Aswad Khan fotografado em sua casa em Karachi, no Paquistão, em 27 de novembro de 2021.

O Pária

Ele rejeitou a oferta do FBI para se tornar um informante. Depois, sua vida foi arruinada.

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Aswad Khan não entendeu por que as pessoas estavam lhe dando os parabéns. Em uma manhã de fevereiro de 2017, saindo da cama em sua casa em um bairro de classe média alta em Karachi, no Paquistão, Khan viu uma enxurrada de mensagens de texto que tinham chegado na noite anterior, em sua maioria de velhos amigos da faculdade e do ensino médio, muitos deles vivendo nos Estados Unidos. Eles estavam lhe desejando sucesso a respeito de uma boa notícia que ele ainda não havia recebido. Ainda com sono, ele começou a vasculhar o telefone e verificar as mensagens.

Khan, então com 31 anos, logo se deparou com um texto que revelava o que estava acontecendo. “Parabéns irmão, seu melhor amigo vai se casar!”, dizia a mensagem. “Você deve estar tão feliz”.

Ele não conseguia acreditar no que tinha acabado de ler.

Khan imediatamente entrou no Facebook para checar o perfil de seu melhor amigo de infância, Ahmed. Ele percebeu rápido que Ahmed tinha parado de segui-lo e restringiu seu acesso ao perfil. Enquanto isso, as páginas de seus outros amigos estavam parabenizando Ahmed pelo noivado e pelo casamento que aparentemente ele havia anunciado que aconteceria naquele verão. Ahmed, cujo nome completo não é citado neste texto a pedido de Khan e que não respondeu aos pedidos de comentários para a reportagem, havia compartilhado cada momento de sua vida com Khan desde que eles eram crianças. No entanto, ele não havia sequer contado a Khan sobre o noivado.

“Só naquele momento eu percebi que ele tinha me excluído da vida dele sem dizer uma palavra.”

“Só naquele momento eu percebi que ele tinha me excluído da vida dele sem dizer uma palavra. Ele até deixou de me seguir no Facebook, no Instagram. Não consigo nem explicar como me senti humilhado e destroçado”, disse Khan. “As pessoas me enviavam mensagens de todo o mundo dizendo que estavam ansiosas para me ver no casamento dele. Eu nem sabia como responder a elas”.

Khan deitou-se de novo na cama, as lágrimas ardendo nos olhos. Ele havia vivenciado tantas pequenas traições ao longo dos anos desde que seus problemas com o governo dos EUA começaram: conhecidos que cortaram laços discretamente, telefonemas e mensagens jamais respondidos, e mesmo pais de amigos dizendo a seus filhos que o incômodo de ser alguém próximo dele era grande demais.

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Um jovem bonito e atlético que estava acostumado a ser o centro das atenções nos seus tempos de ensino médio, Khan — embora nunca tivesse sido acusado de um crime — era agora um pária. Ele havia mergulhado em uma espiral descendente de depressão, ansiedade e noites sem dormir. Cada amizade perdida, ou rumor sobre si mesmo que ouvia, dava um novo golpe em sua autoestima. Ficar sabendo através de outras pessoas que seu melhor amigo de infância ia se casar, um casamento para o qual ele não seria convidado, era o pior golpe de todos até ali.

O lento desmoronar da vida pessoal de Khan tinha começado quase uma década mais cedo, com uma visita inesperada do FBI. Khan tinha sido um aluno internacional da Universidade Northeastern, em Boston, para estudar administração de empresas. Em 2011, depois de se graduar, ele retornou aos EUA com um visto de visitante. Enquanto estava com a família, ele foi abordado pelo FBI para se tornar um informante pago. Khan recusou.

Após deixar o país algumas semanas depois, acreditam Khan e sua equipe jurídica, ele foi colocado na lista de impedidos de voar dos EUA e também na lista de vigilância de terroristas. “Eu diria que é muito provável que ele esteja na lista de vigilância”, disse Naz Ahmad, advogado da equipe do Criando Prestação de Contas e Responsabilidade no Cumprimento da Lei, ou CLEAR na sigla em inglês, um projeto da Escola de Direito da Universidade da Cidade de Nova York, que trabalhou no caso de Khan. Provar sua presença em uma lista secreta, por definição, é impossível sem confirmação do governo, mas Ahmad disse que há fortes possibilidades disso considerando o assédio sofrido por pessoas ligadas a Khan ao tentar entrar nos EUA, bem como comentários feitos pelas autoridades ao antigo advogado dele.

Desde o dia em que deixou o país, Khan não voltou aos EUA, onde em outros tempos ele costumava passar todos os verões com a família em Connecticut, formou-se na faculdade e até se tornou um torcedor fanático do time de basquete dos Boston Celtics. “Eu diria que os cinco anos que passei em Boston foram os melhores da minha vida, sem dúvida alguma. Eu recomendaria Boston a qualquer pessoa”, disse Khan. “Eu vinha aos Estados Unidos desde criança, visitando a Disney World, viajando por todo o país. Eu adorava. O tempo que passei lá fez com que eu me tornasse a pessoa que sou hoje”.

