Entrevista: 'Lei Maria da Penha e lei do feminicídio são retrocessos', diz juíza Maria Lucia Karam

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Entrevista: ‘Lei Maria da Penha e lei do feminicídio são retrocessos’, diz juíza Maria Lucia Karam

Com oito anos de experiência como juíza criminal, Karam discute como o punitivismo impede avanços reais no enfrentamento à violência contra a mulher.

Entrevista: 'Lei Maria da Penha e lei do feminicídio são retrocessos', diz juíza Maria Lucia Karam

Os anos que passou como juíza em varas criminais do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ensinaram a Maria Lucia Karam uma coisa: o sistema penal está falido. Era junho de 1982 quando a ex-defensora pública assumiu o cargo de magistrada, alheia às discussões sobre punitivismo, ainda embrionárias no Brasil. Mas a experiência com réus e o estudo mais aprofundado da criminologia logo a fizeram perceber que o sistema a que servia não protegia cidadãos. Pelo contrário, só causava mais danos à sociedade – e precisava ser abolido.

Eu estava curiosa para conhecer uma ex-juíza favorável ao fim do sistema penal quando me encontrei com Karam, há algumas semanas. Mas estava, sobretudo, ansiosa para ouvir como uma abolicionistaenxergava o cruzamento dessa luta com o enfrentamento à violência contra a mulher. Foi para discutir esse tema que fui até seu apartamento, motivada pelo questionamento de uma leitora sobre a eficácia da criminalização do estupro.

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A conversa com Karam foi, em diversos momentos, indigesta. Pesquisando violência contra a mulher há quase cinco anos, já ouvi centenas de sobreviventes, como eu, narrarem os horrores a que foram submetidas por agressores. Foi difícil escutar, por exemplo, que, quando o sistema penal entra em ação, a parte mais frágil do processo não é a vítima. “É sempre o réu”, me disse a juíza aposentada. “A vítima é uma depoente.”

Tirada de minha zona de conforto, eu tentava manter em mente que suas palavras, embora difíceis de engolir, abriam caminho para uma discussão necessária. A seletividade racista e a violação constante de direitos humanos básicos no sistema penal são fatos. Também são sua ineficácia como instrumento de promoção da harmonia social e de enfrentamento à violência contra a mulher, que continua a crescer apesar do endurecimento penal. O número de assassinatos de mulheres no Brasil é o maior da América Latina e bateu recorde em 2017, segundo dados do Ministério da Saúde – e o maior crescimento foi das mortes dentro de casa, típicas de casos de feminicídio. O Brasil é o pais com o maior número de assassinatos de mulheres na América Latina. Em 2018, o número de estupros no Brasil também atingiu seu pico, chegando a mais de 66 mil casos registrados em delegacia.

Para a juíza aposentada, a punição não ajuda agressores a entenderem os abusos que cometeram, nem a impedir que os repitam no futuro. Não há, porém, opção que não a via penal para sobreviventes que desejam tomar uma atitude em relação a esses homens. Isso porque, como coloca Karam, o foco na punição a transforma em objetivo final, impedindo a criação de mecanismos realmente transformadores. Queria saber que caminhos poderiam haver no futuro. Me mantive, então, aberta às palavras da ex-juíza, por mais difíceis que fossem de processar.

Aqui estão os principais trechos da conversa:

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Foto: Amichavy/The Intercept Brasil

Intercept – Parte do movimento feminista vem reivindicando a criação de uma série de leis penais, como a Lei Maria da Penha, apesar de ela ter um lado voltado à prevenção, a Lei do Feminicídio e a Lei de Importunação Sexual. Elas são um avanço no enfrentamento à violência contra a mulher?

Maria Lucia Karam – São um retrocesso. Os direitos das mulheres se inserem nos direitos fundamentais, e qualquer criminalização é sempre uma ameaça a esses direitos. Me parece absolutamente contraditório, paradoxal mesmo, pretender avançar por meio de um instrumento como o sistema penal, que, na sua própria natureza, fere direitos.

