Fundador da Tilix, Fábio Souza Lima chegou a ser cobrador de van antes de assinar contrato milionário com gigante dos pagamentos – até perder tudo e ser preso.

Da startup à ruína

Como um conflito milionário com a PagSeguro levou um empresário criado na favela à cadeia


Passar 35 anos sem nunca ter pisado em uma delegacia foi uma das formas do empresário Fábio Souza Lima contrariar estatísticas e preconceitos. Negro, nascido em Pojuca, no interior da Bahia, e criado na favela dos Bancários, no Rio de Janeiro, Fábio começou a trabalhar como cobrador de van aos 12 anos. Duas décadas depois, em 2018, vendeu sua startup à PagSeguro em um contrato milionário.

A partir de então, a vida de Fábio sofreu uma guinada ainda mais improvável. Em oposição à expectativa de lucros na ordem dos oito dígitos, que permitiriam um conforto para toda a sua família, Fábio acabou, em janeiro deste ano, dividindo por quatro dias uma cela superlotada no Centro de Detenção Provisória Pinheiros II, em São Paulo, após dois anos de conflitos judiciais com a fintech bilionária do UOL, que é ligado ao Grupo Folha.

“Minha vida se transformou num inferno”, me contou Fábio. “Foi uma experiência horrível. Dormi no chão, praticamente no banheiro em uma cela superlotada. Eu fui morador de comunidade e meus pais nunca tinham passado por isso, um filho preso, ainda mais por um crime absurdo”.

Fábio foi acusado de cometer coação no curso do processo, ou seja, “usar de violência ou grave ameaça com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em um processo judicial, policial ou administrativo” contra uma testemunha de um processo penal aberto a partir de uma comunicação da PagSeguro contra ele. A história, que tem início em desavenças de cumprimentos contratuais, escalou para uma cela superlotada – e ainda não terminou.

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O poder da imaginação

Napoleon Hill é o escritor favorito de Fábio Lima. Conhecido como o pai da autoajuda e, por que não, do coach contemporâneo, o norte-americano de nome grandioso nasceu em 1883 e, com seus passos de realização pessoal, se autopromoveu por ter influenciado as personalidades mais importantes da época.

Em suas obras mais conhecidas, Hill se debruçou sobre práticas para o sucesso financeiro, entrevistando homens que ocupavam o topo de suas carreiras. Em 20 anos atuando como jornalista, o escritor diz ter ouvido mais de 16 mil pessoas, entre elas os 500 milionários mais importantes da época, e escreveu “A lei do triunfo: 16 lições práticas para o sucesso”. Fábio começou a ler Hill ainda jovem, assim que deixou o Rio de Janeiro sozinho aos 18 anos e voltou para a Bahia para procurar emprego. A 6ª lei do triunfo foi a que mais o marcou.

“Ele fala sobre o poder da imaginação. Quando eu via essas empresas de tecnologia valendo muito, o que me chamava atenção era a cultura delas com os funcionários. Eu queria fazer isso, realizar esse sonho de ter uma empresa nesse modelo, nesse estilo de gestão horizontal. Eu era muito empolgado, muito feliz na Tilix”, conta o empresário.

Foi em 2017 que Fábio teve a sacada que se tornaria sua startup.

Ele observou que o boleto bancário é um dos meios de pagamento mais relevantes no Brasil, processando anualmente quatro vezes o valor que o mercado de cartões de débito e crédito processa: R$ 8 trilhões. Se grande parte das pessoas recebe suas contas de água, energia e telefone por e-mail, de forma aleatória, muitos boletos deixam de ser pagos simplesmente pela falta de organização de cada um com suas contas digitais.

‘Nós éramos um Google lá no Centro-Oeste. Eu grafitei o Steve Jobs na parede’.

A Tilix, como explica Fábio, foi criada para solucionar esse problema, sincronizando e rastreando caixas de e-mails, inclusive de diferentes pessoas da mesma família, por exemplo, buscando somente os boletos, e pagando automaticamente, por meio de um software chamado Billing Delivery. Com a ideia pronta, Fábio se mudou para Goiânia e lá desenvolveu a tecnologia e o seu sonho.

“Hill me mostrou que pessoas com ideias boas e boa execução poderiam alcançar algo grande. Eu tinha as duas coisas, só precisava do dinheiro. Então corri atrás, vi a fórmula e fui correndo atrás de investidor”.

