Fotos autor Leandro Demori.

Leandro Demori

Se Moro diminuiu a ponto de ser chutado por Bolsonaro, certamente foi também pela força do jornalismo que não se deixa seduzir por super-heróis

A despedida com tom de já vai tarde.

Moro pediu demissão nesta sexta- 24, após exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Se Moro diminuiu a ponto de ser chutado por Bolsonaro, certamente foi também pela força do jornalismo que não se deixa seduzir por super-heróis

Moro pediu demissão nesta sexta-feira, 24, após exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, pelo Presidente Jair Bolsonaro.

Foto: Marcelo Chello/CJPress/Folhapress

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Sergio Moro está fora do governo Bolsonaro.

Estrela do ministério, convidado durante a campanha eleitoral quando ainda era juiz, anunciou há pouco sua saída numa entrevista coletiva no Ministério da Justiça. Sua cara era de total abatimento. Moro foi decisivo para a eleição de Jair Bolsonaro: vale lembrar que ele levantou o sigilo da delação podre de Antonio Palocci – levantamento que nem mesmo Deltan Dallagnol conseguiu defender.

O ex-juiz sai do governo muito menor do que entrou. Deu a Bolsonaro parcela considerável da sua credibilidade junto à opinião pública, transferiu seu cacife político ao presidente. Em troca, recebeu seguidas humilhações de Bolsonaro e de seu entorno. Tiraram dele o Coaf, vetaram nomeações, interferiram na PF. Durante a coletiva de hoje, Moro disse que teve apoio de Bolsonaro em alguns projetos, “mas em outros não”.

O estopim da queda foi a troca do diretor-geral da Polícia Federal. Ainda Moro, na coletiva: “o problema não é o nome, mas por que trocar?”. Moro não disse, mas o motivo é claro: proteger a família Bolsonaro dos casos de corrupção nos quais estão envolvidos. Sobre esse ponto, Moro elogiou o PT por ter mantido a autonomia da PF durante seus governos.

Moro poderá sempre se dizer surpreendido pelo comportamento do agora ex-chefe. O que não muda é que jamais poderia ter sido ministro. Se tivesse qualquer apreço pela justiça e pela democracia não deveria ter aceitado o cargo, dado o histórico da família Bolsonaro, seu apreço por torturadores e desprezo pelas instituições democráticas.

Além disso, em qualquer país sério, o juiz que tirou da corrida presidencial outro candidato com chances de ser eleito não assumiria um cargo no governo do candidato vencedor. Seria um escândalo, como foi. Mas a sede de poder de Moro ficou escancarada, como demonstramos inúmeras vezes nos arquivos secretos da Lava Jato.

Chego então à Vaza Jato. Depois das revelações que fizemos, Sergio Moro não deveria ter permanecido no Ministério. As improbidades cometidas quando ocupava a 13ª Vara Federal de Curitiba são gravíssimas, interferiram na condução dos rumos da República e colocam em xeque todo o desenrolar da operação Lava Jato. Afinal, como aceitar que um juiz que evita investigar políticos para não “melindrar alguém cujo o apoio é importante” ocupe a pasta da Justiça? É isso o que chamam de bandido de estimação?

O ciclo de Sergio Moro no Ministério se encerrou hoje. A vergonha da sua participação no governo Bolsonaro, no entanto, é eterna. E para que não esqueçamos também de que ele sempre teve apreço pelo autoritarismo e pelo desrespeito às instituições, vale a pena ver de novo os melhores momentos do ex-juiz na Vaza Jato:

  1. O agora ex-ministro trabalhou em parceria com a força-tarefa de Curitiba sugerindo troca de fases da operação, interferindo nas investigações e dando pistas sobre elas. “Não é muito tempo sem operação?”, ele questionou a Dallagnol em certa ocasião.
  2. “Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”. Eu também acho, mas quem disse isso foi a procuradora Monique Cheker em uma conversa onde vários membros da força-tarefa reclamavam das violações do ex-juiz e de sua possível ida para o governo Bolsonaro (sempre bom lembrar que Monique é Monique).
  3. Acostumado a interferir nos rumos da política brasileira, Sergio Moro também sugeriu que os procuradores vazassem trechos de delação para interferir na política da Venezuela. “Talvez seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela”, sugeriu a Dallagnol numa clara demonstração de desrespeito a qualquer princípio democrático e diplomático.
  4. Dallagnol já sabia que Moro estava se metendo numa enrascada ao aceitar o convite de Bolsonaro. Ninguém em sã consciência comprou a ideia de que Bolsonaro é um militante anticorrupção, né? “Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?”, profetizou Deltan.
  5. Acostumado desde os tempos de Curitiba a interferir na PF, Moro certamente não gostou de ver Bolsonaro passando por cima da sua autoridade. O ex-juiz gosta do poder, e durante sua carreira na magistratura não só direcionou ações do MPF como também fazia dobradinha com a PF.

Há muito mais coisas sobre as impropriedades de Moro durante a Lava Jato. O acervo é enorme e pode ser consultado aqui.

É impossível saber o que a saída do ex-juiz significa para os rumos de um governo que vem desmoronando em praça pública. É certo que se não estivéssemos em meio a uma pandemia, Bolsonaro estaria hoje muito vulnerável a um processo de impeachment. O presidente se protege com o vírus. Chega a ser poético.

Moro está fora, mas não se iludam: a campanha presidencial de 2022 começou, e Moro e Bolsonaro, bem… são uma coisa só. O ex-ministro continua sendo o político mais popular do Brasil, apesar de sair do ministério pela porta dos fundos – ele disse, na coletiva, que soube da exoneração de Valeixo pelo Diário Oficial, e que não assinou o documento, apesar de sua assinatura constar no pé de página. Se Moro diminuiu a ponto de ser chutado por Bolsonaro, certamente foi também pela força do jornalismo independente, que não se deixa seduzir por super-heróis e que não se comporta como porta-voz de autoridade.

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O Intercept está vigiando manobras eleitorais inéditas da extrema direita brasileira. 

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Já revelamos as mensagens secretas de Moro na Lava Jato. Mostramos como certas empresas e outros jornais obrigavam seus trabalhadores a apoiarem Bolsonaro. E expusemos como Pablo Marçal estava violando a lei eleitoral. 

Mas temos pouco tempo, e muito mais a revelar. Agora precisamos de recursos para colocar mais repórteres nas ruas. Para isso, precisamos de sua ajuda. Somos financiados por nossos leitores, não pelas empresas ricas que mandam em Brasília.

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