João Filho

Com prisão do deputado Daniel Silveira, STF enquadrou modus operandi bolsonarista

Finalmente vimos uma reação contra um agressor da democracia. A conveniência das instituições foi até agora a grande responsável pela ascensão do bolsonarismo.

Com prisão do deputado Daniel Silveira, STF enquadrou modus operandi bolsonarista

Com prisão do deputado Daniel Silveira, STF enquadrou modus operandi bolsonarista

Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

A prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira pelo STF é um marco. Finalmente vimos uma reação institucional contra um agressor da democracia. Depois de décadas de conivência com ataques de parlamentares, o STF decidiu reagir e punir esse tipo de criminoso que se esconde atrás da imunidade parlamentar, um dispositivo criado justamente para proteger a atividade democrática.

Mais do que enquadrar um deputado, o STF enquadrou um modus operandi que visa constranger adversários políticos e poderes constituídos. Essa forma de ataque, sempre regada a xingamentos e violência verbal, faz parte da identidade bolsonarista consagrada por Jair Bolsonaro. Em 1999, o então deputado defendeu publicamente que o presidente FHC deveria receber uma pena justa pelo mau governo: o fuzilamento. Antes de incitar o assassinato do presidente, pregou o fechamento do Congresso, defendeu uma guerra civil como única saída para os problemas do país e exaltou o regime militar e a tortura praticada pelo estado.

O então presidente da Câmara Michel Temer parecia querer colocar um basta nisso: “Todas essas manifestações são na verdade tentativas de rompimento constitucional. Falar em fuzilamento é uma irresponsabilidade”, afirmou à época.

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Como se sabe, a Câmara foi tolerante com Bolsonaro, permitindo com que ele se reelegesse sucessivamente e se sentisse à vontade para seguir depredando a democracia. De lá para cá, os ataques verbais de deputados contra a democracia se tornaram cada vez mais corriqueiros. A lista de políticos bolsonaristas que a atacam sistematicamente é longa: vai desde Weintraub e Bia Kicis a Eduardo Bolsonaro. Portanto, depois de décadas de tolerância com esses crimes, a reação institucional é uma excelente novidade, ainda que tardia.

O flagrante que justificou a prisão me parece evidente: Silveira gravou vídeo ameaçando o STF com agressões físicas, publicou e seguiu incitando a perseguição à corte nas redes sociais. O crime teve repercussão imediata. Seus seguidores e aliados viram o vídeo incitando a violência, curtiram e comentaram. Mesmo após o mandado de prisão expedido, o troglodita continuou ameaçando e xingando o ministro Alexandre de Moraes no Twitter: “Estou disposto a tudo! Vou ajudar a prender este canalha em breve”.

O contexto em que essa briga está inserida é fundamental para entendê-la. O vídeo de Silveira foi publicado um dia depois de Edson Fachin repudiar uma declaração de Villas Bôas. O general havia confessado, sem o menor pudor, que aqueles tweets de 2018, pressionando o STF às vésperas da votação de um habeas corpus de Lula, foram planejados por ele em conjunto com a cúpula dos militares.

Após a nota de Fachin, Villas Bôas ironizou a reação tardia, colocando mais lenha na fogueira. O vídeo de Silveira, portanto, teve a clara intenção de jogar as Forças Armadas contra o STF. Aos berros, o deputado desafiou os ministros a determinar a prisão de Villas Bôas, acirrando uma treta que, esticada até o limite, pode acabar em uma ruptura institucional. Essa ruptura, aliás, é um objetivo do bolsonarismo. Aliás, segundo Eduardo Bolsonaro, a ruptura não é mais uma questão de “se”, mas de “quando” irá acontecer.

Silveira chegou a sugerir, como se falasse em nome dos militares, que uma eventual prisão de Villas Bôas seria respondida pelo Exército com um novo AI-5. É importante lembrar que essa briga com o STF, usando as Forças Armadas como escudo, vem sendo incentivada permanentemente desde o início do mandato pelo presidente da República, que chegou a participar de manifestações golpistas que pregavam o fechamento do STF, do Congresso e exaltava os militares.

