque noturno das forças de operações especiais dos EUA em Idlib, na Síria, em 3 de fevereiro de 2021.

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Líder do Estado Islâmico foi morto na Síria, mas terroristas ganham força na África

Biden celebrou o ataque que 'removeu com sucesso' o líder do Estado Islâmico. Táticas similares dos EUA não conseguiram deter terroristas na África.

Vista aérea mostra a destruição após o ataque noturno das forças de operações especiais dos EUA em Idlib, na Síria, em 3 de fevereiro de 2021.

Após a notícia de que um ataque dos EUA na Síria resultou na morte do líder do Estado Islâmico, o presidente norte-americano Joe Biden defendeu o modelo de guerra “além do horizonte” de seu governo. Trata-se de uma reformulação dos ataques de drones e forças especiais empregados há cerca de 20 anos em zonas de conflito como Somália e Iêmen – basicamente, uma promessa de caçar militantes até os confins do planeta.

“Esta operação é um testemunho do alcance e da capacidade dos EUA de eliminar ameaças terroristas, não importa onde eles tentem se esconder, em qualquer lugar do mundo”, anunciou Biden após a missão das forças de operações especiais dos EUA na casa do líder do Estado Islâmico, Abu Ibrahim al-Hashimi al-Qurayshi. “Estou determinado a proteger o povo americano das ameaças terroristas e tomarei medidas decisivas para proteger este país.”

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No entanto, essa “capacidade” tem falhas em uma região onde a influência do Estado Islâmico vem crescendo, como reconheceu, no começo de fevereiro, um dos principais generais de Biden. “Para ser franco, pessoalmente, não estou satisfeito com nosso progresso contra extremistas violentos na África, particularmente na África Oriental e Ocidental”, declarou o general Stephen J. Townsend, chefe do Comando das Forças Armadas dos EUA para a África, em entrevista ao Intercept. “Avalio que o extremismo violento nessas duas regiões segue se expandindo em termos geográficos, de alcance e influência.”

Desde os anos 2000, os EUA enviam regularmente pequenas equipes de forças especiais para aconselhar, auxiliar e inclusive acompanhar forças locais em conflitos. Os EUA forneceram armas, equipamentos, aeronaves e diversas formas de treinamento contraterrorista a parceiros em todo o continente africano, de Burkina Faso, Mali e Níger, no oeste, ao Quênia e à Somália, no leste. Atualmente, entretanto, há nada menos que sete afiliados do Estado Islâmico ameaçando pelo menos 11 países – Burkina Faso, Camarões, Chade, Egito, Líbia, Mali, Moçambique, Níger, Nigéria, República Democrática do Congo e Somália –, segundo o Departamento de Estado dos EUA e o Pentágono. Somam-se a essa rede os afiliados da Al Qaeda e de outros grupos radicais, totalizando pelo menos 18 organizações terroristas islâmicas.

“Vimos o avanço do Estado Islâmico na África Central e em Moçambique, o que é preocupante”, disse Townsend. No ano passado, grupos extremistas islâmicos realizaram quase um ataque por dia (329 no total) só na província de Cabo Delgado, em Moçambique, segundo relatório recente do Centro Africano de Estudos Estratégicos, uma instituição de pesquisa do Pentágono dedicada à segurança no continente. Cerca de 1.100 pessoas foram mortas nesses ataques. Nas últimas duas semanas, uma onda de mais de 20 ataques a quatro aldeias em Cabo Delgado obrigou mais de 14 mil pessoas a deixarem suas casas.

Em outras partes da África, a situação é ainda pior. Na região do Sahel, onde operam grupos afiliados à Al Qaeda e ao Estado Islâmico, os ataques de extremistas islâmicos saltarem de 1.180 para 2.005 no ano passado – um aumento de 70%. “Isso dá sequência a uma escalada ininterrupta de violência envolvendo grupos militantes islâmicos na região desde 2015”, apontou o relatório do Centro Africano de Estudos Estratégicos. “Embora tenha se originado e ainda esteja amplamente centrada no Mali, a propensão à violência agora migrou para Burkina Faso, que responde por 58% de todos os eventos no Sahel.”