“O FBI tem todo esse poder sobre você. Eles são os guardiões de sua prisão, mesmo que você não tenha feito nada de errado para justificar ser colocado lá dentro.”

Após aquele fatídica visita do FBI, muitos dos contatos de Khan que viajaram para os EUA começaram a ser repetidamente detidos na imigração americana, às vezes por horas. Entre os que eram parados pelas autoridades estavam seus amigos e conhecidos no Paquistão, assim como pessoas com as quais ele estava apenas casualmente conectado nas redes sociais. Uma característica constante dessas detenções, algo que pelo menos cinco dos contatos de Khan confirma, é que eles foram questionados na fronteira sobre seu relacionamento com ele. Os contatos disseram que os funcionários do serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA sugeriram a eles durante os interrogatórios que Khan era uma pessoa perigosa, um possível terrorista. Os oficiais deixaram claro que ele era a fonte de seus problemas para entrar no país.

Para muitos de seus amigos, a pressão era insuportável. Pessoas que Khan conhecia há anos começaram a telefonar para se desculpar, pois teriam que deixar de ser suas amigas nas redes sociais. Em casamentos em Karachi, outros convidados começaram a pedir para que ele fosse excluído das fotografias em grupo. Seus convites para eventos começaram a rarear. Os cônjuges e pais de seus amigos começaram a dizer que ser do círculo próximo de Khan não compensava o incômodo. Eles até se perguntavam se, contra todas as indicações de sua vida comum como gerente de um negócio de publicidade no Paquistão, Khan realmente não teria feito algo de errado para justificar todo esse escrutínio.

“Eles estão assediando todos os meus amigos durante horas sempre que viaja, e fizeram com que até meus melhores amigos não quisessem mais falar comigo”, disse Khan. “É como se eu estivesse em uma prisão virtual por estar nessa lista. O FBI tem todo esse poder sobre você. Eles são os guardiões de sua prisão, mesmo que você não tenha feito nada de errado para justificar ser colocado lá dentro”.

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Aswad Khan em um clube em Boston, em 2009.

Foto: Cortesia de Aswad Khan

Nas últimas duas décadas, desde os atentados de 11 de setembro de 2001, uma das atividades centrais do FBI tem sido o recrutamento de informantes. Embora números mais atualizados não estejam disponíveis, estimativas anteriores colocaram o total de informantes trabalhando nos EUA em mais de 15 mil. Muitas dessas pessoas são muçulmanos americanos ou imigrantes vindos de países de maioria muçulmana. Para aqueles que rejeitam uma oferta para se tornar informantes, as consequências podem ser sérias.

“Há várias pessoas que acusaram o FBI de colocá-las na lista de impedidos de voar por se recusarem a ser informantes”, disse Michael German, um ex-agente do FBI que agora é membro do programa de liberdade e segurança nacional do Centro Brennan para a Justiça. “Os agentes precisam ter informantes, e é por isso que eles vão a essas expedições tentando fisgá-los. Quando as pessoas se recusam, muitas vezes eles se tornam vingativos. Eles partem do princípio de que ‘nós lhe demos uma chance de provar que você está do nosso lado e sua recusa em nos ajudar significa que você está contra nós’”.

“Há várias pessoas que acusaram o FBI de colocá-las na lista de impedidos de voar por se recusarem a ser informantes. Quando as pessoas se recusam, muitas vezes eles se tornam vingativos.”

No final de 2016, o Intercept escreveu sobre uma série de documentos fornecidos por um denunciante do FBI revelando como as agências de segurança nacional dos EUA usam o sistema de migração e os postos de fronteira como um meio de reunir informações e recrutar informantes. Os documentos expõem em detalhes como o FBI e o serviço de Alfândega e Proteção de Fronteiras cooperaram para direcionar listas de pessoas de países de interesse, com o FBI ajudando a identificar indivíduos para triagem adicional, entrevistas e visitas de acompanhamento.

Nenhuma investigação ativa ou suspeita de atividade criminosa é necessária para fazer essas abordagens; o FBI apenas tem que sugerir que a pessoa em questão poderia fornecer informações úteis. De acordo com a informação pública mais recente disponível, as autoridades podem coletar informações sobre alguém, que é seguida por uma “nomeação” dessa pessoa para as listas; o FBI é uma das agências que fazem a nomeação. Depois vem um processo, incluindo a suposta fase de checagens minuciosas, que frequentemente coloca as pessoas em listas de vigilância apesar da falta de provas concretas que as ligam ao terrorismo.

Uma apresentação do FBI disse, como os funcionários também disseram a Khan, que as autoridades não estão procurando “bandidos” para pressionar a se tornarem informantes, mas “bons rapazes”. Aos agentes individuais foi dado amplo poder de decisão sobre a forma como lidavam com essas situações. O resultado, segundo o delator do FBI Terry Albury contou recentemente ao New York Times, era uma cultura de racismo e maldade, com agentes pressionando indivíduos a espionar suas comunidades e frequentemente destruindo as vidas de pessoas inocentes no processo.

