Desde o primeiro ano do Ensino Médio, Antonia dos Santos, de 19 anos, faz o Enem como teste para se preparar. Moradora de Mundo Novo, povoado no sertão de Pernambuco, ela pega diariamente um pau-de-arara para chegar até o povoado vizinho de Caruá, a cerca de uma hora, onde fica sua escola. Seu grande sonho é ser professora de literatura.
Com a pandemia, passou a ter aulas online apenas uma vez por semana e viu as chances de ingressar na universidade diminuírem drasticamente. Na sua turma, 25% dos alunos não têm nenhum acesso à internet. Boa parte do restante, como ela, possui apenas o celular e um wi-fi de conexão ruim. Na esperança de convencer o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a adiar a prova desse ano, escreveu esta carta.
Senhor ministro da Educação,
Meu nome é Antonio Odair dos Santos, mas prefiro que me chamem de Antonia. Assim mesmo, no feminino. Tenho 19 anos e faço o 3º ano do ensino médio em uma escola pública no Caruá, um povoado da zona rural de Serrita, no sertão do Pernambuco.
Eu sempre me dediquei aos estudos porque penso em um futuro próspero e sei que só vou conseguir isso se estudar. Quero fazer faculdade de Letras em uma universidade pública para ser professora. Me identifico com português e adoro literatura. Meu grande sonho é me formar e ter um emprego digno. Me imagino daqui a alguns anos em uma sala de aula, ensinando. É esse o meu sonho. Quanto mais eu estudar, mais perto fico dele.
Desde quando comecei o ensino médio, eu fazia a prova do Enem para me sentir mais preparada quando chegasse no 3º ano. Agora tenho ideia de como é a prova e estava ansiosa para fazer logo. Até pensei, a princípio, que o exame não deveria ser adiado por causa do coronavírus, mas, pensando nas dificuldades que eu e meus colegas temos passado para estudar, mudei de ideia. Acho que se o senhor souber da nossa situação, vai mudar de ideia também.
Por aqui, não é todo mundo que tem acesso à internet. Quem tem, como eu, é só no celular. A gente não tem computador. Quando tem o aulão na plataforma EducaPE, do governo do estado, eu assisto. Às vezes, o vídeo fica travando porque a minha internet não é tão boa.
No dia a dia, eu estudo pelos livros e vejo vídeos no YouTube, mas sem a ajuda dos professores, com aulas diárias para tirar nossas dúvidas, fica muito difícil. Estou me virando como dá, mas tenho colegas que não conseguem estudar, como a Jayne. Ela é muito estudiosa, mas não pode acompanhar nenhuma das atividades porque na casa dela, no povoado Apertar da Hora, não tem internet.
Falta muita coisa, principalmente valorizar nossos professores. Eles ganham tão pouco para formar todas as profissões do mundo.
Os alunos que têm internet e computador em casa vão ter mais vantagem para estudar agora que as aulas estão suspensas. Sei que, em tese, se a pessoa se dedicar, ela consegue fazer uma boa prova. Os colegas que não têm internet podem se juntar com outros colegas que têm, mas não é a mesma coisa, ministro.
Se o senhor pensar melhor, pelo lado de estudantes como minha colega Jayne, vai perceber que o Enem pode ser adiado para o próximo ano. Eu queria que o governo revisse isso, que não ache que é apenas uma gripezinha, que olhasse para as pessoas carentes. O senhor tem que considerar toda essa situação que estamos vivendo. É uma pandemia, ministro.
É verdade que nós já enfrentamos dificuldades para estudar há muito tempo. No povoado que eu moro, o Mundo Novo, não tem escola. Por isso, a gente precisa pegar um carro para chegar ao povoado Caruá. O transporte é um caminhão que vocês aí conhecem como pau-de-arara. É quase uma hora de estrada de chão. No período de seca, por ser um caminho cheio de buracos, às vezes o carro dá o prego. No inverno, é comum que fique atolado, o que nos obriga a voltar para casa a pé e ficar sem aula.
Eu conheço muitos alunos que terminam o terceiro ano e vão trabalhar nas plantações em Goiás. Quando eu me deparo com uma coisa dessas, fico muito triste. Esses estudantes poderiam ingressar em uma faculdade pública, mas eles acham que indo para Goiás vão ganhar muito dinheiro. Pura ilusão. Quando acaba a plantação, eles ficam desempregados.
O certo seria eles irem para a universidade, para ter um futuro garantido. Mas é como se a faculdade não existisse para essas pessoas. Essa é a realidade no nosso lugar. Muitos saem à procura de empregos porque acham que é mais fácil, mas só com o estudo a pessoa está garantida. Depois que se formar e arrumar um emprego bom, aí sim a pessoa está feita na vida.
Eu acho que o governo precisa valorizar mais a educação para esses jovens terem mais oportunidade. Nós não temos uma boa educação. Falta muita coisa, principalmente valorizar nossos professores. Eles ganham tão pouco para formar todas as profissões do mundo.
Era isso que eu gostaria de dizer, ministro. Espero que o senhor tenha chegado até aqui. Sei que aí de Brasília fica difícil conhecer outras realidades, mas, agora que já sabe, espero que pense sobre o que leu.
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