João Filho

Enquanto Bolsonaro perseguia governadores, aliado no Tocantins colecionava suspeitas de corrupção

O governador afastado Mauro Carlesse é a cara do bolsonarismo na política: vem sendo alvo de operações desde 2018. É suspeito de superfaturar itens hospitalares até aparelhar a Polícia Civil.

(Palmas - TO, 12/12/2019) Cerimônia Alusiva à Visita do Presidente da República ao Estado do Tocantins.Foto: Isac Nóbrega/PR

Enquanto Bolsonaro perseguia governadores, aliado no Tocantins colecionava suspeitas de corrupção

Foto: Isac Nóbrega/PR

Durante quase toda a pandemia, o bolsonarismo liderou uma cruzada contra os governadores. O objetivo era jogar areia nos olhos da população e desviar o foco dos crimes cometidos pelo presidente da República. Acuados pela pororoca de provas da prevaricação e corrupção do governo federal, as acusações contra governadores eram uma das poucas cartas que os senadores bolsonaristas tinham na mão na CPI. Como esquecer do cão de guarda de Bolsonaro na CPI, o senador Marcos Rogério, que acusava governadores de corrupção aos gritos de “Atentai, Brasil!” enquanto passava pano para os crimes do governo federal?

Os ataques eram generalizados, mas alguns poucos governadores bolsonaristas foram poupados da caçada instigada pelo presidente da República. Entre eles está Mauro Carlesse, do PSL, governador do Tocantins. Em abril deste ano, enquanto as milícias digitais teleguiadas pelo gabinete do ódio atacavam governadores, Bolsonaro compartilhou em suas redes um vídeo em que o governador do Tocantins criticava os críticos do governo e exaltava o presidente por um repasse de verbas dado ao estado durante a pandemia.

Bolsonaro só esqueceu de avisar à sua manada fascistoide que infesta as redes sociais que o governador do Tocantins deveria ser poupado dos ataques. O movimento Nas Ruas, que foi o principal organizador do ato golpista do dia 7 de setembro, cobrou prestação de contas de Carlesse enquanto o presidente o apresentava como um exemplo de governador.

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Foto: Reprodução/Twitter

Mas Carlesse seria mesmo esse governador impoluto, digno de ser tratado com deferência pelo presidente? Bom, conhecendo o bolsonarismo você já deve imaginar que a resposta é: claro que não. A política no Tocantins tem sido marcada por cassações e renúncias de governadores há mais de uma década. A crise política no estado é permanente. De 2006 para cá não, houve um governador sequer que conseguiu terminar o mandato. Carlesse não é uma exceção.

Nesta semana, o Superior Tribunal de Justiça, o STJ, determinou o afastamento do governador queridinho do Bolsonaro do cargo por pelo menos seis meses. A determinação foi motivada pelas denúncias de pagamento de propina e obstrução das investigações apresentadas pela da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Em nota, o STJ afirmou que “as investigações, iniciadas há quase dois anos, reuniram um vasto conjunto de elementos que demonstram um complexo aparelhamento da estrutura estatal voltado a permitir a continuidade de diversos esquemas criminosos comandados pelos principais investigados”.

Carlesse é natural do Paraná, mas fez fortuna como empresário e iniciou carreira política em Gurupi, interior do Tocantins. Em 2014, foi eleito deputado estadual e, em seu primeiro ano de mandato, passou pelo constrangimento de ser preso dentro da Assembleia Legislativa após se recusar a pagar a pensão alimentícia da sua ex-mulher. Nessa mesma época, vejam só, Carlesse fazia parte da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher! O então deputado reclamava que a pensão representava 30% do seu salário na Assembleia, mas tinha outras fontes de renda e já havia declarado à Justiça Eleitoral ser proprietário de uma gravadora e de uma fazenda avaliada em R$ 34 milhões.