Grande parte dos policiais apoiam os ataques de Silveira. É o que dizem policiais militares e civis do Rio de Janeiro ouvidos pelo Correio Braziliense. “As polícias, em geral, tornaram-se redutos bolsonaristas. Ninguém dentro das corporações vai tratar mal um apoiador de Bolsonaro e crítico do STF”, afirmou um policial federal. Sua resposta teve respaldo por um policial civil: “Boa parte dos policiais está contra a prisão do deputado”.

‘É uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento. É o Brasil miliciano descendo a ladeira’.

Essa sintonia já rendeu regalias para Silveira na prisão. Mesmo após a publicação de um vídeo em que o bolsonarista aparece xingando aos berros uma policial no Instituto Médico Legal que pediu para que ele colocasse máscara, a Polícia Civil do Rio emitiu nota negando que ele tenha apresentado comportamento agressivo. Jornalistas que cobriam a prisão na sala de imprensa da sede da Polícia Federal do Rio foram hostilizados e ameaçados por apoiadores de Silveira, que só poderiam chegar ali com a complacência de agentes da PM e da PF.

Os policiais acompanharam tudo e nada fizeram para impedir os ataques aos jornalistas. Depois, quando foi transferido para a prisão no Batalhão Prisional Militar de Niterói, foi permitido a Silveira conversar com apoiadores. Ele aproveitou a oportunidade para fazer uma nova provocação: “Eu vou mostrar para o Brasil quem é o STF”.

Além disso, dois celulares foram apreendidos na cela do deputado, o que certamente foi facilitado pela simpatia dos policiais ao golpismo de Silveira. As polícias e as Forças Armadas foram aparelhadas pelo bolsonarismo e tendem a apoiar ataques que visam promover uma ruptura democrática.

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Bolsonaro não se manifestou após a prisão de Daniel Silveira, seu aliado no parlamento.

Foto: Reprodução/Instagram

O silêncio do presidente em relação à prisão de seu aliado é estratégico, mas sabemos que ele não só aprova a ação de Silveira como é o grande fiador desses ataques às instituições. Afinal de contas, um homem que chama de “herói nacional” um torturador de mulher grávida certamente corrobora com a violência verbal e golpista que levou Silveira para a cadeia. Apesar do silêncio do presidente, o bolsonarismo tem defendido em peso o deputado. Logo após a prisão, o apresentador e empresário Ratinho defendeu um golpe militar no país e elogiou o regime totalitário de Singapura, onde as instituições democráticas, incluindo a imprensa, foram violadas e silenciadas.

Além da fala golpista do apresentador, a rede de mentiras que presta serviços ao bolsonarismo foi acionada para espalhar que deputados foram chantageados pelo STF para votar a favor da manutenção da prisão de Daniel Silveira. O objetivo continua sendo o de colocar a população e as Forças Armadas contra o STF.

Bolsonaro acomodou os militares no governo, conquistou a simpatia geral dos soldados e tem facilitado através de decretos o acesso a armas e munição pela população enquanto estimula a destruição da democracia. É uma bomba-relógio que pode explodir a qualquer momento. É o Brasil miliciano descendo a ladeira. As Forças Armadas, por exemplo, têm endossado as loucuras bolsonaristas no enfrentamento da pandemia ou, nas palavras de Gilmar Mendes, “está se associando a um genocídio”.

Espero que a ação do STF vire regra e que a partir de agora todo parlamentar que ameace a ordem institucional seja enquadrado e punido pelas instituições. A imunidade parlamentar e o conceito equivocado de liberdade de expressão não podem mais continuar sendo um refúgio dos golpistas. A conveniência das instituições é a grande responsável pela ascensão do bolsonarismo e, por consequência, pela faca colocada permanentemente no pescoço da democracia.

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