Jeanine Áñez, participa de uma cerimônia com a polícia diante do Palácio Presidencial em La Paz, Bolívia, em 13 de novembro de 2019.

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Governo interino da Bolívia recorre ao mesmo lobby que defendeu o golpe de Honduras

A CLS Strategies, empresa que ajudou a tornar o golpe de 2009 em Honduras mais palatável, agora tem contrato com o governo de Jeanine Áñez.

Jeanine Áñez, participa de uma cerimônia com a polícia diante do Palácio Presidencial em La Paz, Bolívia, em 13 de novembro de 2019.

A presidenta interina da Bolívia, Jeanine Áñez, que assumiu o poder em novembro, rejeita as alegações de que seu antecessor, Evo Morales, tenha sido removido por um golpe – ao mesmo tempo em que reprime as vozes dissidentes e convoca novas eleições para cristalizar o poder das forças de oposição conservadora que tomaram o controle do governo na ausência de Morales.

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Muitos críticos vêm apontando que o ciclo possui uma semelhança espantosa com o golpe de estado que derrubou o presidente hondurenho Manuel “Mel” Zelaya há uma década. O líder de esquerda foi afastado do cargo pelos militares e substituído por um governo interino liderado por forças oposicionistas de direita, que rapidamente consolidaram seu poder com um processo eleitoral controverso.

Aparentemente, os novos governantes da Bolívia não deixaram de perceber o paralelo. O governo de Áñez contratou os serviços dos mesmos consultores de Washington, D.C. que o governo interino de Honduras empregou para obter apoio nos EUA.

Em dezembro, a Bolívia fechou um contrato com a empresa CLS Strategies para a prestação de “consultoria estratégica de comunicação” nas novas eleições deste ano, e para outras interações com o governo norte-americano. Depois da derrubada de Zelaya, o escritório de lobby, anteriormente conhecido como Chlopak, Leonard, Schechter & Associados, prestou serviços incrivelmente semelhantes, auxiliando o governo interino de Honduras a obter apoio das autoridades e dos veículos de mídia dos EUA para a realização das novas eleições no país.

A CLS Strategies, procurada, não se manifestou.

A crise na Bolívia espelha em muitos aspectos o golpe de 2009 em Honduras. Tanto Morales quanto Zelaya fortaleceram os laços com a Venezuela, aumentaram o salário mínimo, ampliaram os serviços sociais e se opuseram à privatização dos principais setores da economia. Os dois presidentes esquerdistas enfrentaram um acirramento das críticas diante de suas aparentes tentativas antidemocráticas de se manter no poder. Zelaya propôs um plebiscito para definir se poderia pleitear um segundo mandato, o que era proibido pela constituição hondurenha. Morales concorreu a um inédito quarto mandato, o que levantou dúvidas sobre a possibilidade de que estivesse gradualmente manobrando as instituições na Bolívia para permitirem um governo permanente de seu partido.

Os militares também tiveram um papel crucial na queda de ambos os líderes. Na calada da noite, em 28 de junho de 2009, oficiais militares forçaram a renúncia de Zelaya sob a mira de armas de fogo, e o levaram preso de sua casa. Morales fugiu da Bolívia depois que o comandante-chefe das forças armadas exigiu sua renúncia em 10 de novembro de 2019.

Em ambos os casos, forças de oposição à direita tomaram o poder depois da derrubada de Morales e Zelaya, e buscaram reconhecimento internacional para obter legitimidade.

O então senador dos EUA Jim DeMint, do Partido Republicano da Carolina do Sul, anunciou na sequência do golpe de Honduras que lideraria um grupo de parlamentares até a capital Tegucigalpa, em um aceno diplomático ao novo governo interino. Inicialmente, o governo Obama se recusou a fornecer uma aeronave militar para a viagem, e DeMint reagiu bloqueando unilateralmente os indicados de Obama. O governo Obama acabou cedendo e autorizou DeMint a usar um avião para viajar até Honduras.

Nos bastidores desse drama, informações divulgadas sobre a prática de lobby mostram que o escritório atualmente chamado CLS Strategies participou da estratégia. Juan Cortiñas, um dos sócios, instruiu funcionários legislativos e atuou como intérprete pessoal para DeMint perante as autoridades do governo hondurenho. A equipe da CLS Strategies também conseguiu inserir colunas de opinião e convencer jornalistas nos principais veículos de notícias, e agendar entrevistas nas redes de TV a cabo para promover a oposição do governo interino ao retorno de Zelaya.

O presidente interino de Honduras, Roberto Micheletti, do Partido Nacional, de direita, suspendeu as liberdades civis, reprimiu duramente os protestos e bloqueou as transmissões de diversos canais de mídia, incluindo CNN, Telesur, Channel 8 e Radio Globo de Honduras.

A CLS Strategies também esteve nos bastidores nesse caso. Depois do golpe, David Romero, locutor da Radio Globo, sabidamente favorável a Zelaya, fez um desabafo antissemita dando a entender que Israel e os judeus seriam culpados pela derrubada de Zelaya. Romero se desculpou, e alegou ter se excedido no calor do momento, mas seu desabafo cheio de ódio abriu uma brecha para o governo de Micheletti, que fechou a estação de rádio e confiscou seu equipamento. Quando a indignação internacional pela censura imposta por Micheletti aos veículos de mídia cresceu, a CLS Strategies fez circular os comentários de Romero e a acusação à Radio Globo em diversos comunicados à imprensa, mudando o foco para o discurso do locutor.

Ao fim, foram realizadas as novas eleições controversas em Honduras, que deram oficialmente ao Partido Nacional o controle do governo. Desde então, e a despeito dos anos de escândalos de corrupção e dos crescentes indícios de que figurões do partido estiveram diretamente envolvidos em operações de tráfico de drogas, o Partido Nacional vem controlando a presidência de Honduras. O presidente Juan Orlando Hernández removeu seus oponentes da Suprema Corte e conseguiu aprovar uma lei alterando os limites dos mandatos, justamente o que teria motivado a derrubada de Zelaya. Hernández posteriormente enviou a polícia militar para reprimir com violência os protestos contra os resultados contestados da eleição presidencial de 2017, em que ele se reelegeu para um segundo mandato.

Na Bolívia, uma história semelhante parece estar em curso. Áñez, ex-líder da oposição conservadora no senado boliviano, tomou o poder depois da derrubada de Morales, e se mobilizou imediatamente para refazer o governo, substituindo autoridades militares e de gabinete. Ela também anunciou sua intenção de processar Morales e membros de seu partido político por terrorismo. Diversas pessoas que protestaram contra o governo Áñez foram mortas. O governo interino da Bolívia alega que os apoiadores de Morales estão planejando atos de violência.

O clima de incerteza sobre o futuro deixa a opinião pública desconfiada quanto à possibilidade de que as eleições sejam realmente justas. Em sua declaração de registro, a CLS Strategies indicou que irá fazer contato com autoridades públicas, órgãos de governo, jornais, e grupos civis nos EUA em prol do governo interino da Bolívia. Cortiñas, que atuou como intérprete de DeMint, agora está registrado e pode representar o governo boliviano.

Tradução: Deborah Leão

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