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Nove grandes erros que os militares brasileiros nunca reconheceram

Está na hora de as Forças Armadas entenderem que não são tutoras da sociedade brasileira, a quem devem desculpas por erros graves que listo aqui.

Nove grandes erros que os militares brasileiros nunca reconheceram

Nove grandes erros que os militares brasileiros nunca reconheceram

Foto: Buda Mendes/Getty Images

O desfile de veículos blindados em Brasília no mesmo dia da votação da PEC do voto impresso não foi apenas uma demonstração patética de (falta?) de força, mas também uma evidente ameaça às instituições democráticas pelas Forças Armadas do Brasil – algo que jamais poderia acontecer em um regime democrático onde os militares são controlados pelo poder civil.

Na mesma linha, as mais recentes manifestações políticas do ministro da Defesa, general Braga Netto, acompanhado pelos comandantes das três Forças Armadas brasileiras, em tom ameaçador ao senador Omar Aziz e condicionando as eleições de 2022 ao voto impresso são também vergonhosas e lamentáveis. São também exemplos do que o próprio senador Aziz disse: há sim uma banda podre entre nossos militares que, incapaz de autocrítica, força autoritariamente as ideologias das FFAA à sociedade em claro desrespeito à Constituição e ao controle civil.

Todos os países – em especial os de tamanho continental, como o Brasil – precisam de forças armadas. Exército, Marinha e Força Aérea são instituições fundamentais para o funcionamento de todos os estados modernos. O próprio nascimento do “Estado-Nação” na Europa, segundo o cientista político Charles Tilly, tem a ver com o jogo equilibrado de organizações políticas que conseguiram juntar a concentração de capital e centralização da coerção nas mãos de uma única organização política hierárquica. Desde então, principalmente após a Revolução Francesa no século 19, as forças armadas passaram, cada vez mais, a serem instituições de estado, e não de governos.

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Em regimes autoritários, como era a realidade da maioria dos países do mundo até o fim da Guerra Fria, as forças armadas eram e são importantes instrumentos de poder doméstico. No entanto, em estados democráticos, há algumas dificuldades em lidar com o poder dos militares. Como assegurar que os cidadãos em armas não as utilizem contra seus próprios concidadãos? Como garantir que os cidadãos em armas respeitem os valores constitucionais e estejam a serviço da sociedade, mas distantes dos braços, corações e ideologias dos governantes da ocasião?

No campo das relações civis-militares, a ciência política busca resposta a essas perguntas, dentro do que o cientista político Samuel Huntington chamou de “dilema dos guardiões”. Ainda que não haja uma resposta simples e rápida, alguns quesitos são unanimidade entre os acadêmicos: 1) o controle dos militares pelos civis e 2) o respeito à ordem constitucional.

As Forças Armadas brasileiras são, desde a independência do Brasil, instituições que se organizam e atuam politicamente, confundindo o elemento primário de suas funções de estado com funções de governo. Torna-se especialmente difícil para nossas Forças a compreensão de como atuar em um regime democrático, algo que esperava-se resolvido na Nova República, mas que degringolou rapidamente desde o governo de Dilma Rousseff.

‘Militares não se tornam acríticos ou isentos de qualquer erro simplesmente por sua formação’.

Por mais que tenham funções fundamentais para o país, com elogiosas atuações em muitos campos (como a defesa de fronteiras, do espaço aéreo, do mar continental, atuação em desastres e emergências e em operações de paz), a impunidade e os erros institucionais e políticos de nossas forças e de parte significativa de nossos militares deixam um legado de erros históricos.

É preciso que a sociedade brasileira entenda que não é normal, e que não deve ser normal, que militares e suas instituições atuem impunemente contra seus próprios cidadãos ou contra a ordem constitucional. Militares não se tornam acríticos ou isentos de qualquer erro simplesmente por sua formação.

Está na hora de os integrantes das nossas Forças Armadas entenderem que são parte da sociedade brasileira, não seus donos, tutores ou guias. Precisamos muito de militares, mas militares dispostos a serem vistos como seres humanos, passíveis de erros e sujeitos a punições como quaisquer outros.

Precisamos, acima de tudo, de Forças Armadas comprometidas com a ordem democrática que a sociedade brasileira construiu a duras penas, contra os próprios excessos cometidos pela caserna. Falta às nossas instituições militares compreender que subordinação ao poder civil não significa uma inferiorização do cidadão em armas, mas sim que estes recebem a missão única e exclusiva de defesa última, pelo uso legítimo da força, dos valores democráticos partilhados por uma sociedade através de uma Constituição – o que o filósofo Jürgen Habermas chamou de “patriotismo constitucional”.

Precisamos ainda de Forças Armadas capazes não apenas de reconhecer seus erros institucionais e os erros de seus integrantes, mas também capazes de se desculpar por seus erros.

Elenco a seguir algumas das mais graves situações nas quais as Forças Armadas brasileiras erraram, ao longo de sua história recente, mas jamais entenderam seus erros ou pediram desculpas à sociedade por eles:

Cabe aos nossos militares compreenderem que são permeados de ideologia, o que os torna tão criticáveis quanto quaisquer outros indivíduos ou instituições. É preciso que compreendam que jamais será possível equiparar as violências cometidas por agentes armados do estado, treinados e equipados para guerras, contra a sua própria população com as cometidas por aqueles que resistiram e resistem a um governo antidemocrático e repressor.

Ou a sociedade se mobiliza para exigir de nossas Forças Armadas e seus integrantes desculpas honestas e um retorno aos quartéis e às suas missões constitucionais, ou então teremos eternamente uma democracia frágil, tutelada, na qual a sociedade se militariza ao invés dos militares se democratizarem. Repito: não é normal que cidadãos em armas possam impunemente ameaçar indivíduos no exercício de seus cargos e a própria ordem democrática do país. Triste de um povo e suas instituições que seguem repetindo seus erros.

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