Parte da família de Fábio também se mudou para Goiás para trabalhar com ele. Em pouco mais de um ano, a empresa estava montada. “Nós éramos um Google lá no Centro-Oeste. Eu grafitei o Steve Jobs na parede, era muito legal. Era minha vida, eu ia para a empresa domingo, de tão satisfeito que eu estava com meu negócio indo muito bem”, lembra. Logo Fábio começou a receber representantes e CEOs de grandes fintechs interessadas em adquirir a tecnologia, como a então diretora geral do PayPal no Brasil, Paula Paschoal.

Em setembro de 2018, Maurício Lopes Cruz, diretor de fusões e aquisições da UOL, entrou em contato com Fábio demonstrando interesse na compra da Tilix. Algum tempo depois, em setembro daquele ano, o empresário já tinha se encontrado com o CEO da PagSeguro, Ricardo Dutra, e até mesmo com o dono da Folha de S.Paulo, Luiz Frias, para discutir os termos da venda da startup.

Com a aquisição, explica Fábio, quem recebe pagamentos de clientes com a máquina de cartões da PagSeguro poderia usar esse dinheiro automaticamente para pagar contas, com um só clique. “A PagSeguro ganharia muito dinheiro com isso, porque em vez de o cliente pagar as contas com cartão de crédito, paga direto lá dentro. O dinheiro circula dentro da plataforma”, ele me disse.

O contrato foi fechado em dezembro de 2018 por R$ 15,8 milhões. Dez meses depois, Fábio tentou suicídio.

“Minha mãe me encontrou desacordado. Eu estava em um estado depressivo muito forte. Todo meu investimento de dinheiro e tempo nessa empresa… Você se sente impotente. Eu estava atordoado”, lembra. Fábio foi internado na Clínica Spatium, em São Paulo, no dia 2 de outubro de 2019, diagnosticado com depressão grave e estresse. “Episódios de intensa angústia, choro, diminuição do apetite, perda de energia e sentido de vida”, expõe o relatório da internação do empresário, escrito pela psiquiatra Grace Lopes.

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Fábio diz que levou um calote milionário da gigante de pagamentos. A PagSeguro o acusou de má gestão.

Foto: Gabriela Di Bella para o Intercept Brasil

O inferno judicial

O segundo semestre de 2019 foi o pior momento da vida de Fábio. “Eu fiquei sem nada. Da noite para o dia eu perdi meu salário, minha empresa que poderia estar negociando ações e tudo mais”. Fábio acusa a PagSeguro de ter cometido um calote milionário. A alegação levou à disputa judicial complexa que culminou em sua prisão.

No contrato, a Tilix foi vendida à PagSeguro por R$ 15.810.000. Deste valor, apenas R$ 10 mil foram pagos à vista. O restante seria depositado em parcelas variáveis a depender dos cumprimentos das metas da Tilix entre 2018 e 2021, o que é conhecido no mundo empresarial como earn-out.

Os sócios da Tilix receberiam cerca de 93% do lucro que a tecnologia proporcionasse nesses três anos, e a maior parte iria para Fábio, que detinha 41% da startup na época da venda para a PagSeguro. Além do valor pago na aquisição, a PagSeguro também contratou o empresário como gestor da Tilix e injetou cerca de R$ 9 milhões na empresa.

Entretanto, na realidade, a PagSeguro demorou mais de nove meses para implementar a tecnologia da Tilix, o que congelou sua atuação e, consequentemente, o lucro da empresa em 2019. A alegação é que a empresa de Fábio oferecia um “sistema falho”. Em paralelo, cláusulas de exclusividade impediam a venda da tecnologia para qualquer outra empresa. Apesar do contrato assinado com a PagSeguro não prever prazo para implementação, Fábio acusa a PagSeguro de ter “sentado” na sua tecnologia, impedindo que ela lucrasse no primeiro ano para deliberadamente não ter que pagar os sócios da Tilix naquele período.

Ele estava tão adoecido que sua mãe, dona de casa, chegou a bater na porta dos CEOs da PagSeguro.

No contrato, a cláusula 8.2, sobre a integração dos sistemas, coloca, apenas, que a “Compradora e a Sociedade comprometem-se a envidar seus melhores esforços para viabilizar a integração dos aplicativos da PagSeguro com o software Billing Delivery”.