Como o sistema penal fere direitos?

O centro do sistema penal é a prisão, então já começa por privar as pessoas da liberdade, que é um dos direitos fundamentais. Além disso, é profundamente estigmatizante, o que afeta a questão da igualdade. Você divide as pessoas entre o criminoso e o dito “cidadão de bem”. Lógico que a imensa maioria das condutas criminalizadas são negativas, que afetam direitos de terceiros. Mas todas as pessoas têm um lado bom e um lado mau.

Por pior que sejam as condutas cometidas, as pessoas mantêm sua dignidade, pelo simples fato de serem pessoas. Nesse sentido, todas as pessoas são iguais. E o sistema penal é profundamente desigual. É um sistema de poder que recai preferencialmente sobre as pessoas mais vulneráveis e que não serve para promover direitos. E os direitos das mulheres se baseiam fundamentalmente na promoção de direitos, não na retirada de direitos de terceiros.

A Lei Maria da Penha propõe mecanismos de conscientização, prevenção e acolhimento. Foram criados vários centros especializados de atendimento, com psicólogas, assistentes sociais e advogadas. Isso não é um avanço?

A criação de instituições com atendimento específico a mulheres que sofrem violência doméstica não surgiu com a Lei Maria da Penha. Iniciativa muito anterior aconteceu com a criação das Delegacias da Mulher em 1985. A lei apenas ampliou a previsão dessas instituições – que não dependem dela para serem desenvolvidas –, ao dispor que a União, os estados e os municípios pudessem criar esses centros, casas-abrigos, programas de enfrentamento à violência, centros de reabilitação para agressores, bem como delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados.

Os direitos das mulheres se baseiam fundamentalmente na promoção de direitos, não na retirada de direitos de terceiros.

Mas o foco na criminalização enfraquece a construção e o desenvolvimento dessas instituições. A reação punitiva, especialmente por sua visibilidade, força e rigor, tem sempre uma tendência monopolizadora. Ela projeta a falsa ideia de que, com a punição, o problema estaria resolvido, o que joga para um plano secundário outras formas mais eficazes, mas menos imediatistas e visíveis de enfrentar esse problema.

As feministas favoráveis ao endurecimento penal batem na tecla do poder simbólico da criminalização, que funcionaria como um selo do estado confirmando que a violência contra a mulher não é aceitável. Esse simbolismo tem efeitos práticos?

O que é simbólico não é real, então a própria palavra já mostra que não tem efeito prático. Esse argumento é uma das tentativas mais recentes de legitimar o sistema penal. Todas as tentativas anteriores fracassaram.

Primeiro, [a justificativa era] de que a pena iria dissuadir outras pessoas de praticarem crimes, o que a história do sistema penal, aplicado há mais de 200 anos, mostra que não funcionou. As pessoas não deixaram de cometer crimes. Pelo contrário, a criminalidade se tornou mais ampla. Então essa função de prevenção geral demonstradamente não funcionou.

É uma ideia absurda você ensinar alguém a viver em sociedade tirando essa pessoa da sociedade.

A outra justificativa era a de transformar o autor do crime. Também foi demonstrado que não funciona. A prisão, em geral, torna as pessoas mais desadaptadas ao convívio social. Até porque é uma ideia absurda você ensinar alguém a viver em sociedade tirando essa pessoa da sociedade. Não vai funcionar. O que a pessoa vai aprender é [como] viver na prisão. A prisão não serve para reeducar ninguém.

Verificado o fracasso dessas justificativas, se criou essa coisa da função simbólica. Pena é sofrimento. Você impor sofrimento a alguém da veiculação de uma determinada mensagem não me parece muito coerente com a luta por direitos fundamentais.

Como suas posições são recebidas, em geral, pelo movimento feminista?

