Exclusivo: Procuradores da Lava Jato tramaram em segredo para impedir entrevista de Lula antes das eleiçÔes por medo de que ajudasse a ‘eleger o Haddad’

‘Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!’

Exclusivo: Procuradores da Lava Jato tramaram em segredo para impedir entrevista de Lula antes das eleiçÔes por medo de que ajudasse a ‘eleger o Haddad’

As mensagens secretas da Lava Jato

Parte 2

Série de reportagens que revelaram atitudes controversas, politizadas e legalmente duvidosas da força-tarefa da Lava Jato, coordenada pelo procurador renomado Deltan Dallagnol, em colaboração com o ex-juiz, Sergio Moro.


Um extenso lote de arquivos secretos revela que os procuradores da Lava Jato, que passaram anos insistindo que são apolíticos, tramaram para impedir que o Partido dos Trabalhadores, o PT, ganhasse a eleição presidencial de 2018, bloqueando ou enfraquecendo uma entrevista pré-eleitoral com Lula com o objetivo explícito de afetar o resultado da eleição.

Os arquivos, a que o Intercept teve acesso com exclusividade, contĂȘm, entre outras coisas, mensagens privadas e de grupos da força-tarefa no aplicativo Telegram. Neles, os procuradores da força-tarefa em Curitiba, liderados por Deltan Dallagnol, discutiram formas de inviabilizar uma entrevista do ex-presidente Luiz InĂĄcio Lula da Silva Ă  colunista da Folha de S.Paulo MĂŽnica Bergamo, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski porque, em suas palavras, ela “pode eleger o Haddad” ou permitir a “volta do PT” ao poder.

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Os procuradores, que por anos garantiram nĂŁo ter motivaçÔes polĂ­ticas ou partidĂĄrias, manifestaram repetidamente nos chats a preocupação de que a entrevista, a ser realizada a menos de duas semanas do primeiro turno das eleiçÔes, ajudaria o candidato Ă  PresidĂȘncia pelo PT, Fernando Haddad. Por isso, articularam estratĂ©gias para derrubar a decisĂŁo judicial de 28 de setembro de 2018, que a liberou – ou, caso ela fosse realizada, para garantir que fosse estruturada de forma a reduzir seu impacto polĂ­tico e, assim, os benefĂ­cios eleitorais ao candidato do PT.

Essas discussĂ”es ocorreram no mesmo dia em que o STF acatou o pedido de entrevista da Folha de S.Paulo. Conforme noticiado no Consultor JurĂ­dico: “Na decisĂŁo, o ministro [Ricardo Lewandowski] citou que o PlenĂĄrio do STF garantiu ‘a ‘plena’ liberdade de imprensa como categoria jurĂ­dica proibitiva de qualquer tipo de censura prĂ©via'”.

Os diĂĄlogos demonstram que os procuradores nĂŁo sĂŁo atores apartidĂĄrios e apolĂ­ticos, mas, sim, parecem motivados por convicçÔes ideolĂłgicas e preocupados em evitar o retorno do PT ao poder. As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anĂŽnima hĂĄ algumas semanas (bem antes da notĂ­cia da invasĂŁo do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana, na qual o ministro afirmou que nĂŁo houve “captação de conteĂșdo”). O Ășnico papel do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que jĂĄ havia obtido todas as informaçÔes e estava ansiosa para repassĂĄ-las a jornalistas. A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil (clique para ler o texto completo) explica os critĂ©rios editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo nosso mĂ©todo para trabalhar com a fonte anĂŽnima.

‘Pode eleger o Haddad’

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Lula, preso pela Lava Jato desde abril de 2018, faria “palanque na cadeia”, “um verdadeiro circo”, caso fosse entrevistado pela Folha de S. Paulo. “Que piada!!! Revoltante!!!”, ela exclamou. Foto: Andressa Anholete/AFP/Getty Images

Naquele dia, a comoção teve inĂ­cio Ă s 10h da manhĂŁ, assim que o grupo soube da decisĂŁo de Lewandowski. O ministro ressaltou que os argumentos usados para impedir a entrevista de Lula na prisĂŁo eram claramente invĂĄlidos, uma vez que com frequĂȘncia entrevistas sĂŁo “concedidas por condenados por crimes de trĂĄfico, homicĂ­dio ou criminosos internacionais, sendo este um argumento inidĂŽneo para fundamentar o indeferimento do pedido de entrevista”. Assim, levando em conta que Lula “nĂŁo [se encontra] em estabelecimento prisional, em que pode existir eventual risco de rebeliĂŁo” e tampouco “se encontra sob o regime de incomunicabilidade”, o ministro decidiu em favor da entrevista.