No dia 30 de agosto de 2019, o empresário enviou um e-mail para Eduardo Alcaro, CFO da PagSeguro, cobrando a integração. “Acho que já passou da hora de sentarmos e discutirmos a situação da Tilix. Acreditávamos que no final de março deste ano (após 100 dias da assinatura do contrato) estaríamos integrados à base da PagSeguro”, escreveu. Em 20 de agosto, ele já havia cobrado diretamente o CEO Ricardo Dutra. “Estamos finando o mês de agosto de 2019 e ainda não integramos o sistema billing delivery da Tilix ao PagBank”, insistiu.

O empresário tentava rever as cláusulas de earn-out. Ficou desesperado. Na ocasião, ele já estava tão adoecido que sua mãe, dona de casa, chegou a bater na porta dos CEOs da PagSeguro contando a situação. Falido, o empresário pedia um adiantamento de R$ 2 milhões no earn-out. Ele foi então convidado por Dutra para uma reunião de rediscussão do contrato. O resultado dela mudaria os rumos da relação entre os empresários.

Na manhã de 30 de setembro de 2019, Fábio, que até então tinha crachá para acesso livre em todos os andares da PagSeguro, foi barrado por seguranças assim que chegou na empresa. Ele conta que foi dirigido até uma sala pequena onde foi apresentado a Flávio Tasinaffo, um consultor jurídico da UOL, que até então desconhecia. Tasinaffo teria proposto pagar R$ 2 milhões a Fábio e aos demais sócios apenas na condição de liquidar o restante do valor da Tilix. O novo acordo rescindiria o contrato de compra e venda da empresa.

“Não tem má-fé nenhuma da nossa parte”, afirmou Tasinaffo na conversa gravada, a qual tive acesso. “Mas R$ 2 milhões para acabar o contrato?”, perguntou Fábio, perceptivelmente abalado. “Aí é questão de você olhar para o futuro deste contrato e tomar uma decisão. Se você não aceitar, segue o contrato, com suas cláusulas, suas penalidades, se houver…”, continuou Tasinaffo. “Mas é uma situação minha, pessoal”, colocou Fábio. “Como é que você acha que a gente vai tirar R$ 2 milhões e passar pra você?”, questionou o representante da PagSeguro. “Mas pegar esse dinheiro e fazer uma oferta para liquidar a relação comercial toda nossa, afirmando que a gente não vai bater meta esse ano…”, continuou Fábio. “Existe uma possibilidade de não atingimento de meta, amanhã já é outubro”, completou Tasinaffo.

“Quase não estava acreditando, perdi o chão. A expectativa minha e de meus sócios era de recebermos mais de R$ 150 milhões com a transação ao longo de três anos”, me disse Fábio. Ele não aceitou a proposta da PagSeguro.

Nas semanas seguintes, o contrato do apartamento em que Fábio morava, alugado em nome da Tilix, foi rescindido. No dia 14 de outubro de 2019, Fábio foi demitido na Tilix, e Tasinaffo visitou Goiânia com seguranças e demitiu nove funcionários da startup, sendo dois sócios da Tilix que também trabalhavam na empresa.

‘Quero fazer um acordo. Eu acho que os caras não são doidos de criar briga com 11 investidores’.

A PagSeguro argumentou que, por má gestão de Fábio, os R$ 9 milhões injetados pela PagSeguro no capital da Tilix já tinham sido gastos. Entre os demitidos estava Gustavo Sardinha, advogado, amigo de Fábio e detentor de 5% das ações da Tilix. Em conversa gravada com Fábio por telefone, a qual tive acesso, Sardinha relatou o ocorrido.

“Uma empresa como a PagSeguro não chega onde está sendo ingênua, boazinha, independente de ter má-fé ou não, a gente tem que discutir isso com mais calma, mas eles tendo a possibilidade de levar uma empresa por R$ 0…”, especulou o advogado. Posteriormente, Sardinha revelou: “Quero fazer um acordo. Eu acho que os caras não são doidos de criar briga com 11 investidores. Mas, por outro lado, sei que não são ingênuos, não são burros, e tem a cláusula no contrato que com a sua saída podem levar por 0 a 0”, explicou.