A violência também se espalha ao sul, em direção a Estados antes vistos como estáveis no Golfo da Guiné, observa Townsend. “O JNIM, que é um braço da Al Qaeda, e grupos do Estado Islâmico continuam se expandindo em direção aos Estados costeiros”, afirmou o general. “Recentemente vimos ataques em Benin, Togo e Costa do Marfim. Esses ataques indicam essa expansão que me preocupa.”

Matando mulheres e crianças

Em seus comentários celebratórios de 3 de fevereiro, Biden elogiou a “precisão” da operação na Síria, mesmo após equipes de resgate relatarem que havia mulheres e crianças entre as 13 pessoas mortas no ataque — no qual o líder do Estado Islâmico teria provocado uma explosão que o matou a outros indivíduos, segundo o Pentágono. O porta-voz John Kirby culpou al-Qurayshi “e seus tenentes” pela morte dos civis. Ainda não está claro o que realmente aconteceu no ataque e como esses civis foram mortos — em outras ocasiões, o governo dos EUA já provou que alguns desses relatórios iniciais não são confiáveis.

Biden se gabou de que as forças dos EUA “removeram com sucesso uma grande ameaça terrorista para o mundo”, mas a missão não se distinguiu muito de outros ataques de forças especiais pós-11 de setembro. Isso inclui uma operação em 2019 na qual o líder anterior do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi, usando um colete suicida, tirou a própria vida, e o assassinato de Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, em 2011, no Paquistão, bem como os assassinatos de muitos outros tenentes e militantes de médio escalão em operações de forças especiais e ataques aéreos dos EUA no Oriente Médio e na África. Esses triunfos táticos foram fugazes e, em última análise, de pouca importância estratégica para o esforço de guerra mais amplo dos EUA. Em parte, porque as baixas civis nesses ataques foram frequentemente usadas pela Al Qaeda e pelo Estado Islâmico para impulsionar o recrutamento.

Logo após a notícia do ataque na Síria, Townsend reconheceu que as intervenções militares dos EUA precisam ser mescladas com “boa governança” para que os esforços de contraterrorismo sejam eficazes. Mas os soldados treinados pelos EUA no Sahel seguem derrubando governos que os americanos tentam apoiar. Em janeiro de 2022, um oficial treinado pelos EUA derrubou o presidente democraticamente eleito da Burkina Faso — o terceiro golpe de um protegido americano no país desde 2014. Em 2020 e 2021, outro militar treinado pelos EUA derrubou duas vezes o governo do vizinho Mali.

Do outro lado do continente, na Somália, os EUA travaram uma guerra de operações especiais e ataques de drones por quase 20 anos. Em 254 missões e ataques aéreos no país desde 2007 — incluindo pelo menos nove ataques do governo Biden —, o Comando dos EUA para a África afirma que apenas cinco civis foram mortos. No entanto, o grupo de monitoramento de ataques aéreos Airwars, com sede no Reino Unido, estima que o número real possa chegar a 143. Enquanto isso, em 2021 houve um aumento de 17% nos ataques do grupo Al-Shabab, ligado à Al Qaeda, na comparação com 2020, de acordo com o Centro Africano de Estudos Estratégicos. Os 2.072 incidentes violentos, em um país onde o Estado Islâmico também opera, representam o dobro de ataques ocorridos desde 2015. “Na Somália, o al-Shabab está tirando vantagem da liderança política, que está distraída por uma crise política prolongada”, disse Townsend, referindo-se às eleições legislativas e presidenciais em atraso no país. “Enquanto isso acontece, o al-Shabab não é pressionado.”

Em discurso na Casa Branca, Biden mencionou operações terroristas do Estado Islâmico na África, mas elogiou a capacidade dos EUA de “fortalecer a segurança de nossos aliados e parceiros em todo o mundo”. Mas o Centro Africano de Estudos Estratégicos conta uma história muito diferente, em que falta segurança para aliados e parceiros em todo o continente. “De modo geral, a violência de grupos militantes islâmicos na África subiu 10% em 2021, estabelecendo um recorde de mais de 5.500 eventos ligados a esses grupos”, de acordo com o relatório recente do Centro, o qual também estima que 12.700 pessoas foram mortas. Townsend, inclusive, ecoou essa questão: “Não estou satisfeito com o nosso progresso”, admitiu. “Acredito que há trabalho a ser feito.”

Tradução: Ricardo Romanoff

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