Tem muita gente que não gosta. Até mesmo na Defensoria Pública de São Paulo, quando falei [sobre isso], a repercussão foi péssima. A defensoria tem um núcleo especializado [no atendimento a mulheres que sofreram violência]. Foi horrível. Não tem cabimento a Defensoria Pública acusar. Um núcleo de acolhimento de mulheres vítimas de violência deveria estar no Ministério Público. A defensoria é para defender – inclusive o autor de estupro, o autor de qualquer violência contra mulheres. Parece um desvio de função. Mas tem muita gente nos movimentos feministas que tem essa consciência antipunitivista.

Você já argumentou que o desejo punitivista de quem exige rigor penal contra os responsáveis pela violência contra a mulher acaba reafirmando a ideologia patriarcal. Pode falar mais sobre isso?

Eu falei isso a partir de um exemplo da Lei Maria da Penha que inferioriza a mulher em relação a outras vítimas de lesões corporais. Em caso de lesões leves, o Ministério Público só pode agir se as vítimas manifestarem vontade – é o que a gente chama de representação – e todas podem desistir. O Ministério Público não pode agir. No caso da Lei Maria da Penha, a mulher só pode desistir da representação em audiência com o Ministério Público. E aí o Supremo Tribunal Federal piorou as coisas. Decidiu que a ação penal no caso de violência doméstica seria sempre ação penal pública. Ou seja, a iniciativa do Ministério Público independe da vontade da vítima. Isso, para mim, é a afirmação da ideologia patriarcal. A mulher é uma coitadinha que não pode decidir sozinha. É o estado que decide o que é melhor para ela.

Retira a autonomia dela.

É, ainda que ela não queira processar o agressor, o estado é que decide. A decisão do Supremo, que tinha todo um discurso de defesa dos direitos das mulheres, foi na verdade uma afirmação da inferioridade das mulheres. Surpreendentemente, os movimentos feministas aplaudiram essa decisão. Esse desejo de punir chega a um ponto de cegueira, de não se perceber esse tipo de paradoxo.

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Para a juíza, quando a ação penal é proposta, a vítima deixa de ser a protagonista.

Foto: Amichavy/The Intercept Brasil

O advogado Filipe Knaak Sodré defende que o sistema penal nunca seria eficaz em proteger as mulheres por ser uma institucionalização da desigualdade de gênero. Um exemplo seria o escrutínio machista que as vítimas de estupro enfrentam ao terem suas histórias postas em dúvida por conta do horário em que estão na rua, por exemplo. Você concorda?

O preconceito que ainda se reflete na atuação dos agentes do sistema penal. E, na mais ampla defesa, você tem que considerar o que tiver que ser considerado para defender o réu. A partir do momento em que o sistema penal começa a agir, a parte mais frágil é sempre o réu. E, na defesa, você vai explorar tudo, incluindo o comportamento da vítima. O sistema penal facilita esse tipo de coisa.

Há casos no mundo de juízes que entenderam que o réu não era culpado de estupro, porque ele e a mulher eram conhecidos, ou porque ela não gritou na hora do abuso. Nos processos por estupro, a mulher não está numa situação tão ou até mais frágil do que o réu?

Quando é proposta a ação penal, a alegada vítima do estupro deixa de figurar como protagonista, já que o protagonismo se transfere para o estado – o Ministério Público. Digo que o réu e o investigado são a parte frágil, pois, do outro lado, figura o todo poderoso estado. A alegada vítima é uma depoente.

Os movimentos feministas aplaudiram essa decisão. Esse desejo de punir chega a um ponto de cegueira, de não se perceber esse tipo de paradoxo.

Ultimamente, tem acontecido uma supervalorização do depoimento da alegada vítima, muitas vezes se sustentando que sua palavra seria suficiente para uma condenação, o que contraria clássicas posturas garantidoras. Por que razão a mera palavra da alegada vítima seria mais crível do que uma negativa do réu? Não havendo outras provas que corroborem a palavra da alegada vítima, como muitas vezes acontece, não é possível a formação da certeza exigível para uma condenação.

No Brasil, o número de denúncias de estupro é gigante e, ainda assim, representa uma pequena parcela da real quantidade de casos. Poucos se transformam em processo e ainda menos terminam em condenação. Então, mesmo dentro do próprio paradigma penal, a lei não é eficaz. Você é a favor da descriminalização do estupro?