Sardinha seguiu a conversa afirmando que, se os sócios da Tilix partissem para uma briga judicial, a moeda seria o tempo, que estaria a favor da PagSeguro. “Não vai ter briga judicial, não”, tranquilizou Fábio, na época. No início da conversa, Sardinha revelou que, ao ser mandado embora, Tasinaffo ofereceu uma proposta para contratá-lo diretamente via PagSeguro. “Já chegou com o contrato pronto. Uma proposta de trabalho, ‘porque você tá aqui na operação, e a gente queria que você continuasse. A gente queria muito que você fosse consultor nosso’. Um treco muito esquisito”, completou.

Segundo Sardinha, a proposta foi feita porque não queriam “comprar briga” com ele, outro sócio da Tilix. “Às vezes medo de eu querer juntar com você e ter informações demais”.

Um ano após a conversa amigável com Fábio, entretanto, Sardinha foi testemunha de um processo penal envolvendo a PagSeguro e o empresário. Questionado pelo Intercept, ele negou ter sido contratado pela empresa. Mas, no processo, consta um anexo do extrato bancário do escritório de advocacia de Sardinha. O documento mostrava o recebimento mensal de R$ 20 mil da PagSeguro.

Sardinha também acusou Fábio de ameaçá-lo de morte.

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Guerra judicial escalou para acusações e denúncias à agência reguladora do mercado financeiro dos EUA.

Foto: Gabriela Di Bella para o Intercept Brasil

David contra Golias

No dia 10 de outubro de 2019, após a reunião na qual a PagSeguro demitiu Fábio, ele enviou uma notificação extrajudicial ao grupo, acusando-o de descumprir obrigações previstas no contrato de compra e venda. Na notificação, Fábio denunciava: a PagSeguro “tornou impossível qualquer geração de receitas por parte da Companhia até a data de 30/9/2019, prejudicando substancialmente cumprimento das Metas” e pedia o pagamento das parcelas variáveis.

Quatro dias depois, a fintech do grupo UOL enviou uma contranotificação informando sua “total discordância” com os termos colocados pelo empresário. No documento, a PagSeguro afirma que a rescisão do contrato de Fábio e, consequentemente, do contrato original de compra e venda, aconteceu porque a Tilix consumiu os R$ 9,2 milhões injetados.

A partir de então, Fábio se debruçou sobre os balanços da PagSeguro e avaliou que as informações sobre a aquisição da Tilix estavam incorretas, justamente porque, segundo ele, não incluíam o valor do earn-out. Nos documentos constava que a Tilix fora vendida por R$ 19.610.000.

Em 30 de outubro de 2019, o empresário tomou uma atitude drástica. Enviou um e-mail para os analistas de mercado que haviam participado da última conferência sobre as demonstrações financeiras da PagSeguro, acusando a empresa de fraudar os relatórios financeiros enviados à agência reguladora do mercado financeiro nos Estados Unidos, a SEC (U.S Securities and Exchange Comission). A SEC, que tem a mesma função da nossa Comissão de Valores Mobiliários, é a responsável pela regulamentação da fintech, uma vez que ela está listada na bolsa norte-americana. No e-mail, Fábio cita o exemplo de outras empresas adquiridas pela PagSeguro que tiveram valores baixos reportados nos relatórios à SEC.

“Tudo isso configura uma manobra da PagSeguro para não pagar os mais de R$ 150 milhões das futuras parcelas variáveis para os acionistas vendedores da Tilix”, acusou Fábio. Ele segue afirmando que os acionistas da Tilix acreditavam que a aquisição teria tido o objetivo único de prevenir que a tecnologia chegasse à concorrência. “Pois abriria grande vantagem contra a PagSeguro, visto que sua principal fonte de renda são as vendas nas maquininhas, […] que serão impactadas com a história que iremos contar ao mercado”.

A PagSeguro alega que os valores de parcelas variáveis, ou earn-out, colocadas no contrato, são meros exemplos. Depois do e-mail, a relação entre Fábio e PagSeguro ruiu definitivamente. Entre novembro de 2019 e janeiro de 2020, uma série de notificações extrajudiciais foram enviadas por ambas as partes. Em uma delas, a PagSeguro informou que as informações contidas no e-mail enviado aos analistas não eram verdadeiras e causariam severos danos à imagem da empresa.

Fábio acredita ser vítima de uma conspiração e denuncia estar sofrendo racismo.

Em 25 de novembro de 2019, a empresa notificou os sócios da Tilix informando-os que eles não teriam mais nada a receber pela venda da empresa. A partir desse documento, a PagSeguro somou às acusações contra Fábio de má gestão o ato de “divulgar informações sigilosas e/ou inverídicas”. Também afirmou que o empresário deixou de comparecer ao posto de administrador da empresa e que teria fundado um negócio supostamente concorrente.

