João Filho

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A turma protegida pela Lava Jato: bancos, FHC, Guedes, Álvaro Dias e Onyx

Vaza Jato revela como a força-tarefa usou dois pesos e duas medidas nas investigações.

A turma protegida pela Lava Jato: bancos, FHC, Guedes, Álvaro Dias e Onyx

Palestra de Deltan Dallagnol

Foto: Marcelo Justo/Folhapress

A Lava Jato foi muito bem sucedida em vender a imagem de imparcial e implacável contra a corrupção. Os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro se empenharam para manter a opinião pública acreditando nisso, como ficou claro pelas publicações da Vaza Jato. Hoje, sabemos que a operação não era nem tão imparcial, nem tão implacável contra a corrupção assim. Alguns políticos e setores econômicos contaram com a leniência dos procuradores.

Lula, por exemplo, era uma obsessão, um alvo a ser eliminado da corrida eleitoral nem que para isso fosse necessário infringir a lei. Já FHC era visto como um “apoio importante”, cujas denúncias deveriam ser tratadas com muito cuidado. Esses são os casos mais simbólicos, mas uma infinidade de exemplos que indicam que a força-tarefa trabalhava com dois pesos e duas medidas.

Nos últimos três meses, a Vaza Jato deu luz a alguns dos protegidos pela Lava Jato. Trago a seguir um compilado com algumas das figuras que contaram com uma abordagem, digamos assim, mais carinhosa.

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Bancos

Diálogos publicados pela parceria entre Intercept e El País revelam que a Lava Jato tinha um cuidado especial com o setor bancário. Enquanto a construção civil foi devassada pela operação, ampliando a crise econômica e o desemprego do país, os grandes bancos foram poupados. Mesmo sabendo que o setor bancário é o meio pelo qual o dinheiro de corrupção circula, a Lava Jato pouco fez contra ele. Os grandes bancos continuaram a lucrar com a roubalheira.

“O Banco, na verdade os bancos, faturaram muuuuuuito com as movimentações bilionárias dele”, escreveu o procurador Pozzobon em mensagem enviada aos colegas. O banco citado é o Bradesco, e as movimentações milionárias são de Adir Assad, um lobista condenado por lavagem de dinheiro e envolvido em diversos casos de corrupção. Os procuradores sabiam que o Bradesco tinha ciência de que o lobista possuía uma conta no banco para lavar dinheiro “a rodo”. Na sequência da conversa, Pozzobon responde a sua própria pergunta: “E o que o Bradesco fez? Nada”.

Sabendo que o Bradesco lucrava calado com a corrupção do doleiro, o que a Lava Jato fez? Nada também. O banco saiu impune.

Na proposta de delação premiada do ex-ministro Palocci entregue à força-tarefa, o nome do Bradesco aparece 32 vezes. O do banco Safra aparece outras 71. Mas a delação foi rejeitada pelo Ministério Público. O procurador Carlos Fernando Lima a chamou de “fim da picada” por não trazer provas suficientes. O fato causou estranhamento à época, porque, como se sabe, falta de provas nunca foi um problema para a Lava Jato. Agora ficou mais fácil entender por que a delação de Palocci não caiu nas graças dos lavajatistas.

Se houvesse uma Lava Jato da Lava Jato, as palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente configuradas como propinas em troca de proteção nas investigações.

Dallagnol também mostrava-se preocupado em poupar os bancos nas investigações. Diferentemente das grandes construtoras, que não saíam das manchetes de corrupção e tinham seus executivos presos, os bancos contaram com a morosidade da Lava Jato. Nos diálogos com procuradores, Dallagnol deixou claro que os bancos não sofreriam uma devassa, mas receberiam propostas de acordo: “Fazer uma ação contra um banco pedindo pra devolver o valor envolvido na lavagem, ou, melhor ainda, fazer um acordo monetário, é algo que repercutiria muito, mas muito, bem”. Toda aquela volúpia punitivista contra as construtoras não era a mesma para os bancos.

