O atual superintendente do Iphan no Paraná chegou ao posto por influência do deputado federal Nelsi Coguetto Maria, o Vermelho, do PSD-PR.

Deputado emplaca aliado no Iphan para liberar R$ 90 milhões em obras a empresas ligadas a ele

Parlamentar apadrinhou superintendente no PR, mostrando como funciona na prática a partilha de cargos do governo com o centrão.

O atual superintendente do Iphan no Paraná chegou ao posto por influência do deputado federal Nelsi Coguetto Maria, o Vermelho, do PSD-PR.

O superintendente no Paraná do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, Leopoldo de Castro Campos, atuou para dar continuidade a uma obra questionada pelo próprio órgão e, com isso, favorecer o filho e o deputado federal que o indicou ao posto.

Campos é um engenheiro sem qualquer experiência em conservação de patrimônio histórico que entrou no instituto em setembro de 2019 no lugar de um técnico de carreira que comandava o órgão desde 2016. Ele chegou ao posto por influência do deputado federal do PSD paranense Nelsi Coguetto Maria, o Vermelho.

A construção de um “acesso”, uma ligação de duas rodovias na cidade de Castro, no interior do Paraná, pode ser vista como um exemplo das consequências da partilha de cargos promovida pelo presidente Jair Bolsonaro para cooptar parlamentares do Centrão no Congresso. Mais do que acomodar aliados, a distribuição de cargos também garante boas mamatas aos parlamentares, seus familiares e aliados – com aval do governo.

No caso do Paraná, a indicação de Campos ao cargo de superintendente do Iphan, com salário de pouco mais de R$ 7 mil, rendeu contratos de mais de R$ 90 milhões a empresas ligadas ao deputado federal Vermelho. Ele já é o mais rico da bancada paranaense: declarou R$ 8 milhões em bens quando foi eleito, em 2018.

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O imbróglio começou com um parecer técnico assinado por uma arqueóloga do Iphan em 18 de fevereiro de 2020. O documento constatava que a obra de construção do acesso em Castro, a 102 quilômetros de Curitiba, estava em andamento sem qualquer acompanhamento arqueológico, contrariando recomendação anterior, e sugeria a paralisação das atividades.

Foram encontrados indícios de que a região concentra fragmentos de objetos em cerâmica datados de centenas de anos e um trecho de estrada tropeira, o que torna o local um sítio arqueológico o que, por lei, obriga a participação do Iphan. A própria cidade de Castro é conhecida por preservar resquícios do passado, com casarões seculares, museus com achados locais e pinturas rupestres. Os vestígios convivem com grandes indústrias como as gigantes Cargill e Frísia (antiga Batavo) que há anos pressionam o poder público pelas obras nas rodovias para facilitar o escoamento de suas produções.

Três dias após o relatório técnico, em 21 de fevereiro, Leopoldo Campos assinou um ofício que rebatia o relatório da área arqueológica. Segundo ele, havia acompanhamento arqueológico informal da obra, sem a autorização expressa do Iphan, e a paralisação das atividades por “fatos evasivos e não comprovados” iria impactar a economia do estado.

No dia 26 de fevereiro, ele enviou outro ofício ao então presidente do Iphan classificando a análise da área técnica como “equivocada e de alguém que não conhece, nunca esteve e não conhece obras de Implantação de Rodovias” – posição curiosa considerando que, como superintendente do instituto, sua preocupação, em tese, deveria ser com o patrimônio histórico encontrado e não com a rodovia.

O processo seguiu internamente no Iphan sem resolução – assim como a obra, que nunca foi interrompida. Meses depois, em 14 de agosto, houve uma nova vistoria formal no local. O relatório final dos técnicos do Iphan cita que o trabalho foi acompanhado por “Leo Guedes Campos, engenheiro representante da empresa Consórcio Via Venetto Gaissler e responsável pelo acompanhamento, em campo, das obras de instalação do acesso ao Contorno Norte de Castro, atualmente em andamento”. O problema: Leo Guedes Campos é o filho de Leopoldo Campos.

Deputado emplaca aliado no Iphan para liberar R$ 90 milhões em obras a empresas ligadas a ele

O relatório final dos técnicos do órgão de conservação cita que o trabalho do acesso foi acompanhado por “Leo Guedes Campos, engenheiro representante da empresa Consórcio Via Venetto Gaissle” – e filho do superintendente do Iphan.

Foto: Reprodução/Facebook

O documento concluiu que a obra do acesso já estava em estágio avançado, “não sendo mais viável a realização de monitoramento arqueológico”, e que o flagrante descumprimento das regras configurava infração administrativa.

Leopoldo Campos ainda figura como superintendente do Iphan, mas ele está afastado do trabalho desde junho, por problemas de saúde. No último dia 16, enviou um pedido de demissão para a chefia do órgão, que ainda não foi publicado no Diário Oficial.

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O deputado Nelsi Coguetto Maria, conhecido como Vermelho.

Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

Partilha de cargos

Situações semelhantes a chegada de Campos ao Iphan paranaense ocorreram em pelo menos outros quatro estados, como Minas Gerais e Goiás, que possuem ampla gama de bens tombados como patrimônio histórico.

A indicação do engenheiro pelo deputado Vermelho foi autorizada pelo deputado federal Toninho Wandscheer, do Pros paranaense. No início da distribuição de cargos ao Centrão, em 2019, Wandscheer era líder da bancada do estado na Câmara e responsável por avalizar as indicações dos colegas. Naquele momento, o governo pediu para as bancadas decidirem internamente as indicações e enviarem as propostas ao Planalto. Wandscheer foi o responsável por essa função entre os parlamentares do Paraná, segundo o próprio me relatou.  Vermelho nega a indicação.

A anuência do superintendente permitiu que os trabalhos de construção do acesso, que começaram em abril de 2019, continuassem até hoje. A obra é tocada pelo consórcio Via Venetto/Gaissler Moreira. A Via Venetto tem como proprietário um dos filhos de Vermelho, Thiago Veloso Maria. O próprio deputado, que nega qualquer relação com a empresa, costumava se apresentar como representante da Via Venetto. Portanto, a família de Vermelho é empregadora do filho do superintendente – que chegou a fazer campanha pelo deputado nas redes sociais.

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Léo Campos também fez campanha ativa para o padrinho do pai nas redes sociais.

Foto: Reprodução/Facebook

Para deixar a história mais clara:

  1. A empresa que faz a obra é da família do deputado Vermelho.
  2. A obra começou a ser realizada em abril de 2019 sem seguir as determinações do Iphan, o que é irregular.
  3. Em setembro de 2019, Vermelho indicou para chefiar o órgão que vistoria a sua obra o pai de um de seus empregados.
  4. O pai atuou para beneficiar a empresa do filho e do político que o indicou.
  5. Como esperado, a obra prosseguiu, mesmo com irregularidades.

E não pára por aí. Nos últimos meses, o governo do Paraná concluiu a licitação do contorno de Castro, uma obra maior e mais cara que a do acesso, na qual desemboca a ligação entre as rodovias.

Na mesma vistoria que concluiu que não era mais possível parar a obra do acesso, em agosto, a área técnica do Iphan também avaliou o local onde será construído o contorno. O documento diz que o filho do superintendente também acompanhou esse trabalho, mesmo sem fazer parte da empresa responsável pela obra. Foi constatado que o local tem “áreas de lavoura com alto potencial arqueológico, na região de influência do rio Iapó”.

O contorno terá pouco de menos de 16 quilômetros de extensão, entre a PR-090 e a PR-151. Mesmo não sendo tão extenso, o projeto prevê a construção de duas pontes, “o que indica a dimensão das obras a serem realizadas, de alto impacto ambiental e, portanto, de alto risco a eventuais vestígios arqueológicos presentes nestas áreas e que não tenham sido identificados na etapa de prospecção arqueológica”, diz o texto.

O envelope com o vencedor da licitação da obra do contorno foi aberto em 25 de agosto: trata-se do consórcio Bandeirantes-Gaissler. A empresa Gaissler também é sócia da Via Venetto, do deputado Vermelho, e ambas atuaram juntas na obra do acesso.

Vale prestar atenção às datas: o filho de Campos acompanhou a vistoria no local no dia 14 de agosto, 11 dias antes do resultado da licitação ser divulgado, no dia 25. Ou seja, ele estava atuando como responsável por uma obra que sequer estava licitada.

O acesso foi orçado em R$ 13,1 milhões. O contorno, que deve começar nos próximos meses, em R$ 79 milhões. Ao todo, são R$ 92 milhões para os bolsos de pessoas ligadas ao deputado Vermelho.

Estrada do Colono

Uma das principais bandeiras do mandato de Vermelho é a construção da chamada Estrada do Colono, uma rodovia de 18 quilômetros que corta o Parque Nacional do Iguaçu, uma das mais importantes unidades de conservação do país, onde ficam as famosas cataratas.

A estrada original, que liga os municípios de Capanema e Serranópolis, base eleitoral do deputado, foi desativada em 2001. O impacto ambiental causado pela movimentação de veículos praticamente acabou com a população de onças-pintadas do local.

Vermelho é autor do projeto que pede a reabertura da estrada – que terá que ser remodelada e precisará de serviços como os prestados pelas suas empresas. Apesar de ser criticada por ambientalistas, a obra deve passar facilmente pelo crivo do governo. Recentemente, o deputado acompanhou Bolsonaro em uma visita ao local. No ano passado, o presidente já disse que, se depender dele, a estrada será reaberta.

Nada muito diferente de como Bolsonaro enxerga o próprio Iphan, que costuma criticar por supostamente parar “qualquer obra”. “Enquanto tá lá um cocô petrificado de índio, para a obra, pô! Para a obra. O que que tem que fazer? Alguém do Iphan que resolva o assunto, né? E assim nós temos que proceder”, disse ele em maio.

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