A acusação diz respeito à empresa Bloov Tecnologia SA, fundada por Fábio em junho de 2019, uma plataforma que organiza reservas de shows com base em preferências musicais de usuários. Segundo Fábio, a Bloov não tem nada a ver com a tecnologia da Tilix.

Em fevereiro de 2020, as notificações da PagSeguro se transformaram em uma queixa-crime em Goiânia contra Fábio. Com ela, o empresário  passou a ser processado na justiça por difamação e injúria. Mais tarde, em abril, a fintech adicionou no processo uma denúncia contra Fábio por estelionato, elencando uma série de notas frias que teriam sido emitidas por ele com o dinheiro investido pela PagSeguro na Tilix para reformar o imóvel da startup em Goiânia.

O inquérito policial do caso ouviu diversos depoimentos de pessoas que teriam sido usadas por Fábio para “concretizar suas negociatas”. Uma delas era o ex-sócio da Tilix Gustavo Sardinha.

No processo, Sardinha afirmava que o empresário não trabalhava efetivamente na Tilix, “se dedicando a outros projetos pessoais, embora recebesse uma remuneração muito alta para o nível técnico e de formação, um apartamento funcional em região nobre de São Paulo, e uma mesa no mezanino do andar exclusivo dos diretores da PagSeguro”.

Fábio acredita ser vítima de uma conspiração e denuncia estar sofrendo racismo. “Está muito claro no depoimento do próprio Sardinha que há uma revolta, uma inveja. O favelado que deu sorte na vida, se quiser tentar brigar vai dar de cara na parede. Até porque só tem branco na diretoria da PagSeguro, só tem branco. Então [chama a atenção] eu me destacar lá dentro, sendo todo mundo lá ultra qualificado e eu era a única pessoa que não tinha formação acadêmica”, afirma.

A investigação por estelionato durou seis meses, na qual Fábio não foi ouvido nenhuma vez e sequer havia tomado conhecimento da suspeita. Em 14 de dezembro de 2020, o caso foi arquivado pelo juiz Rogério Carvalho Pinheiro por ausência de provas. Foi quando Sardinha denunciou o ex-sócio por ameaça, e o processo escalou – mais uma vez.

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O contrato assinado no final de 2018.

Foto: Gabriela Di Bella para o Intercept Brasil

Negócios à parte

Em dezembro de 2020, Sardinha registrou um boletim de ocorrência contra Fábio por coação no curso do processo. À polícia, o ex-sócio mostrou algumas mensagens de WhatsApp enviadas por Fábio. Nelas, o empresário afirmava: “Língua curta e vida longa para nós amigo”, o que foi interpretado como uma ameaça.

O inquérito policial foi instaurado em 5 de janeiro de 2021. Uma semana depois, no dia 11 de janeiro, sem prestar depoimento e durante o plantão judiciário do final do ano, Fábio foi preso.

“Fábio me ligou no dia 30 de dezembro para ver isso. Eu até falei que ninguém ia preso por crime de ameaça”, me disse o advogado do empresário, Irapuã Santana.

O crime de coação no curso do processo, cuja pena de reclusão é de um a quatro anos, não costuma levar à prisão, uma vez que o Código Penal determina a reclusão em regime fechado apenas para crimes cuja pena mínima é de quatro anos em casos envolvendo réu primário. Em casos sem condenação, a prisão se justifica menos ainda: ela poderia ser trocada por medidas cautelares, como manter distância da vítima e não entrar em contato com ela ou seus familiares. Além disso, o processo ao qual Fábio supostamente estaria tentando favorecer, movido pela PagSeguro, já estava arquivado quando seu mandado de prisão foi expedido, em 6 de janeiro deste ano. Em outras palavras, quando o empresário foi preso, nem existia mais processo em andamento para que fosse realizada uma coação.

Por isso, o advogado estranhou. “Foi uma correria danada e uma injustiça tremenda, porque a lei fala que não pode, não tem uma ameaça de fato”, afirma.

Fábio diz ter escutado de um policial que “estavam pedindo sua cabeça”.

Santana, que atua para movimentos e organizações antirracistas como o cursinho popular Educafro, conheceu Fábio no Linkedin, em 2020. Após se identificarem com suas histórias, o advogado passou a integrar a equipe de defesa do empresário.