Mas estamos falando dos grandes. Os pequenos bancos não contavam com a mesma benevolência. Em maio deste ano, quando três executivos do Banco Paulista foram presos, Pozzobon deixou claro que a estratégia era pegar leve com os grandes. Enquanto os pequenos tinham seus executivos indo para cadeia, aos grandes seriam oferecidos acordos: “Chutaremos a porta de um banco menor, com fraudes escancaradas, enquanto estamos com rodada de negociações em curso com bancos maiores. A mensagem será passada!”

Nessa mesma época, Dallagnol enchia o seu pé de meia dando palestras para CEOs dos grandes bancos do país. Em apenas uma palestra vendida para a Febraban, o procurador recebeu quase o mesmo valor de um mês de salário. Essa palestra foi feita um dia depois de Pozzobon afirmar no Telegram que o Bradesco sabia que a conta de Assad servia para lavagem de dinheiro. O tema da palestra? Prevenção e combate à…lavagem de dinheiro.

Se houvesse uma Lava Jato da Lava Jato, as palestras de Dallagnol para os bancos seriam tranquilamente configuradas como propinas em troca de proteção nas investigações. Nós conhecemos bem os métodos lavajatistas. Dallagnol já teria sofrido até mesmo uma condução coercitiva.

A turma protegida pela Lava Jato: bancos, FHC, Guedes, Álvaro Dias e Onyx

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

FHC

Fernando Henrique Cardoso também não conheceu o lado implacável da Lava Jato. Os procuradores não investigaram mais profundamente os casos de corrupção envolvendo o ex-presidente e seu governo. E não foram poucas as vezes que o nome do ex-presidente apareceu nas investigações.

A ordem veio de Sergio Moro, que recomendou a Dallagnol que não prosseguisse com as investigações contra FHC para não “melindrar alguém cujo apoio é importante”. Como os desejos de Moro soavam como ordens para Dallagnol, as investigações foram engavetadas.

Uma operação de caráter essencialmente político precisava articular alianças políticas e usava o seu poder para protegê-las. Não foi à toa que recentemente FHC chamou as publicações da Vaza Jato de “tempestade em copo d`água”. A aliança segue firme.

Álvaro Dias

Durante as investigações, o nome de Álvaro Dias, do Podemos, surgiu em dois episódios como beneficiário de propinas. Em um deles, o ex-candidato a presidente foi acusado de receber propina para ajudar a melar a CPI da Petrobrás. O senador chegou a prestar depoimento para Moro em 2017 sobre o caso, mas o ex-juiz e o então procurador Diogo Castor pegaram tão leve que nem chegaram a perguntar se ele havia recebido a propina.

Em outro episódio, e-mails do advogado da Odebrecht Rodrigo Tacla Durán indicavam que Álvaro Dias teria recebido R$ 5 milhões em propina para pegar leve nas perguntas aos investigados na CPMI de Carlos Cachoeira, o empresário do jogo do bicho. O caso não mereceu uma investigação mais profunda, e Dias jamais virou um investigado.

Em 2014, um doleiro condenado pela Lava Jato estava prestes a apontar Álvaro Dias como o padrinho político de Alberto Youssef, outro doleiro também condenado pela operação. Em depoimento, o doleiro passou a descrever quem seria o seu padrinho, mas foi interrompido pelo juiz Sergio Moro: “A gente não está entrando nessas identificações, doutor”. O doleiro quis continuar, disse que não estava “citando nomes”, mas o juiz interrompeu novamente: “Se a gente for descrever e falar as características, daí não precisa falar o nome, né?” O UOL entrou em contato com o advogado de Meirelles, que confirmou que o padrinho político de Youssef era mesmo Álvaro Dias.

Depois de ser poupado pela operação em várias oportunidades, o senador passou a última campanha presidencial inteira tendo como principal bandeira a defesa da Lava Jato. Prometeu até o cargo de ministro da Justiça para Sergio Moro.

A simbiose entre Álvaro Dias e Lava Jato é mesmo fascinante. Até a nova assessora de imprensa contratada por Sergio Moro, por exemplo, trabalhou durante muitos anos com Álvaro Dias no Senado.

