O procurador Marcus Marcelus Gonzaga Goulart, do Ministério Público Federal, requereu à justiça o arquivamento de dois pedidos de censura ao Intercept. Um deles foi feito por um político do PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal cearense Heitor Freire, e, o outro, por alguém que pediu sigilo sobre a identidade.
Para o procurador, “a publicação de matéria jornalística, em regra, não é passível de investigação criminal num Estado Democrático de Direito, tendo em conta a proteção constitucional à liberdade de informação jornalística e ao sigilo da fonte”.
“Um Estado Democrático de Direito pressupõe ampla liberdade de imprensa para divulgação de informações de interesse público”, prosseguiu Goulart, que atua na procuradoria de Combate ao Crime e à Improbidade Administrativa do Distrito Federal. Para ele, a proibição da divulgação de uma notícia configuraria censura, vedada expressamente pelo artigo 220 da Constituição Federal de 1988.
Os argumentos invocados pelo político do PSL e seu colega anônimo remontam aos tempos da ditadura: a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança Nacional, além da perturbação da ordem pública, alarme social e abalo às instituições nacionais.
Para o procurador, a Lei de Imprensa “é incompatível com a atual ordem constitucional, por não se harmonizar com os princípios democráticos e republicanos presentes na Carta Magna, como o direito à livre manifestação de pensamento”, como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Criada na ditadura militar, a Lei de Imprensa determinava que jornalistas e veículos de comunicação poderiam ser punidos com multa e prisão se publicassem, por exemplo, conteúdos que ofendessem a “moral pública e os bons costumes”. Se os alvos fossem o presidente ou outras autoridades, a pena poderia ser um terço maior. O Supremo a derrubou em 2009.
“Deve ser assegurado pelo Estado, desse modo, o exercício pleno da função jornalística, independentemente da qualidade do conteúdo ou dos agentes que estejam sendo veiculados. A ordem constitucional vigente, portanto, assegura uma imprensa livre, diversa e plural no que tange às ideias, pensamentos e informações”, argumentou Goulart.
O procurador também afirmou que não há evidências que sugiram que os jornalistas se envolveram na captação ilícita dos diálogos divulgados. O Intercept já falou sobre isso no editorial publicado no início da série: nosso único papel foi receber o material de uma fonte contatada semanas antes da primeira publicação.
Goulart ainda lembrou que o conteúdo das matérias publicadas se refere a pessoas que ocupam cargos públicos – e estão, portanto, “naturalmente mais expostas ao trabalho da imprensa”.
“Aliás, o papel da imprensa, de uma forma geral, não é bater palmas e rasgar elogios para a atuação de governos, instituições e agentes públicos. Onde a imprensa é livre é mais comum que matérias jornalísticas procurem expor erros, problemas e desvios de rota das organizações estatais, ainda que eventualmente cometam abusos e excessos. É melhor o Estado lidar com os eventuais abusos da liberdade de imprensa que limitar a atividade jornalística e a livre manifestação do pensamento”, ele escreveu.
“Nada há nos autos que sugira o envolvimento dos profissionais de comunicação na captação ilícita dos diálogos divulgados. Outro ponto a ser destacado é que o conteúdo das matérias se refere a pessoas que ocupam cargos públicos e, nesta condição, estão naturalmente mais expostas ao trabalho da imprensa”, afirmou Goulart. “O que não se admite é abrir uma investigação própria e específica para investigar a publicação por si só.”
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