De qualquer conduta. Até do homicídio, que é pior do que o estupro. E descriminalização, é importante deixar claro, não significa aprovação. É deixar de tratar com prisão. Não quer dizer que seja uma coisa aprovável. A gente tem que ter algum mecanismo, não só de amparar a vítima como de ajudar o agressor a superar esse tipo de conduta. As reuniões, os cursos para o cara compreender. Especialmente nessas condutas de estupro e violência doméstica, o que é fundamental é mudar o pensamento dominante. Enquanto houver um pensamento dominantemente machista, essas condutas vão acontecer. A mentalidade não vai mudar porque tem uma lei penal dizendo que estupro é crime.

Em um artigo, você escreve que o sistema penal não é eficaz na prevenção de crimes e não alivia as dores de quem sofre perdas. Ele estimula sentimentos de vingança, criando novos sofrimentos.

A pena é a imposição de sofrimento. Você vai impor sofrimento não só ao autor do crime, como aos seus familiares. Em um primeiro momento, saber que alguém que te fez mal está sofrendo satisfaz um desejo de vingança, que é natural. Você está sofrendo e quer que ele sofra também. Mas isso não vai aliviar o seu sofrimento.

A Vera Pereira de Andrade argumenta que, se todos os furtos, abortos, ameaças, lesões e outras ilegalidades fossem punidas, basicamente toda a população seria criminalizada. O sistema judicial é seletivo por essência e seus alvos preferenciais são negros jovens e pobres. A ideia de reforma do sistema penal é uma ilusão?

Totalmente. Ele tem que ser seletivo. Se todo mundo que violou a lei penal fosse punido, é aquela ideia do conto do Machado de Assis, do Alienista: não vai sobrar ninguém para ser carcereiro.

Muito do debate da esquerda sobre encarceramento gira em torno da reforma prisional. Mas como tornar a prisão um local mais humano, se esse não é, por essência, o objetivo dela?

É perfeitamente válido você discutir e procurar mecanismos que reduzam a população prisional e melhores condições materiais, mas sabendo que são meros paliativos. Se você quer construir uma sociedade mais harmônica, não dá para trabalhar com esse poder do estado impor sofrimento. Mas isso não impede que até lá – porque esse é um objetivo mais distante – você reivindique também o mínimo de condições para as pessoas que sobrevivem nesses lugares. É menos pior uma prisão norueguesa do que aqui em Bangu.

Abolicionista desde os anos 80, juíza diz que a esquerda hoje é mais punitivista do que antes.

Abolicionista desde os anos 80, juíza diz que a esquerda hoje é mais punitivista do que antes.

Foto: Amichavy/The Intercept Brasil

O que é o abolicionismo penal?

A prisão nem sempre existiu. E, por pior que seja, é uma evolução. Antes, a pena era a morte ou castigos físicos. [A prisão] faz parte de um processo em que a humanidade vai buscando formas menos cruéis de tratar as pessoas que violam regras de boa convivência. Nesse processo, o caminho é no sentido de superar esse instrumento. Isso assusta as pessoas por conta da imagem de que a prisão resolve, de que se houve um determinada conduta negativa, desagradável, que você prendeu e resolveu. [Mas] essa pessoa voltará para a sociedade, de forma mais desadaptada e, portanto, mais apta a realizar mais condutas desagradáveis. Só punir cria outros problemas. Muitas vezes, desestrutura a família do preso e, se ele tiver filhos, a tendência é que essa desestruturação aumente as dificuldades deles no convívio social.

O mais importante é focalizar medidas que funcionem para prevenir e diminuir a ocorrência desses fatos e, quando acontecerem, privilegiar medidas que amparem quem sofreu e que tentem compreender por que aquela pessoa que agiu daquela forma negativa realizou essa conduta. Dar outras oportunidades para que essa pessoa viva de outra forma. Normalmente, quando se fala de abolicionismo, [perguntam]: “Sim, mas aí o que faz com ele [criminoso]?”. As pessoas não se conformam de não ter um castigo. Tem mil outras formas de resolver essas questões, como a própria justiça restaurativa. Nessa questão de violência doméstica, ela é perfeita, mas os movimentos feministas costumam rejeitar.