“É muito típico ouvir falar de alguém pressionado a se tornar um informante que se recusa e sofre retaliação sendo colocado na lista de impedidos de voar”, disse Hina Shamsi, diretora do projeto de segurança nacional da União Americana de Liberdades Civis, a ACLU. “O que é pior neste caso é que, por se tratar de alguém que não é cidadão americano, todos esses problemas são exacerbados: o recurso já constitucionalmente inadequado disponível aos cidadãos e residentes permanentes colocados nessa lista não está nem sequer disponível para ele”.

Khan se recuperou do golpe de não ter sido convidado para o casamento de seu melhor amigo. Embora ele não possa provar que está em uma lista de vigilância, muito menos saber quem o colocou lá, Khan não pôde deixar de pensar que sua vida havia sido destruída por causa de uma decisão tomada por capricho de um agente do FBI que ele havia conhecido anos atrás, cuja oferta para se tornar um informante ele havia recusado. Khan não tinha como limpar seu nome ou consertar sua reputação despedaçada. Até hoje, ele nunca foi acusado de qualquer ato ilícito.

“Vivi uma vida limpa e nunca me meti em nenhum tipo de problema em nenhum lugar do mundo. Isso realmente me afetou. Eu amo os Estados Unidos, e amei cada parte da minha vida lá. Ainda hoje eu gostaria de poder ir ver os Celtics jogando no TD Garden, ver minha antiga faculdade e ir visitar meus amigos e família”, disse ele. “Ninguém jamais me acusou de fazer nada, então não consigo ver onde está a justiça nisso tudo. Parece que um cara do FBI simplesmente decidiu que ia arruinar minha vida sem nenhuma razão”.

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A sede do FBI em Washington, D.C., em 2 de janeiro de 2021.

Foto: Samuel Corum/Bloomberg via Getty Images

Na manhã de 9 de fevereiro de 2012, Khan, então com 26 anos, acordou ao som de um estrondo na porta da frente da casa de sua tia em New Britain, no estado de Connecticut. Seus tios e primos tinham saído, deixando-o sozinho em casa. Ele estava nos Estados Unidos com um visto de visitante, tendo chegado em outubro do ano anterior, e estava perto do fim da sua estadia de seis meses. Enquanto os batidos na porta da frente continuavam, o celular de Khan tocava com o número de sua prima exibido no identificador de chamadas. Pensando que era ela na porta e que talvez tivesse esquecido algo no caminho para o trabalho, ele pegou o telefone. “Ei, devo ir abrir a porta?”

“Não é sua prima. Aqui é o FBI. Venha até a porta agora e não desligue o telefone”.

“Não é sua prima”, respondeu secamente a voz de um homem. “Aqui é o FBI. Venha até a porta agora e não desligue o telefone”.

O coração de Khan disparou imediatamente. Ele não tinha ideia da razão pela qual o FBI apareceria à sua porta ou como eles poderiam falsificar os números de telefone de sua família para contatá-lo. Ele desceu com o telefone em mãos conforme as instruções, enquanto os oficiais continuavam batendo de forma agressiva na porta. Quando ele a abriu, dois homens de terno estavam ali parados esperando por ele. Eles lhe mostraram seus crachás, um do FBI e outro de um detetive da polícia estadual de Connecticut. Os policiais eram Andrew Klopfer, o agente do FBI, e o então detetive Andrew Burke, segundo relatou Khan e um email de um de seus advogados confirmando sua lembrança dos nomes dos homens.

Khan, dando o melhor de si para reprimir o terror desta visita repentina, tentou elucidar o que estava acontecendo. Seu corpo de 1,90 m ocupava a maior parte da porta, e ele conversou com os policiais agarrado à lateral dela.

“Perguntei como poderia ajudá-los, e eles disseram que só queriam falar comigo. Depois disseram que precisavam me levar para outro local para que pudéssemos conversar e que era para minha própria segurança, bem como a segurança deles”, disse Khan. “Perguntei se eu precisava de um advogado ou algo do tipo e eles me disseram que isso não seria necessário. A essa altura eu já estava tão nervoso e assustado, que estava tremendo. Estava apenas tentando descobrir porque esses caras estavam aqui e me procurando”.

Os agentes disseram a Khan que iriam levá-lo a um restaurante local para que pudessem tomar café da manhã e conversar. Ainda usando seu pijama, ele perguntou se poderia se trocar. Após recusarem inicialmente, os policiais cederam, seguindo-o pela casa e esperando no andar de baixo enquanto ele subia. Khan então os seguiu até o carro deles.

“Eles me colocaram no banco da frente. A primeira coisa que me disseram foi que sou um cara muito alto e não pensavam que eu seria tão alto”, disse Khan. “Eles disseram que tinham gente me observando na última semana e que carros estavam me acompanhando, e perguntaram se eu havia notado. Eu disse a eles que não tinha”.

Os policiais dirigiram por cerca de 15 minutos até o restaurante. Depois de sentar-se com ele a uma das mesas, disseram-lhe para pedir algo para o café da manhã. Ainda aterrorizado e lutando para compreender a virada surreal que sua manhã havia tomado, Khan pediu um copo de suco e um omelete. Os oficiais, que também pediram comida, o encheram de perguntas sobre o que fazia no Paquistão, por que estava visitando os Estados Unidos, onde frequentou a faculdade e como era a situação financeira de sua família.