No processo de divórcio, a ex-mulher o acusou de usar laranjas para esconder o seu patrimônio, que seria de aproximadamente R$ 100 milhões, que incluem dezenas de fazendas, avião e carros de luxo, como Jaguar e Ferrari. Mas, nas eleições de 2018, Carlesse declarou R$ 2,9 milhão em bens ao TSE, um valor 91,5% menor do que os R$ 35, 2 milhões que havia declarado em 2014. 

Em 2018, mais uma maracutaia. Quase 200 toneladas de lixo hospitalar foram encontrados pela polícia em um galpão no interior do estado de propriedade do ex-juiz eleitoral João Olinto, que é pai do deputado estadual tucano Olyntho Neto, líder do governo de Carlesse na Assembleia Legislativa. A justiça decretou a prisão do pai do deputado. Carlesse, que à época exercia um mandato-tampão como governador, decidiu então exonerar 12 delegados regionais da Polícia Civil, entre eles o delegado responsável por investigar o crime ambiental envolvendo o pai do seu principal aliado.

A PF suspeita ainda que delegado e policiais civis forjaram flagrante para incriminar um desafeto de Carlesse. Atentai, Brasil!

O atrito com os delegados levou Carlesse a assinar um decreto proibindo delegados da Polícia Civil de criticar autoridades públicas em entrevistas ou divulgar nomes de pessoas investigadas em operações policiais. O decreto ficou conhecido no estado como a “lei da mordaça”.

A decisão do STJ que afastou Carlesse do cargo nesta semana relembra este caso ao afirmar que a PF encontrou elementos probatórios e indiciários robustos da existência de uma organização criminosa no governo, possivelmente liderada pelo governador que “aparelhou todo o sistema de Segurança Pública do Estado do Tocantins”. A PF suspeita ainda que delegado e policiais civis forjaram flagrante para incriminar um desafeto de Carlesse. Atentai, Brasil!

A operação desta semana que ocasionou o afastamento do governador não foi a primeira nem a segunda da Polícia Federal contra ele. Em 2020 ele foi alvo da Operação Assombro, que investigou a contratação de funcionários fantasmas no governo tocantinense. A suspeita é que as contratações fantasmas foram feitas para desviar dinheiro para a campanha eleitoral de Carlesse. O inquérito foi concluído e virou uma denúncia no STF.

No ano passado, durante a pandemia, a Polícia Federal deflagrou a Operação Personale, que apurou superfaturamento em dois contratos de compras de máscara de proteção facial firmados pela Secretaria de Saúde do governo de Carlesse. Poucos meses depois, a PF e CGU deflagraram a Operação Cama de Tut. O inquérito apurou um superfaturamento de R$ 7 milhões na compra de 590 camas hospitalares para o estado. Cada cama saiu por R$ 22.600, valor que a PF estima estar 227% acima do praticado. Atentai, Brasil!

Essa operação inclusive consta na documentação remetida pelo MPF do Tocantins para a CPI da Pandemia, mas isso não revoltou o senador Marcos Rogério e outros bolsonaristas obcecados pela corrupção nos estados. A CPI chegou a aprovar a convocação de Carlesse para depor no Senado, o que acabou não acontecendo.

Resumindo: enquanto se apontava o dedo para governadores, o governador queridinho do Bolsonaro era acusado de superfaturar preço de máscaras de proteção e camas hospitalares; de contratar funcionários fantasmas para um esquema de desvio de verba para campanha eleitoral; de aparelhar a Polícia Civil para poupar aliados e diversas outras suspeitas investigadas que não caberiam aqui. Não é à toa que o tocantinense figura entre os governadores mais mal avaliados do país. Entre os eleitores da capital Palmas, ele teve a gestão avaliada como ruim ou péssima por 44%.

Essas são as credenciais éticas do bolsonarista que almeja a próxima vaga ao Senado pelo Tocantins e certamente contará com o apoio do presidente. Mauro Carlesse é puro suco de bolsonarismo. Atentai, Tocantins!

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