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Coronavírus pode servir de pretexto para aumentar a vigilância sobre a população

Críticos do programa de espionagem dos EUA estão assustados pela possibilidade de líderes do Congresso tentarem usar o surto de coronavírus como desculpa para aumentar os poderes de vigilância via Patriot Act.

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A crise do coronavírus

Parte 2


O esforço do congresso americano em restringir os poderes de vigilância do governo antes de 15 de março pode se deparar com um novo oponente: o coronavírus.

Os deputados democratas vêm trabalhando em planos para alterar ainda mais uma disposição da Patriot Act, que desde 2015 permite que o governo obtenha registros telefônicos de cidadãos americanos com empresas de telecomunicações. Esta e outras disposições importantes da lei antiterrorismo dos EUA precisam ser autorizadas novamente até 15 de março, ou a autoridade do governo para exercer essa vigilância caduca. O projeto de emenda legislativa dos democratas retiraria a autorização da disposição, permitindo e aprimorando outras maneiras pelas quais o governo poderia coletar registros.

Mas essas negociações foram adiadas, com críticos do programa de espionagem assustados pela possibilidade de líderes do Congresso tentarem usar o surto de coronavírus – e a legislação destinada a financiar uma resposta à epidemia – como veículo para levar adiante uma extensão da lei de vigilância ou uma nova autorização para que ela opere sem emendas.

O pedido de US$ 2,5 bilhões do governo Trump para conter a pandemia de coronavírus provavelmente se tornará um veículo legislativo imparável: uma lei impossível de barrar, que os líderes congressistas de ambos os partidos poderiam usar para forçar uma nova autorização do programa de registros de detalhes de chamadas do FBI. Uma medida como essa desviaria dos esforços do Congresso para reformar a lei e promoveria uma autorização para o programa continuar sem alterações.

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Segundo disse um democrata no Comitê Judiciário da Câmara, o Senado está “ameaçando colocar essa nova autorização sem alterações em algo como o financiamento para combater o coronavírus, o que impossibilitaria derrotá-la, caso não apresentemos um projeto de lei aqui. Pelosi e Schiff nunca permitirão que ela expire”.

“Eu diria que a esta altura não passa de conversa. Mas também é uma conversa que pode se tornar seu plano A”, disse ao Intercept um assessor republicano do Senado que pediu anonimato por não estar autorizado a falar sobre o assunto.

Josh Withrow, analista de políticas sênior da organização libertária Freedom Works, de viés republicano, disse que ouviu de várias fontes de ambos os lados do Congresso que a legislação do coronavírus é uma ameaça iminente. “É um medo real”, disse ele. “Obviamente, parece ter alguma força, mas acho que traria certos problemas, porque já há muitos conservadores questionando o valor e dizendo para simplesmente passar uma lei sem emendas para o coronavírus.”

O programa em questão é o “registros detalhados de chamadas”, que define como o FBIou a NSApodem obter registros telefônicos armazenados por provedores de telecomunicações. Antes disso, a NSA coletava registros telefônicos em lotes, baseando-se em uma interpretação secreta da Patriot Act, que um tribunal de recursos federais contestou em 2015.

Porém, devido a problemas de conformidade generalizados e valor limitado de inteligência, a NSA encerrou voluntariamente o programa de registros de detalhes de chamadas em 2019, levando muitos no Congresso a questionar por que a administração Trump estava procurando estender a base legal para um programa hoje extinto. Agora, grupos de liberdades civis veem a luta da reautorização como um indicador para determinar se o Congresso pode voltar com a vigilância mesmo em casos em que a comunidade de inteligência determine que elas tenham um valor limitado de inteligência.

Em 4 de março, o Comitê Judiciário da Câmara tinha uma reunião agendada para votar o resultado das negociações a portas fechadas entre o presidente da comissão, Jerry Nadler, seu equivalente no Comitê de Inteligência, o deputado Adam Schiff, representantes republicanos e a comunidade de inteligência.

A deputada Zoe Lofgren, democrata da Califórnia que vem sendo uma importante reformadora das liberdades civis no comitê, disse que apresentaria cinco emendas ao projeto. Dado que existe um ceticismo bipartidário da autoridade de vigilância – os republicanos vêm se tornando cada vez mais contrários a ela após o relatório geral sobre abusos do Tribunal de Vigilância de Inteligência Estrangeira em torno do caso Carter Page –, as emendas tinham uma chance razoável de sucesso, abrindo a possibilidade de que a liderança avançasse com uma versão do projeto de inteligência e abandonasse a legislação do Judiciário.

Com o surgimento das emendas inesperadas de Lofgren, a audiência foi cancelada no último minuto. Membros do comitê se preocuparam com o fato de que, se as negociações parecessem estar em um momento de impasse, aumentava a chance do Senado, com o apoio dos líderes da Câmara, anexar a reautorização ao projeto obrigatório sobre o coronavírus.

“Estamos tentando elaborar algo e garantir também que o Senado não faça uma reautorização sem emendas. Por isso, precisávamos de mais tempo”, disse o membro do Comitê Judiciário, citando a lei iminente do coronavírus.

Também complica as negociações sobre a reforma da vigilância o fato da liderança da Câmara poder decidir qual versão do projeto recebe votação em plenário. Em janeiro de 2018, enquanto membros do Congresso estavam pensando sobre autorizar uma vigilância diferente da NSA, a liderança da Câmara fez passar pelo Comitê de Inteligência, presidido pelo deputado Adam Schiff, um projeto elaborado apressadamente, muito mais favorável à comunidade de inteligência do que outro de autoria do Comitê Judiciário.

Em questões de vigilância, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, e Schiff são muito mais alinhados do que ela e Nadler. Schiff é cada vez mais visto na Câmara como um sucessor potencial de Pelosi para presidir a Casa. A própria Pelosi costumava ser a principal democrata no Comitê de Inteligência.

Os deputados céticos quanto à vigilância em massa têm boas razões para temer que o financiamento para combater o impacto do coronavírus possa ser usado para aprovar essa legislação. Na última vez em que críticos dos exageros do governo tentaram reformar a Freedom Act, que modificou a Patriot Act, não conseguiram a autorização de voto autônomo, sendo anexados a uma lei obrigatória para gastos do governo. A promessa da liderança da época foi de que a extensão seria de curto prazo, e os céticos teriam uma oportunidade de fazer reformas na próxima vez. Isso agora está posto em dúvida.

“Precisamos ter uma votação separada em algo tão importante quanto essa nova autorização da FISA”, disse a deputada Pramila Jayapal, democrata de Washington, integrante do Comitê Judiciário.

Um importante ponto de interrogação que paira sobre o processo desta vez é qual tipo de mudanças os partidários de Trump – que foram extremamente críticos à forma como o FBI conduziu as investigações sobre os associados de Trump – podem exigir. O deputado Jim Jordan e o senador Rand Paul sinalizaram o desejo de algum tipo de reforma – Paul fez um tuíte dizendo que “falou com Trump” e que o Tribunal da FISA deveria “ser proibido de espionar ou investigar americanos”.

Tradução: Cássia Zanon

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