Após cerca de 20 minutos, Klopfer, o agente do FBI, chegou no objetivo do encontro: eles queriam que Khan trabalhasse para eles.

“Eles disseram que queriam que eu trabalhasse e fornecesse informações, e que poderia ser nos EUA ou no Paquistão. Eu pergunte qual era o trabalho que eles estavam descrevendo especificamente, e eles disseram diretamente que queriam que eu fosse um informante e espionasse mesquitas nos EUA ou no Paquistão”, disse Khan. “Neste momento, eu nem sabia exatamente o que significava um ‘informante’, então perguntei a eles. Eles me disseram que significava estar do lado dos bons, referindo-se a eles próprios, e ir nesses lugares para obter informações para eles”.

Khan tinha vindo de uma família relativamente abastada no Paquistão que havia pagado para ele estudar nos Estados Unidos. Ele disse aos policiais que não precisava de um emprego. De todo modo, ele não seria o melhor perfil para a função, acrescentou, descrevendo-se como alguém barulhento e sociável, e não o tipo de pessoa capaz de guardar segredos sombrios. Os oficiais disseram que o FBI poderia lhe proporcionar a cidadania americana, dinheiro e outras regalias; prometeram que quem trabalhasse para eles se tornaria uma pessoa poderosa com conexões que os tornariam “intocáveis” (o FBI se recusou a prestar comentários para esta reportagem ou disponibilizar Klopfer para responder perguntas. Nem Burke nem a Polícia Estadual de Connecticut responderam a uma solicitação por comentários).

A certa altura, os agentes lembraram que o governo estava pagando pelo suco e pelo omelete que ele estava comendo. Nesse ponto, porém, sabendo o objetivo da reunião, Khan só estava concentrado em chegar em casa o mais rapidamente possível e encontrar ajuda.

“Eu lhes disse que não era nada de mais. ‘Ok, são 10 dólares. Eu pago, pago até mesmo pela sua refeição’”, disse Khan. “A única coisa em minha mente naquele momento era pensar em como sair agora mesmo dessa situação e chegar em casa para contar à minha tia o que diabos está acontecendo”.

Embora ele quisesse a cidadania americana — oferecendo-lhe a chance de passar mais tempo em um país que amava, com a família e amigos — a ideia de se tornar um informante estava fora de questão. Mesmo não frequentando a mesquita regularmente, ele não queria ser enviado pelo FBI para espionar as pessoas durante suas orações. Os policiais continuaram a fazer ofertas, e Khan continuou a rejeitá-las.

“Eu lhes disse: ‘respeito vocês e o que vocês fazem. Vocês colocam suas vidas em risco para proteger a nós e o povo dos Estados Unidos, mas eu não sou talhado para ser espião nem estou interessado nas coisas que vocês estão me oferecendo’”, recordou Khan. “Eu disse: ‘tenho uma ficha limpa e vivi aqui durante anos sem nunca fazer nada de errado’. Eles disseram: ‘é por isso que queremos você. não vamos atrás de arruaceiros, queremos que pessoas de bem trabalhem para nós’”.

Vendo que seus esforços para seduzi-lo oferecendo ajuda em relação à imigração e dinheiro não chegavam a lugar algum, os policiais logo começaram a tomar um caminho diferente. Eles lhe perguntaram o nome de várias organizações terroristas sediadas no Paquistão: será que ele conhecia esses grupos? As organizações estavam sediadas principalmente nas regiões tribais do país, longe da área urbana de Karachi, onde Khan vivia, e ele lhes disse que nunca havia encontrado ninguém que tivesse conexões com os grupos.

Após cerca de duas horas de conversa tensa, os agentes colocaram Khan de volta no carro e o levaram para casa. Abalado pela ansiedade, ele não conseguiu sequer tocar na comida. Agora ele estava apenas contente por esta provação assustadora estar prestes a terminar. Antes de partir, disse Khan, Klopfer deu instruções estritas para que não contasse a ninguém sobre a reunião: nem para a família e especialmente para um advogado. Eles disseram que entrariam em contato novamente em breve.

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Aswad Khan verifica seu telefone em sua casa com seu cão Storm nas proximidades, em Karachi, Paquistão, em 21 de novembro de 2021.

Foto: Cortesia de Aswad Khan

Tão logo os policiais foram embora, Khan imediatamente telefonou para a tia para contar-lhe o que havia acontecido: que o FBI o havia pegado em casa, que estavam lhe oferecendo dinheiro e benefícios para trabalhar para eles como informante, e que ele estava assustado. Ela e a prima de Khan correram do trabalho para casa e chamaram um advogado em Bridgeport para marcar um encontro para mais tarde naquele mesmo dia. Quando chegaram, o advogado, Christian Young, levou os números dos agentes do FBI e da polícia estadual de Connecticut que haviam pegado Khan. Young ligou para os oficiais e disse-lhe para não contatarem Khan novamente sem ligar para ele antes.