Pode explicar esse conceito?

É basicamente você botar o agressor e a vítima para conversarem – obviamente, com uma intermediação. Primeiro para que quem sofreu explique como está sofrendo, e que os agressores expliquem por que realizaram aquela conduta. Muitas vezes nenhum dos dois conseguiu compreender por que aconteceu aquela situação. E dessa conversa pode surgir uma proposta de como reparar o que aconteceu. Seja uma reparação financeira, um pedido de desculpas. .

Desde quando você se considera abolicionista?

Desde a década de 80.

Esse debate continua sendo tão controverso e a esquerda segue tão punitivista quanto nessa época?

É até mais punitivista. Só critica quando é contra seus amigos. Quando é contra seus inimigos, vale tudo. Nos anos 80, pouco se discutia a respeito do sistema penal dentro da esquerda. Primeiro, tem um abandono de uma perspectiva de transformação social por uma coisa de assumir funções no aparelho de estado. Então tem muito a ver com campanhas eleitorais, que aí o discurso de segurança assume uma importância. Eu não vejo muita diferença entre esquerda e direita em matéria de punitivismo. Cada um tem lá seus inimigos e quer puni-los.

O tipo de mudança cultural e estrutural que você mencionou leva tempo. Como que a descriminalização funcionaria a curto prazo?

O sistema penal não vai acabar a curto prazo. A proposta é de construção de uma outra sociedade. É evidente que não vai acontecer amanhã. O que tem que se fazer é falar dentro dessa perspectiva futura, não importa que seja daqui a séculos, porque [se não falar] aí é que não vai acontecer, mesmo. O de imediato são medidas fundamentais para reduzir o sistema penal. Por exemplo, é fundamental a legalização do comércio e do consumo de todas as drogas. E, de modo nenhum, tentar aumentar [os tipos penais].

É uma grande fantasia achar que o sistema penal se preocupa com as vítimas.

Vem daí minha crítica à esquerda punitiva, aos movimentos feministas e outros movimentos. Não me parece cabível você querer acabar com uma coisa e, no caminho para acabar essa coisa, aumentá-la. É um paradoxo. Tem pessoas que se dizem abolicionistas, mas querem punir.

A Angela Davis explica que a prisão é vista como “um fato inevitável da vida, como o nascimento e a morte”, por isso seu fim parece impensável. Muitos leitores vão comentar que você está defendendo bandido ou relativizando a violência contra a mulher. Como debater um assunto que desperta tantos ânimos?

Insistindo em falar. É uma grande fantasia achar que o sistema penal se preocupa com as vítimas. Ele focaliza no agressor e coloca todas as suas energias para puni-lo. A vítima fica para lá, não recebe assistência nenhuma. O estado acha que, punindo o agressor, já deu uma satisfação. Ela também é desprezada pelo sistema penal. Sem o sistema penal, talvez ela receba assistência. Esse é um discurso muito manipulador. Não tem essa preocupação real com a vítima.

Como desconstruir esse foco no castigo, que é anterior ao sistema penal?

Questionando o que o castigo resolve e deixando a pessoa responder. Falando da forma mais simples: quero acabar ou pelo menos diminuir as coisas ruins. Aí, para acabar com as coisas ruins, eu faço uma coisa ruim?

Mas isso entra na ideia de que a pessoa que faz coisas ruins passa a merecer um outro ato ruim.

Mas aí você multiplica os atos ruins, em vez de diminuí-los. Não tem lógica, não vai resolver, porque a coisa ruim já aconteceu. Num homicídio, que é a pior coisa, você não traz a vítima de volta ao prender o autor. Você tem que tentar diminuir o sofrimento das pessoas que perderam a vítima, com apoio psicológico. Prender não vai mudar nada. Eu ia tentar conversar por aí.

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