Na semana em que o país acumulou mais de 420 mil mortos por covid, Bolsonaro aumentou o seu próprio salário e viu sua rejeição disparar nas pesquisas. Foi a semana em que a CPI da Covid pegou fogo. Os depoimentos do presidente da Anvisa, do ex-secretário de comunicação Fabio Wjangarten e do executivo da Pfizer foram importantes para as investigações. Não houve nenhuma grande novidade: o boicote do presidente às vacinas sempre foi feito às claras. O que se viu na CPI foi apenas a confirmação de tudo o que os brasileiros já sabiam.
Na terça-feira, o presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, aliado e amigo do presidente, não conseguiu combinar as responsabilidades do cargo com a defesa do negacionismo propagado pelo Planalto. Ele confirmou ser contra absolutamente todas as loucuras pregadas por Bolsonaro para o combate da pandemia: defendeu uso de máscaras, isolamento social e criticou os tratamentos com medicamentos comprovadamente ineficazes. Torres confirmou a informação que o ex-ministro Mandetta deu na semana anterior: Bolsonaro articulou para tentar sorrateiramente alterar a bula da hidroxicloroquina, para incluir a informação que ela seria eficaz no tratamento da covid-19. O presidente tentou fazer isso por meio de um decreto, o que violaria regras básicas da Anvisa. A semana da CPI começou assim: com um amigo e aliado do presidente contando verdades que o desmoralizam.
Na quarta-feira, foi a vez do ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wjangarten explicar a entrevista que deu à revista Veja em que fez duras críticas à gestão de Pazuello. Claramente empenhado em blindar o presidente, Wjangarten amenizou as críticas feitas na revista, se enrolou em contradições e mentiu descaradamente em vários momentos. Primeiro ele negou que sua secretaria tenha liderado campanhas negacionistas durante a pandemia, o que foi imediatamente desmentido por senadores que mostraram peças negacionistas produzidas e divulgadas pela Secom. Depois afirmou que jamais disse à Veja que “houve incompetência” de Pazuello na compra das vacinas, alegando que a frase foi estampada na capa por uma estratégia dos editores para alavancar as vendas.
Durante a sessão, a Veja divulgou o áudio da entrevista em que ele diz a frase de forma clara e objetiva. Alguns senadores, entre eles o relator Renan Calheiros, requisitaram ao presidente da comissão a prisão do mentiroso – depoentes são obrigados a contar a verdade na comissão. Mas Omar Aziz não aceitou e chegou a travar uma discussão mais acalorada com o relator. Até aquele momento, relator e presidente estavam em perfeita sintonia. Além desse racha, a decisão de Aziz abre precedente ruim: autoriza os próximos depoentes mentirem aos senadores, o que enfraquece a investigação. Pazuello agora já sabe que poderá ficar à vontade para mentir em seu depoimento.
Apesar das mentiras, Wjangarten confirmou que a Pfizer ofereceu vacinas ao governo em setembro do ano passado, mas não recebeu nenhuma resposta por pelo menos dois meses. Enquanto detonava Doria e as vacinas que podem te transformar em “jacaré”, Bolsonaro estava sentado em cima de uma proposta que garantiria 70 milhões de doses de vacinas a partir de dezembro. O presidente teve a possibilidade de salvar a vida de milhares brasileiros, mas preferiu ignorar a proposta para não contrariar a sua narrativa negacionista. O genocídio é um projeto muito bem-sucedido.
Wjangarten disse que se reuniu com o executivo da Pfizer em seu gabinete no Palácio em novembro. Segundo ele, participaram da reunião apenas um de seus assistentes e uma diretora de comunicação da empresa. Mas, no dia seguinte, o executivo da Pfizer o desmentiria ao afirmar que Carlos Bolsonaro também participou. Wjangarten já havia dito aos senadores que tinha pouco contato com Carluxo e que caberiam numa mão as vezes em que se encontraram nos últimos dois anos. Mentiu mais uma vez. Como se já não bastasse a bizarrice de um chefe da secretaria da Comunicação articulando compras de vacinas, agora sabemos que um vereador do Rio de Janeiro também participou da negociação. O ex-secretário estava mesmo muito empenhado em ocultar as provas do genocídio do seu chefe e sua família.
E por falar em família, o filho senador de Bolsonaro apareceu no fim da sessão para defender a honestidade do depoente mentiroso e xingar o relator da comissão da qual ele nem faz parte. Como se estivesse numa reunião com seus amigos milicianos de Rio das Pedras, Flávio Bolsonaro chegou atirando verbalmente contra Renan Calheiros, chamando-lhe de “vagabundo”. Sim, isso foi dito pelo vagabundinho que enriqueceu roubando dinheiro público, lavando numa lojinha da Kopenhagen e desviando para as milícias.
Na quinta-feira foi a vez da CPI ouvir o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo. Ele confirmou que o governo brasileiro ignorou por meses as propostas da Pfizer. Segundo ele, foram feitas ao menos seis propostas ao governo brasileiro de agosto de 2020 até fevereiro de 2021. Nenhuma delas recebeu uma resposta oficial do Ministério da Saúde. Segundo Murillo, o cronograma inicial da Pfizer previa a entrega de 1,5 milhão de doses ainda em 2020 e outras 2,5 milhões até março deste ano. Isso significa que pelo menos quatro milhões de brasileiros poderiam estar vacinados hoje não fosse pela negligência bolsonarista. Muitas mortes seriam evitadas caso o governo federal não estivesse comprometido com o negacionismo.
As falas do executivo da Pfizer desmentiram Wjangarten. Ele contou que, além de Carluxo, o assessor internacional do Planalto Filipe Martins participou da negociação. Então, além do vereador carioca, o bolsonarismo escalou para negociar a compra de vacinas um olavista fanático que flerta com o supremacismo branco. Nenhum representante do Ministério da Saúde participou desse encontro. O governo mandou dois moleques ostensivamente desqualificados para tratar do assunto.
A não prisão de Wjangarten é ruim para o andamento da CPI. Tentar ocultar as provas de um genocídio em curso é algo muito grave para deixar que se escape ileso. Mas os fatos confirmados durante a semana foram ainda piores para o bolsonarismo. Ficou claro que vacinar a população não era prioridade para um governo que aposta na imunidade de rebanho como tática para combater a pandemia. O governo só foi mudar o discurso depois de ver o sucesso político que Doria obteve com a Coronavac. A partir de então, a narrativa antivacina perdeu força e os fez iniciar um festival de ocultamento de provas do projeto genocida. Mas essa CPI já tem provas fartas e irrefutáveis para atestar o crime contra a humanidade cometido no Brasil. Bolsonaro age como um facínora comparável a Pinochet.
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