Uma semana mais tarde, segundo Khan, Klopfer ligou para Young e disse que queria entrevistar Khan novamente diante de um procurador federal. Young aconselhou Khan a ir na reunião e disse que ele estaria lá para garantir que tudo corresse bem, disse Khan (Young não quis comentar os fatos para esta reportagem). A entrevista foi marcada para pouco mais de uma semana depois. Querendo causar uma impressão de confiança, ao contrário da última reunião na qual os oficiais tinham aparecido em sua casa no início da manhã sem aviso prévio, Khan apareceu de terno e gravata.

“Nessa altura, eu já sabia que Andrew Klopfer estava irritado comigo”, disse Khan, observando que o agente do FBI estava muito mais impassível do que na primeira reunião. “Eu fiz exatamente o que ele não queria que eu fizesse, contando para minha tia e indo atrás de um advogado. Eu não servia mais para aquilo que eles queriam que eu fizesse”.

Por cerca de duas horas e meia, Klopfer, Burke, Khan e seu advogado sentaram-se com o então procurador-assistente dos EUA Stephen B. Reynolds em uma sala de reuniões no escritório do FBI em Bridgeport. Na presença de Reynolds, cuja identidade foi confirmada por Khan e um advogado que trabalhou no caso posteriormente, os policiais fizeram a Khan todas as mesmas perguntas sobre sua vida e seus antecedentes que haviam feito no restaurante (a Procuradoria dos EUA para o Distrito de Connecticut se recusou a comentar. Nem Reynolds nem o Departamento de Justiça responderam às solicitações por comentários).

Uma descrição desta reunião, que também fez referência à reunião anterior de Khan com o FBI no restaurante, foi obtida anos depois como parte de um pedido da Lei de Liberdade de Informação, ou FOIA, enviado por Ahmad, o advogado ligado ao projeto CLEAR. O documento descreve as visões que Khan expressou na reunião sobre várias questões, incluindo detalhes de sua vida como estudante nos Estados Unidos, relações com membros da família, planos futuros de carreira, assim como suas opiniões políticas.

“Eu fui um cidadão cumpridor da lei e não queria nenhum problema com vocês. Mas parece que se eu não tivesse a pele escura, nem fosse paquistanês e muçulmano, eu não estaria aqui.”

Quaisquer referências a terrorismo ou ofertas para trabalhar como informante ou não estão nos documentos ou foram escondidas pelas muitas censuras, que a resposta ao pedido via FOIA diz que foram feitas porque o material “revelaria técnicas e procedimentos utilizados na investigação e aplicação da lei”. De acordo com Khan, as censuras se correlacionam com aquelas partes da conversa em que os oficiais passaram de perguntas mundanas sobre a vida e a política para perguntar-lhe sobre grupos e ataques terroristas específicos. Quando os agentes começaram a adotar essa linha de questionamento, Khan se voltou para Reynolds e se dirigiu diretamente a ele.

“Eu lhe disse que meus pais tinham gastado muito dinheiro para que eu estudasse nos Estados Unidos e que eu adorava a vida aqui. Eu nunca tinha entrado em uma briga, nunca tinha sido multado no trânsito e nem tinha dívidas. Eu fui um cidadão cumpridor da lei e não queria nenhum problema com vocês. Mas parece que se eu não tivesse a pele escura, nem fosse paquistanês e muçulmano, eu não estaria aqui”, disse Khan. “O procurador disse que não era assim e que não se trata de uma situação racista. Ele disse que sempre há circunstâncias mais amplas para se tomar conhecimento e que eles têm o direito de fazer perguntas sobre terroristas para fins de segurança”.

Khan disse a Reynolds que precisava visitar o hospital para ver seu tio doente no final do dia. Reynold anunciou que Khan estava livre para sair e desejou ao tio uma rápida recuperação. Ao sair do escritório, Khan notou que nem Klopfer nem Burke lhe disseram nada ou fizeram contato visual na saída.

Por um momento, pareceu que seus problemas estavam resolvidos. Khan ainda tinha algumas semanas sobrando na sua viagem de seis meses aos UEA. Seu advogado lhe disse para ficar até o último dia, para deixar claro que ele não tinha feito nada de errado e não estava fugindo. Khan seguiu o conselho e passou as semanas restantes com a família e amigos. Com o tempo, a assustadora visita matinal do FBI começou a se apagar em sua mente.

Um mês mais tarde, na área de embarque do Aeroporto Internacional John F. Kennedy, em Nova York, Khan recebeu uma marcação SSSS — abreviação de “seleção para verificação de segurança secundária”, em inglês — em seu cartão de embarque pela primeira vez na vida. Ele recebeu uma atenção extra no posto de controle de segurança, mas fora isso as coisas pareciam normais. Ele embarcou em seu voo de volta ao Paquistão sem preocupações, já fazendo planos em sua cabeça para a próxima visita.

Aquele momento no Aeroporto Kennedy, no início de abril de 2012, seria a última vez que Khan pisaria nos Estados Unidos. Sem que ele soubesse, foi também o início de um novo capítulo sombrio em sua vida: a partir daquele momento, sua reputação, sua vida social e as promessas para seu futuro começariam a dar errado.

