João Filho

Jovem Pan virou um puxadinho dos demitidos por fake news da CNN

Emissora contratou Alexandre Garcia, Caio Coppolla e Leando Narloch para o time de comentaristas, que tem também Ricardo Salles, o destruidor da Amazônia. É a TV oficial do bolsonarismo.

Legenda.

Jovem Pan virou um puxadinho dos demitidos por fake news da CNN

Caio Coppolla, comentarista político demitido da CNN, comemora a volta à Jovem Pan, de Tutinha.

Foto: Reprodução/Instagram

Em pleno segundo turno das eleições de 2014 entre Dilma e Aécio, dois barões da grande imprensa se juntaram a milhares de manifestantes pró-Aécio no Largo da Batata, em São Paulo, em uma manifestação organizada pelo PSDB. Fernão Lara Mesquita, herdeiro do Estadão, foi fotografado segurando uma placa com a seguinte inscrição: “Foda-se a Venezuela!”. Tutinha, atual presidente da Jovem Pan, foi quem registrou a foto e compartilhou orgulhosamente em suas redes sociais. O xingamento não foi feito a Maduro ou a Chávez, mas à Venezuela e ao povo venezuelano.

O ataque gratuito ao país vizinho foi revelador do que viria a seguir. Dilma foi reeleita, Aécio contestou o resultado e colocou em dúvida a confiabilidade das urnas eletrônicas sem apresentar nem ao menos um indício de fraude. Até hoje Bolsonaro mente ao afirmar que aquela eleição foi fraudada. Ali plantava-se uma sementinha do neofacismo bolsonarista que floresceria nos anos seguintes com contribuições significativas do Estadão e da Jovem Pan.

Se tivermos que eleger a emissora que mais divulga e apoia as ideias do neofascismo bolsonarista, a escolha não será muito difícil. A Jovem Pan é hoje a casa oficial do bolsonarismo. Coincidentemente ou não, o grupo cresceu e aumentou sua audiência substancialmente após a chegada de Bolsonaro no poder. Neste ano, lançou seu canal de notícias na TV fechada e, em poucos dias, já está batendo a audiência de concorrentes como Globo News, CNN e Record News. Agora a extrema direita brasileira conta com um canal de TV para espalhar suas mentiras e sua ideologia reacionária.

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Na semana passada, a Jovem Pan anunciou a contratação de um craque bolsonarista dentro do jornalismo: o senhor Alexandre Garcia, o parajornalista de extrema direita que colaborou para o regime militar e que perdeu recentemente o emprego na CNN por mentir demais. Por mais de uma vez Garcia passou pelo constrangimento de ser corrigido por colegas de trabalho. Na ânsia por defender seu presidente, Garcia já até leu um tweet falso ao vivo na emissora.

Mas as mentiras em série contadas pelo jornalista durante a pandemia não foram um empecilho para sua contratação, muito pelo contrário. Pelo histórico da Jovem Pan, isso foi justamente o motivo para contratá-lo. Reparem no orgulho com que o dono da empresa anunciou a chegada do comentarista que ficou marcado no jornalismo por contar mentiras em série nos últimos anos.

A contratação de Garcia faz todo sentido já que a Jovem Pan tem se destacado como um dos principais canais de difusão de fake news sobre a pandemia e de exaltação do governo Bolsonaro. O grupo passou a pandemia inteira dando voz a médicos negacionistas, colocando dúvidas sobre a eficácia das vacinas e defendendo o presidente genocida das críticas. Garcia vem para coroar o parajornalismo do grupo.

Outra celebridade bolsonarista que irá abrilhantar a programação do novo canal da Jovem Pan é Caio Coppolla, outro comentarista dedicado a defender Jair Bolsonaro. O jovem é cria da base. Foi na JP que ele despontou distorcendo fatos, surrando a verdade e puxando o saco do bolsonarismo. Saiu de lá e foi ser comentarista na CNN Brasil, onde teve de ser corrigido ao vivo pela emissora.

Depois de espalhar a tese negacionista que defendia o fim do isolamento social durante a pandemia, Coppolla foi interrompido pela âncora do programa para ser corrigido ao vivo. Ela finalizou a leitura de um comunicado escrito pela direção da emissora com esse comentário: “Quem diz isso não sou eu, é a Organização Mundial da Saúde”. Agora Coppola está de volta para seu aconchego. A emissora lhe ofereceu um espaço no horário nobre da programação. O Grupo Jovem Pan, aliás, tem se especializado em recrutar comentaristas que foram demitidos da CNN por fake news ou por comentários intolerantes. Leandro Narloch, por exemplo, foi imediatamente contratado pela Jovem Pan após ser demitido da CNN por um comentário homofóbico.

O alinhamento ao bolsonarismo é tão descarado que a Jovem Pan tem o hábito de contratar comentaristas que já trabalharam para Bolsonaro ou para políticos bolsonaristas. André Marinho, filho do tucano Paulo Marinho, se destacou trabalhando na coordenação da campanha de Bolsonaro em 2018. André Marinho era tão influente no núcleo duro bolsonarista que chegou a atuar como tradutor na primeira conversa telefônica entre Bolsonaro e Trump após as eleições. Esse currículo em prol do bolsonarismo fez a Jovem Pan contratar o jovem que, à época, era presidente no Rio de Janeiro do Lide Futuro, grupo comandado pela família do governador João Doria, conhecido por receber contribuições de empresários para promover encontros com políticos.