“Um dos policiais me disse que os mandados de prisão costumam levar uns três meses para chegar de Goiânia para cá, esse chegou em uma semana”, afirmou o advogado. Fábio estava prestes a ser transferido para um presídio em Goiânia quando foi solto, no dia 13 de janeiro, assim que a juíza titular da vara, Suelenita Soares Correia, voltou de recesso. O empresário conta que escutou de um policial na delegacia que “estavam pedindo sua cabeça em Goiânia”.

Da delegacia, Fábio foi transferido para o Centro de Detenção Provisória Pinheiros II. Ele lembra da sujeira, do calor e das brigas da cela, que estava superlotada. “Essa cela é muito ruim porque é para seis pessoas, mas ficam 12 pessoas. Eu dormi no chão bem perto do banheiro, sem lençol, colchão velho, a maior confusão, toda hora tem uma discussão, é bem perigoso e insalubre. Não tem luz, é um calor infernal. É terrível, uma experiência que não desejo a ninguém, de fato é o inferno”, conta.

Para a advogada Carolina da Silva Leme, coordenadora do grupo de estudos avançados de Direito Penal Econômico do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, chama atenção o fato da prisão ter acontecido por um crime que diz respeito a um processo já arquivado.

“A vítima foi falar que estava sofrendo coação dois meses após uma suposta ameaça logo depois de haver manifestação pelo arquivamento do caso principal. Foi lá e disse: ‘Olha, estou sendo coagido nos autos de outro procedimento’. Mas o procedimento foi arquivado”, me disse.

O que mais alarma Leme e a defesa de Fábio, entretanto, é que assim que o empresário foi preso, a PagSeguro pediu o desarquivamento de seu processo, com o argumento de que a prisão provava a culpa do empresário. Em 18 de janeiro deste ano, o pedido de desarquivamento da PagSeguro foi negado, uma vez que não trazia novas provas da acusação de estelionato ou de difamação.

A defesa de Fábio destaca outras incoerências e pontos questionáveis no caso, como o fato de que Sardinha pediu para ser listado como assistente de acusação em seu próprio caso, solicitação negada pela justiça porque o caso ainda estava em investigação. “Se o cara está com medo ele vai buscar a autoridade policial e não ficar se metendo no processo. São muitas contradições”, me disse Santana.

Sardinha chegou a marcar entrevista comigo, mas desistiu alegando temer pela segurança de sua família. No inquérito policial contra Fábio, ele afirma que chegou a trocar filhos de escola e a se mudar por conta das supostas ameaças de morte. No último 19 de agosto, o Tribunal de Justiça de Goiás negou um recurso do Ministério Público pedindo que Fábio fosse preso novamente.

Atualmente, Fábio tem uma equipe de cerca de dez advogados que atuam como consultores em seus casos. Em maio, ele entrou com uma ação contra a PagSeguro buscando retornar à posição de assessor de gestão da Tilix para conseguir cumprir seu contrato ou pela devolução da startup. A ação pede também o reconhecimento da prática de concorrência desleal por parte da PagSeguro. Nos Estados Unidos, segundo Fábio, uma equipe de advogados atua em uma ação sigilosa para denunciar à SEC as supostas fraudes nos relatórios fiscais da PagSeguro.

No dia 13 de outubro, o Tribunal de Justiça de São Paulo inocentou Fábio da acusação de difamação no processo movido pela PagSeguro. Para o juiz André Luiz Novaes Miguel, as expressões “oferta indecente” e “manobra”, utilizadas por Fábio, apenas espelham a opinião dele em relação à oferta de compra da Tilix.

Entrei em contato com Ricardo Dutra, Eduardo Alcaro e Maurício Lopes Cruz, da PagSeguro, mas não obtive resposta. O escritório que representa a empresa, Ferro, Castro Neves, Daltro e Gomide, me enviou as cópias do processo e disse que estão “certos de que a matéria refletirá as defesas que a PagSeguro apresentou nos autos”.

Até hoje, Fábio e os demais sócios da Tilix receberam apenas R$ 10 mil pela venda da empresa.

Correção: 18 de outubro de 2021, 11h05
A mensagem “Língua curta e vida longa para nós amigo”, que Fábio mandou a Sardinha, foi enviada no dia 11 de dezembro, não em 24 de outubro. O texto foi corrigido.

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