The security area at John F. Kennedy International Airport. (Photo by: Jeffrey Greenberg/Universal Images Group via Getty Images)

A área de segurança no Aeroporto Internacional John F. Kennedy em 4 de março de 2014.

Foto: Jeffrey Greenberg/Universal Images Group via Getty Images

Para Khan — e as pessoas ao seu redor — os problemas começaram quase imediatamente após sua chegada ao Paquistão, semanas depois de sua última reunião com o FBI e o procurador. Embora, devido ao sigilo do processo, Khan não tenha provas de que Klopfer, Burke ou qualquer outra pessoa o tenha colocado em uma lista de vigilância, seus amigos começaram a ter problemas na fronteira dos EUA e o nome de Khan continuou aparecendo. Em maio de 2012, um amigo de infância, Faisal Munshi, com dupla cidadania paquistanesa-canadense, foi parado na fronteira dos Estados Unidos e questionado sobre Khan.

Dono de um grande negócio de fornecimento de alimentos e detentor dos direitos de franquia para o Paquistão de uma rede multinacional de pizzarias, Munshi ia de Toronto para os Estados Unidos para participar da conferência bienal da empresa em Las Vegas. “Todos os franqueados do mundo vão para lá, e eu estava planejando participar, como sempre fiz”, disse Munshi.

Ele foi interrogado durante horas sobre Khan, incluindo perguntas sobre uma passagem de avião que ele havia lhe comprado quando eles eram estudantes universitários, em 2007.

“Eles me disseram que eu havia comprado um bilhete para esse cara, Aswad Khan, vir me visitar em Toronto três ou quatro anos atrás, e eu lhes disse que sim, era verdade que eu tinha comprado uma passagem com minhas milhas aéreas porque ele era meu amigo de infância e vários de nós íamos nos reunir para as férias de primavera”, disse Munshi.

Após várias horas de interrogatório pelos agentes de imigração, ele foi dito que as autoridades estavam negando sua entrada nos EUA. Os agentes disseram a Munshi que ele poderia recorrer ao Programa de Consulta de Retificação de Viajantes, um mecanismo administrativo mantido pelo Departamento de Segurança Nacional para ajudar pessoas que enfrentam dificuldades de viajar a esclarecer seu status. Quando Munshi escreveu, ele recebeu uma mensagem inconclusiva que não confirmava nem negava sua presença em nenhuma lista.

Um ano depois, Munshi tentou participar de outra conferência da empresa nos EUA, desta vez com planos de voar vindo de Dubai. A tentativa terminou em fracasso novamente, com Munshi sendo informado pelas autoridades na sala de embarque do aeroporto de Dubai que ele não tinha permissão para seguir viagem.

Cada vez mais preocupado com essas restrições ameaçadoras ao seu movimento, Munshi, que é casado com uma cidadã americana e viajou para os Estados Unidos regularmente ao longo de sua vida, retornou ao Canadá e procurou aconselhamento jurídico. Um advogado sugeriu que ele tentasse atravessar a fronteira terrestre na próxima vez. Em 2014, dois anos após ter sua entrada nos EUA rejeitada pela primeira vez, Munshi foi de carro a uma passagem de fronteira em Buffalo, no estado de Nova York, na esperança de ser autorizado a entrar no país para ir na formatura de sua cunhada. Foi aí que sua situação se tornou muito mais alarmante.

“Dirigir até Buffalo e ser detido lá foi a pior experiência da minha vida”, disse Munshi. “Eu não podia acreditar na forma como fui tratado, com a suposição de que eu era um criminoso”. Eles me mantiveram lá por seis horas, alternando entre salas diferentes, uma delas onde me deixaram passando frio por um tempo prolongado, e separado dos meus pais. Falei com um oficial de imigração atrás do outro, e sempre que perguntava qual era o problema, eles sempre me diziam que era algo que vinha de cima”.

Pensando que poderia ajudar a reforçar que ele era uma pessoa comum que não representava nenhuma ameaça, Munshi havia trazido uma carta da sede corporativa americana da Domino’s confirmando sua identidade e seu papel como chefe das operações da pizzaria no Paquistão.

“Os agentes fronteiriços me perguntaram por que eu estava tentando entrar nos Estados Unidos, e eu lhes disse que tinha família lá e também dirigia um grande negócio no Paquistão com sede nos EUA, e que frequentemente eu precisava participar de conferências e reuniões”, disse Munshi. “Eles então me perguntaram se eu utilizo a renda desse negócio para financiar o terrorismo. Eu lhes disse que obviamente não fazia isso. Eu venho de uma boa família e eles mesmos podem me procurar online para ver meu histórico”.

Após várias horas, Munshi foi informado pelos agentes de fronteira que sua entrada havia sido outra vez negada. Os funcionários não apresentaram nenhuma razão nem fizeram acusações específicas contra ele durante seis horas de interrogatório. A única pista que ele tinha para explicar por que havia se tornado indesejável nos EUA de forma repentina, um país para o qual ele havia viajado toda a sua vida, era a pergunta que ele havia recebido durante aquela primeira entrevista: a passagem aérea que ele havia comprado para seu amigo Aswad Khan.