Paulo Guedes

A força-tarefa descobriu que uma empresa do ministro fez pagamento a um escritório de fachada, suspeito de lavar dinheiro para esquema de distribuição de propinas a agentes públicos no governo do Paraná. Segundo os investigadores, essa empresa de fachada emitia notas fiscais frias para justificar o recebimento de dinheiro e gerava recursos em espécie para o pagamento de propinas. Uma denúncia sobre o caso chegou a ser apresentada, mas nem o ministro nem ninguém da sua empresa foi denunciado. Curiosamente, os responsáveis por outras duas empresas que participaram do esquema foram presos, denunciados e viraram réus.

Carlos Felisberto Nasser, o operador do esquema, era o responsável pela empresa de fachada que recebeu grana de Paulo Guedes. Durante buscas da Polícia Federal na sua casa, Nasser confessou que a sua empresa não existia e que os recursos colocados nela foram usados em campanhas políticas. Mas, em junho de 2018, poucos meses do início da campanha presidencial, Sergio Moro anulou esse depoimento. O juiz declarou que o interrogatório foi ilegal, porque o acusado não foi informado pelo MPF que tinha o direito de ficar calado. Detalhe: Nasser é advogado. É o tipo de prudência que não se espera de um juiz conhecido por infringir a lei reiteradamente.

À época da descoberta, Guedes já era o grande nome da campanha do Bolsonaro, apresentado como o fiador da política liberal do candidato. Era o homem que tornou a extrema direita palatável para o mercado. Uma denúncia contra Guedes seria avassaladora para Bolsonaro, que passou a campanha explorando o fato de estar distante dos acusados na Lava Jato. Ou seja, se por um lado a operação se esforçava em tirar Lula do páreo, por outro poupava a candidatura que levaria Sergio Moro ao ministério da Justiça. Registre-se que foi Guedes quem convidou Sergio Moro pessoalmente para integrar o governo.

Paulo Guedes debate a reforma da Previdência na CCJ da Câmara

Os ministros da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e da Economia, Paulo Guedes.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Onyx Lorenzoni

Você já conhece esse episódio. É talvez o mais representativo da frouxidão moral de Sergio Moro e da seletividade da Lava Jato.

Ainda juiz, Moro disse que “caixa 2 é pior que corrupção”. Depois que virou político e seu colega de governo Onyx Lorenzoni, do Democratas,, confessou ter cometido crime de caixa 2, Moro passou a dizer que “caixa dois não é tão grave quanto corrupção”.

A Vaza Jato revelou que Onyx, que ocupa o ministério mais importante do governo Bolsonaro, também contou com a tolerância dos procuradores da operação. Em diálogo com um militante de um movimento anticorrupção, Dallagnol confessou que sabia que Onyx aparecia na lista de beneficiários de caixa 2 da Odebrecht: “Já sabia, mas tinha que fingir que não sabia, o que foi na verdade bom… rs”.

Dallagnol não apresentou nenhuma denúncia contra Lorenzoni. Varrer essa corrupção para debaixo do tapete seria estratégico, já que o deputado era considerado o principal aliado político da campanha pelas “Dez medidas contra a corrupção” — uma obsessão de Dallagnol. Se o Brasil tem hoje um chefe da Casa Civil reincidente em caixa 2, é graças à passada de pano da Lava Jato.

 

A implacabilidade da Lava Jato contra a corrupção era seletiva. Para alguns setores econômicos e políticos ela atuava como um “tigrão”, mas para outros estava mais para “tchuchuco”. A operação selecionava os casos de corrupção que iria combater a partir dos seus próprios critérios políticos. O brasileiro que achou que a Lava Jato estava passando o Brasil a limpo foi enganado.

Dallagnol e Sergio Moro se viam numa jornada messiânica para salvar o Brasil. Tentaram derrubar ministro do STF, fizeram lobby para emplacar PGR, influenciaram a campanha presidencial, enfim, brincaram de Deus. Mas não é o Deus cristão. É um mais parecido com aquele do Bolsonaro. Um Deus que deseja criar um monumento para si. Um Deus acima de tudo, com viés ideológico.

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