Tempos depois, os Marinho romperam com Bolsonaro, mas não foi por discordância ideológica ou por causa dos arroubos autoritários do presidente. Foi pela demissão de Gustavo Bebianno do cargo de ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. O ex-ministro, hoje falecido, era amigo próximo dos Marinho e esteve ao lado deles na coordenação da campanha de Bolsonaro.

André Marinho passou então a ser uma voz anti-Bolsonaro dentro da Jovem Pan. Ele cumpria o papel de debater com comentaristas bolsonaristas da emissora – a grande maioria – para dar aquele verniz de pluralidade. A emissora conta com poucos comentaristas não bolsonaristas para aquecer o debate, gerar polêmicas, ser saco de pancadas e, consequentemente, aumentar a audiência. Essa estratégia fica clara quando vemos os destaques dado às tretas em seu canal do YouTube.

A parceria da Jovem Pan com Marinho foi encerrada depois que Jair Bolsonaro resolveu dar uma entrevista para a emissora amiga. Marinho fez uma pergunta que enfureceu o presidente, que abandonou o programa no meio. Marinho passou a ser atacado ferozmente pelos comentaristas bolsonaristas da emissora. O clima ficou ruim, e Marinho acabou pedindo demissão.

Outro integrante do bolsonarismo agraciado com um emprego na JP é o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, o homem que ficou mundialmente conhecido por ajudar a destruir a Amazônia e que é alvo de investigações por corrupção. Ele é o novo comentarista da TV Jovem Pan, onde continuará tendo liberdade para defender as causas da extrema direita. Salles também tem o costume de espalhar fake news, o que o credencia ainda mais para trabalhar na emissora.

Outra jovem celebridade reacionária que saiu das fileiras bolsonaristas direto para os holofotes na TV é Zoe Martinez. Ela é uma jovem cubana naturalizada brasileira, anticomunista ferrenha e defensora ainda mais ferrenha de Jair Bolsonaro. Não sei o que levou Zoe para a Jovem Pan, mas suspeito que o fato dela ter sido empregada no gabinete de Bia Kicis e depois no de Joice Hasselmann deve ter contribuído para a sua contratação. Zoe saiu de Cuba aos 12 anos, ganhou asilo no Brasil durante o governo Lula, virou leitora de Olavo de Carvalho e passou a lutar pelo impeachment de Dilma. A jovem tem protagonizado uma série de bate-bocas na emissora ao defender Bolsonaro, o que ajuda a alavancar a audiência.

Zoe se apresenta como uma ferrenha opositora da ditadura cubana e defensora da democracia. Mas essa defesa da democracia cabe apenas para Cuba. No Brasil, apoia todos os arroubos autoritários do presidente que passou boa parte do mandato encostando a faca no pescoço da democracia. Quando Bolsonaro ameaçou a democracia na manifestação do dia 7 de setembro, Zoe defendeu seu discurso autoritário no embate com o STF: “Estão chamando o Bolsonaro de antidemocrático, mas ele é obrigado a fazer alguma coisa. Se o Alexandre de Moraes não tem limites, o Bolsonaro tem que pôr um limite nele”. Essas são as credenciais democráticas de Zoe.

Ela também jura que não é bolsonarista e que só o defende porque ele é um – pasmem! – defensor da liberdade: “Não sou bolsonarista, eu sou a favor da liberdade, mas quem defende a liberdade é o Bolsonaro.” A jovem completa o bingo da paranoia reacionária ao classificar ONU e OMS de comunistas e dizer que “a ditadura chinesa é a culpada por esse vírus (coronavírus) do partido comunista chinês”.

A jovem mantém boas relações com a família Bolsonaro. Em 2017, época em que estava alinhado ao MBL, Zoe apareceu em vídeo abraçada com Eduardo Bolsonaro – a quem chama carinhosamente de “Edu”. Recentemente, defendeu Bolsonaro em sua campanha antivacina. Em uma de suas lives, o presidente reproduziu uma notícia de um site conhecido por espalhar mentiras. Afirmou sem pestanejar que as vacinas contra covid poderiam causar AIDS. E o que fez a defensora da liberdade? Correu para passar o paninho para a mentira do seu presidente.

A Jovem Pan é tão bolsonarista que parece uma TV estatal aparelhada pelo Planalto. O grupo retransmite em seu canal no YouTube as lives semanais do presidente sem esboçar o menor constrangimento. A aderência é descarada. Nas próximas eleições, o grupo de Tutinha tem tudo para dividir com o WhatsApp a distribuição das mamadeiras de pirocas fabricadas no Gabinete do Ódio. A Jovem Pan semeou o extremismo de direita durante muitos anos, alimentou uma audiência reacionária e agora colhe os frutos com a chegada do bolsonarismo ao poder.

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