Munshi não estava sozinho. Outro amigo de infância de Khan, um cidadão paquistanês casado com uma canadense, também foi detido na fronteira dos Estados Unidos e questionado sobre Khan em várias ocasiões desde 2012. Como vários outros que falaram com o Intercept e que tiveram a mesma experiência, ele pediu para permanecer anônimo por medo de represálias.

“Uma vez, quando aterrissei no aeroporto de Chicago no início de 2017, havia dois agentes esperando na área de passaportes que se aproximaram e disseram que estavam esperando”, disse Y. ao Intercept. “Eles me levaram para uma área de interrogatório e me mostraram uma foto de Aswad”.

“As pessoas fofocam, e chegou um ponto em que muitas pessoas nem mesmo queriam conhecer Aswad.”

Os agentes de imigração questionaram Y. por várias horas junto com sua esposa. Eles perguntaram sobre sua amizade com Khan, como Khan ganhava a vida, e como ele usava sua renda. “Eu disse aos agentes que eles estavam cometendo um erro com essas perguntas sobre Aswad e que eles estavam atrás do cara errado”, disse Y. “Eles me disseram que fariam as perguntas que quisessem. Então eles disseram diretamente em frente à minha esposa que, se eles estavam fazendo esse tipo de perguntas sobre Aswad, isso significa que ele é uma pessoa com quem eu não deveria estar me associando”.

Como vários outros que falaram com o Intercept, Y., que viaja frequentemente para os EUA a trabalho, apagou o contato de Khan de seu telefone e de suas contas nas redes sociais. Ele ligou para Khan para pedir desculpas quando fez isso, dizendo que estava abalado com o assédio que havia começado a enfrentar. A experiência foi um ponto de tensão em sua amizade, embora, ao contrário de muitos outros, Y. tivesse pelo menos falado com Khan sobre isso.

Em Karachi, rumores se espalharam muito além de seus amigos íntimos: estar conectado de alguma forma a Khan era um caminho certo para se meter em problemas na fronteira dos EUA.

“As pessoas fofocam, e chegou um ponto em que muitas pessoas nem mesmo queriam conhecer Aswad”, disse Munshi. “Eles começaram a pensar que talvez ele realmente tivesse feito algo de errado, e que essa era a razão de ter esses problemas com o governo dos Estados Unidos. Eles começaram a pensar que talvez fosse por causa dele que seus amigos e outras pessoas que eles conheciam tinham começado a ter os mesmos problemas também. As pessoas começaram a excluí-lo do Facebook. Tinham medo de serem associadas a ele de alguma forma”.

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Aswad Khan no trabalho como CEO da MAQ Communications em Karachi, no Paquistão, em 8 de fevereiro de 2020.

Foto: Cortesia de Aswad Khan

Para Khan, tudo havia começado naquele encontro com o FBI. Desde então, mais de dez de seus amigos lhe contaram sobre problemas sérios quando viajavam para os EUA, incluindo questões sobre ele e até mesmo declarações de agentes de imigração dizendo às pessoas para manterem distância de Khan se quisessem evitar problemas. Outros nunca contaram a Khan sobre qualquer problema, mas, em vez disso, desapareceram de sua vida sem qualquer palavra. Khan começou a notar que amigos e conhecidos estavam removendo suas conexões com ele, no Facebook e no Instagram. Suas ligações telefônicas e mensagens de texto ficaram sem resposta. Os convites para casamentos e festas começaram a secar. Para um jovem conhecido ao longo de sua vida como alguém com uma vida social muito ativa, parecia que o mundo estava implodindo.

Em 2018, Khan, ainda lutando para descobrir como limpar seu nome, deu entrada na documentação junto ao programa de reparação do Departamento de Segurança Nacional. Como Munshi, seu amigo, a resposta por escrito enviada em julho daquele ano foi vaga, afirmando que a agência “não pode confirmar nem negar qualquer informação sobre você que possa estar dentro das listas de vigilância federais”. Ele tinha se deparado com um dos limites para os não-cidadãos e não-residentes dos EUA que buscam informações sobre sua possível presença nas listas de vigilância: o governo nem sequer precisa confirmar se ele está na lista de proibição de voar, muito menos o que justifica mantê-lo nela.

“O que é muito frustrante é que eles encontraram uma maneira de tornar sua vida infeliz a milhares de quilômetros de distância 10 anos depois de se encontrar com ele”, disse Ahmad, o advogado da CLEAR. “Deve ser muito óbvio a partir de todas as informações que eles reuniram até aqui que ele não é uma ameaça. Mas ainda assim continuam a mirar nele, e ele tem pouco recurso legal para se defender contra isso”.

Aos poucos, a reputação de Khan foi destruída pelo escrutínio das autoridades americanas, particularmente pelo que ele e seus advogados acreditam ser sua colocação na lista de vigilância para terrorismo. Ele não enfrentou nenhum assédio ou análise por parte do governo paquistanês em seu próprio país, mas, por causa do assédio do governo americano a seus amigos e conhecidos, ele agora vivia sob uma nuvem de suspeitas.

