JoĂŁo Filho

Treta no PSL: Bolsonaro prometeu ordem no Brasil, mas nem militares e PMs seguram o caos do governo

O jogo de cena serviu para fazer parecer que os bolsonaristas estĂŁo insatisfeito com a lama do PSL. NĂŁo estĂŁo.

Treta no PSL: Bolsonaro prometeu ordem no Brasil, mas nem militares e PMs seguram o caos do governo

Deputado Delegado Waldir durante durante sessão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Cùmara dos Deputados.

Deputado Delegado Waldir durante durante sessão na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Cùmara dos Deputados.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/AgĂȘncia Brasil

O Brasil parou para acompanhar uma grotesca briga pelo controle do PSL nessa semana. O baixo clero recém-empoderado pautou o país ao protagonizar uma disputa pelo controle do partido de aluguel que abrigou o bolsonarismo. Estão em jogo os R$ 350 milhÔes do fundo partidårio do PSL para as eleiçÔes do ano que vem.

A treta foi feia, cheia de ataques, espionagens, grampos, ameaças e xingamentos entre os representantes da chamada nova polĂ­tica. O racha nĂŁo se deu por divergĂȘncias ideolĂłgicas ou programĂĄticas, mas por grana e poder. Bem vindos Ă  “nova era”.

A briga começou bem ao estilo bolsonarista de fazer polĂ­tica: com uma fofoquinha de rua, em frente ao PalĂĄcio. Um fĂŁ abordou Bolsonaro na rua e gravou um vĂ­deo-selfie gritando “Bivar e Bolsonaro, juntos por uma nova Recife”. O presidente entĂŁo pediu para o rapaz nĂŁo divulgar o vĂ­deo, porque o presidente do PSL, o deputado federal Luciano Bivar, estava “queimado pra caramba”. TrĂȘs dias depois, coincidentemente — e acredita nessas coincidĂȘncias de Sergio Moro quem quiser —, a PolĂ­cia Federal iniciou uma operação relĂąmpago contra Bivar, baixando em sua casa para cumprir uma busca e apreensĂŁo. Estava instaurada a crise no PSL, que rachou e ficou dividido entre duas alas: os bolsonaristas, que desejam continuar seguindo o presidente como o gado segue o berrante, e os bivaristas, que passaram a questionar a deslealdade de Bolsonaro e apoiar Bivar.

Os bolsonaristas passaram a cogitar publicamente uma mudança de partido, mas era sĂł mais um conversa para gado dormir, jĂĄ que a mudança resultaria na perda dos mandatos. O jogo de cena serviu apenas para forjar um conflito entre a velha e a nova polĂ­tica, e fazer parecer que os bolsonaristas estĂŁo insatisfeitos com a lama do PSL. NĂŁo estĂŁo. Tanto Ă© verdade que o ministro do Turismo, que estĂĄ mais envolvido no laranjal do PSL que o prĂłprio Bivar, continua prestigiadĂ­ssimo no cargo. TĂŁo prestigiado que nĂŁo foi suspenso nem apĂłs ser acusado de ameaçar de assassinato a deputada do PSL que dedurou o esquema de laranjas. A Ășnica intenção de Bolsonaro e sua turma Ă© pegar a chave do cofre do partido.

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O presidente da RepĂșblica planejou um golpe contra o presidente do PSL. Um golpe ridĂ­culo, com traços de comĂ©dia-pastelĂŁo, mas que tambĂ©m utilizou tĂĄticas de milĂ­cia. Uma operação para substituir o lĂ­der do partido na CĂąmara, Delegado Waldir, pelo seu filho, Eduardo Bolsonaro, foi iniciada. O presidente passou a ligar para os correligionĂĄrios, pressionando-os a assinar o requerimento que colocava o seu filhote no lugar do delegado.

O PSL tem 53 deputados. Para trocar o líder, é necessårio ter apoio de mais da metade da bancada. Eduardo conseguiu juntar 27 assinaturas e chegou a dar entrevistas como líder do PSL. A Record, braço midiåtico do bolsonarismo, informou que o delegado jå teria até limpado sua mesa no gabinete da liderança. Logo em seguida, Waldir apareceu com uma lista com 32 assinaturas a favor da manutenção da sua liderança. A Secretaria-Geral da Cùmara dos Deputados confirmou a vitória do delegado.

Juntando as duas listas, havia 59 assinaturas, seis a mais que a bancada inteira do partido. É que quatro deputados assinaram as duas listas. DifĂ­cil dizer se isso foi resultado de bagunça ou de picaretagem. No caso especĂ­fico de Daniel Silveira, do Rio, nĂŁo se pode dizer que foi picaretagem. Ele admitiu ter se inflitrado no grupo bivarista fingindo ser aliado para poder espionĂĄ-lo – tudo sob a orientação de Eduardo Bolsonaro e a conivĂȘncia do presidente da RepĂșblica. O ex-policial militar assinou a lista de apoio a Waldir somente para os bivaristas nĂŁo desconfiarem da sua crocodilagem. NĂŁo se poderia esperar nada diferente de Daniel Silveira, o pitboy que se destacou no cenĂĄrio polĂ­tico nacional da forma mais asquerosa e covarde possĂ­vel: destruindo a placa de uma vereadora assassinada pela milĂ­cia.