“Amigos de vida inteira começaram a me ignorar com base nesses rumores iniciados por pessoas que tinham sido questionadas na fronteira dos EUA”, disse Khan. “Fiquei deprimido, senti que não tinha saída para isso. Comecei a questionar minha existência e olhei para Deus em busca de ajuda. Senti que, sem nenhuma razão para isso, o FBI simplesmente tirou tudo de mim”.

A questão do dano à reputação surgiu em processos anteriores relacionados ao sistema das listas de vigilância, embora os tribunais tenham mantido a prática até aqui como algo constitucional. Um artigo de junho deste ano na Lawfare, uma publicação sobre legislação de segurança nacional, comentou um caso assim, entendendo que “embora a Suprema Corte tenha reconhecido um interesse de liberdade na reputação de uma pessoa, os danos à reputação devem envolver uma combinação de fatores: uma declaração que estigmatize o requerente perante sua comunidade e que tenha sido divulgada publicamente e, além disso, o governo deve tomar uma ação adicional que tenha alterado ou extinguido os direitos legais do requerente”.

O sigilo das listas de vigilância significa que as informações danosas à reputação sobre os potenciais requerentes — o próprio fato de estarem em uma lista — foram consideradas pelos tribunais como não tendo sido divulgadas publicamente. E, no entanto, o dano à reputação é real. É a ruína de seu nome e de suas amizades que continua a atormentar Khan.

“Aswad havia se formado na faculdade e estava procurando um emprego na época em que isso aconteceu, e isso realmente afetou sua vida pessoal”, disse Ahmad, o advogado da CLEAR. “Perder seus amigos, nem mesmo ser convidado para o casamento de seu melhor amigo — é um dano que você nem consegue quantificar. Isso é algo que as pessoas realmente não compreendem: como o governo pode realmente afetar a vida pessoal das pessoas”.

O sistema da lista de vigilância de terrorismo do governo dos EUA continua obscuro. A revelação de maior impacto até aqui foi um vazamento de 2014, publicado pelo Intercept, sobre seu tamanho e características. As revelações feitas em um processo de 2017 demonstraram que a lista de vigilância havia crescido para incluir 1,2 milhão de pessoas, a grande maioria das quais não eram cidadãos americanos nem residentes permanentes. Ser colocado na lista de vigilância pode ter diferentes efeitos sobre uma pessoa, de impedir que ela viaje a submetê-la a abuso e detenção em países estrangeiros. Khan acredita que sua colocação na lista o arruinou pessoalmente devido a suspeitas de associação com o terrorismo.

“É muito fácil colocar alguém numa lista de vigilância e esquecer. O fato de que isso continua a impactar a vida dessa pessoa não significa nada para eles.”

“Pessoas são colocadas nessas listas e simplesmente são deixadas lá. Não há pressão para retirá-las; na verdade, há pressão para não retirá-las no caso de um dia no futuro elas possivelmente fazerem algo”, disse German, o ex-agente do FBI. “É muito fácil colocar alguém numa lista de vigilância e esquecer. O fato de que isso continua a impactar a vida dessa pessoa não significa nada para eles”.

Khan ainda está no Paquistão. Sua antiga vida de visitas frequentes aos EUA e outros lugares agora é uma lembrança distante. Embora ele gostasse de viajar, ele só deixou o Paquistão uma vez desde seu encontro com o FBI. Ele não tentou voltar aos Estados Unidos desde sua última viagem, por medo do que poderia acontecer quando confrontado pelas autoridades americanas. A experiência de embarcar em um voo internacional e enfrentar a possibilidade de cruzar uma fronteira em qualquer lugar do mundo o deixa ansioso. Sem saber que tipo de rumores foram espalhados sobre ele pelo governo dos EUA com autoridades estrangeiras, muito menos com pessoas em sua própria vida, ele se deixou levar pela depressão e paranoia. Quase uma década após a visita fatídica do FBI naquela manhã, sua vida não voltou ao normal.

Um ano após a cerimônia de casamento de Ahmed na Itália, à qual ele não compareceu, Khan encontrou seu melhor amigo de infância em uma festa em Karachi. Os dois não se falavam nem se viam há quase dois anos. Nesse período, Khan tinha ouvido de outras pessoas que Ahmed dissera a alguns amigos que se sentira pressionado a cortar a amizade entre eles porque “o governo dos EUA está atrás dele”, e que sua ausência no casamento era para proteger os outros convidados das possíveis consequências de estar associado a Khan.

Quando os dois se viram naquela festa, Ahmed o levou para um canto para conversar. Depois de alguns momentos, Ahmed não aguentou e chorou.

“Ele disse que não queria que ficasse nenhum sentimento ruim comigo e que, quando eu tive problemas, ele apenas se assustou. Foi uma conversa difícil para nós”, disse Khan. “Nunca em minha vida eu havia sido machucado do jeito que fui quando ele se afastou de mim sem dizer uma palavra. Mas eu disse a ele que estava tudo bem. É assim que as coisas são”.

“Você acreditou no que eles disseram sobre mim e ficou assustado. Eu entendo. Você pensou que eu era um terrorista”.

Tradução: Maíra Santos

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