Silveira foi alĂ©m: gravou conversas dos bivaristas e as levou ao Planalto para a apreciação do ex-capitĂŁo, que decidiu vazar tudo para a imprensa. Nos ĂĄudios, o delegado Waldir aparece aos palavrĂ”es, chamando Bolsonaro de “vagabundo” e ameaçando vazar um ĂĄudio dele que o “implodiria”. O deputado Felipe Francischini foi gravado dizendo que Bolsonaro foi quem “começou a fazer a putaria toda, falando que todo mundo Ă© corrupto. (…) a gente foi tratado que nem cachorro desde que ele ganhou a eleição. Nunca atendeu a gente em porra nenhuma. (
) SĂł liga na hora que precisa de favor para foder com alguĂ©m.”

Esse palavreado varzeano é uma das características desse novo jeito de fazer política do PSL. Por mais que o Brasil jå tenha vivido discussÔes políticas bastantes acaloradas, jamais se viu o decoro parlamentar ser pisoteado dessa maneira. O partido que se diz defensor dos valores tradicionais da família brasileira tornou o xingamento e o baixo calão um novo padrão de comportamento na política.

NĂŁo Ă© de hoje. Os parlamentares do PSL nem haviam tomado posse, mas jĂĄ protagonizavam uma sĂ©rie de barracos entre si. De lĂĄ pra cĂĄ, como em um reality show, toda semana temos uma briga nova com muita baixaria. Ainda durante as eleiçÔes, Alexandre Frota, que estava em campanha pelo PSL, chamou Joice, sua colega de partido, de “biscate” e “ratazana”. Semana passada, Carluxo – que nem Ă© do PSL, mas age como se fosse dono do partido do papai – chamou o lĂ­der do partido no Senado, Major OlĂ­mpio, de “canalha” e “cadela no cio”. Essa semana, Joice fez insinuaçÔes sobre a sexualidade de Filipe Martins, assessor especial da presidĂȘncia. Perceba que a violĂȘncia verbal nĂŁo aparece em casos isolados, mas faz parte da cultura do bolsonarismo. É a cultura do enfrentamento, dos ataques, da lacração, do bang bang, das milĂ­cias. É o reflexo do desprezo que os seus adeptos tĂȘm pela democracia.

Mas voltemos Ă  briga entre bivaristas e bolsonaristas. Luciano Bivar se vingou de Bolsonaro destituindo FlĂĄvio e Eduardo do comando do partido no Rio e em SĂŁo Paulo. A bolsonarista Bia Kicis tambĂ©m foi destituĂ­da do comando do PSL do Distrito Federal. Em pouco mais de 24 horas, Bolsonaro perdeu a liderança do partido na CĂąmara e o comando do partido nos trĂȘs principais estados do paĂ­s. O presidente decidiu entĂŁo retirar Joice Hasselmann da liderança do governo da CĂąmara e colocou no lugar, vejam sĂł, um emedebista da ala de Renan Calheiros, Romero JucĂĄ e EunĂ­cio de Oliveira. Os caminhos da nova polĂ­tica nos leva a lugares inimaginĂĄveis.

O modo intimidador como o presidente da RepĂșblica tratou seus correligionĂĄrios causou incĂŽmodo. Em um dos ĂĄudios vazados, a deputada Professora Dayane Pimentel disse que Bolsonaro fez uma proposta irrecusĂĄvel aos parlamentares: “Assina, senĂŁo Ă© meu inimigo”. Parece mais uma ação de chefe de milĂ­cia do que de presidente da RepĂșblica. Joice Hasselmann, a ex-lĂ­der do governo que votou contra a vontade do governo na escolha do lĂ­der do PSL, afirmou que o gabinete da presidĂȘncia foi transformado em “instrumento de coação”. Bolsonaro usou o poder do cargo para coagir parlamentares a contribuĂ­rem com o seu golpe dentro do PSL.

Bolsonaro começou o governo com uma boa base de apoio que, aos poucos, foi perdendo com seu autoritarismo e deslealdade. É um presidente diferente de todos os outros, que renega a política, que não se preocupa em formar maioria para poder governar. O bolsonarismo está tentando implantar uma cultura miliciana na política brasileira, mas pode ser engolido por ela.

O PSL é a sigla que juntou outsiders reacionårios com políticos veteranos do baixo clero que, malandramente, resolveram abraçar o discurso da antipolítica. Os ataques de Bolsonaro contra seu próprio partido, usando tåticas de milícia virtual, é também um ataque à representatividade democråtica. Hå quem ainda não percebeu, mas o bolsonarismo é um projeto de destruição da democracia. Mas tudo leva a crer que o chimpanzé presidencial e os seus aliados, cada vez menos numerosos, se auto-implodirão antes de cumprir essa tarefa.

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