Um clima de revolta e pùnico se espalhou entre os procuradores. Acreditando se tratar de uma conversa privada que jamais seria divulgada, eles deixaram explícitas suas motivaçÔes políticas.

A procuradora Laura Tessler logo exclamou: “Que piada!!! Revoltante!!! LĂĄ vai o cara fazer palanque na cadeia. Um verdadeiro circo. E depois de MĂŽnica Bergamo, pela isonomia, devem vir tantos outros jornalistas… e a gente aqui fica sĂł fazendo papel de palhaço com um Supremo desse… ”.

‘ando muito preocupada com uma possivel volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve’.

Uma outra procuradora, Isabel Groba, respondeu com apenas uma palavra e vĂĄrias exclamaçÔes: “Mafiosos!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”.

ApĂłs uma hora, Tessler deixou explĂ­cito o que deixava os procuradores tĂŁo preocupados: “sei lĂĄ…mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad”.

Enquanto essas mensagens eram trocadas no grupo dos procuradores da Lava Jato, Dallagnol estava conversando em paralelo com uma amiga e confidente identificada no seu Telegram apenas como ‘Carol PGR’ (cuja identidade nĂŁo foi confirmada pelo Intercept). Lamentando a possibilidade de Lula ser entrevistado antes das eleiçÔes, os dois estavam expressamente de acordo que o objetivo principal era impedir o retorno do PT Ă  presidĂȘncia e concordaram que rezariam para que isso nĂŁo ocorresse.


Carol PGR – 11:22:08 Deltannn, meu amigo
Carol PGR – 11:22:33 toda solidariedade do mundo Ă  vocĂȘ nesse episĂłdio da Coger, estamos num trem desgovernado e nĂŁo sei o que nos espera
Carol PGR – 11:22:44 a Ășnica certeza Ă© que estaremos juntos
Carol PGR – 11:24:06 ando muito preocupada com uma possivel volta do PT, mas tenho rezado muito para Deus iluminar nossa população para que um milagre nos salve
Deltan Dallagnol – 13:34:22 Valeu Carol!
13:34:27 Reza sim
13:34:32 Precisamos como paĂ­s


 

NĂŁo se trata de uma confissĂŁo isolada. Toda a discussĂŁo, que se estendeu por vĂĄrias horas, parece mais uma reuniĂŁo entre estrategistas e operadores anti-PT do que uma conversa entre procuradores supostamente imparciais.

Descartada a possibilidade de impedir a entrevista, eles passaram a debater qual formato traria menos benefícios políticos para Lula: uma entrevista a sós com Mînica Bergamo, ou uma coletiva de imprensa com vários jornalistas. Januário Paludo, por exemplo, propîs as seguintes medidas: “Plano a: tentar recurso no próprio stf, possibilidade Zero. Plano b: abrir para todos fazerem a entrevista no mesmo dia. Vai ser uma zona mas diminui a chance da entrevista ser direcionada.”

Outro procurador, Athayde Ribeiro Costa, sugeriu expressamente que a Polícia Federal manobrasse para que a entrevista fosse feita depois das eleiçÔes, jå que não havia indicação explícita da data em que ela deveria ocorrer. Dessa forma, seria possível evitar a entrevista sem descumprir a decisão.


Athayde Costa – 12:02:22 N tem data. So a pf agendar pra dps das eleicoes. Estara cumprindo a decisao
12:03:00 E se forcarem antes, desnuda ainda mais o carater eleitoreiro



Uma coletiva de imprensa, além de diluir o foco da entrevista, ainda traria a vantagem de possivelmente inviabilizå-la operacionalmente, como pontuou o procurador Julio Noronha horas depois. Ele também sugeriu abrir a entrevista a outros presos para reduzir a repercussão:


Julio Noronha – 17:43:37 Como o Lewa já autorizou, acho que só há dois cenários: a) A entrevista só para a FSP, possivelmente com o “circo armado e preparado”; b) tentar ampliar para outros, para o “ciro” ser menor armado e preparado, com a chance de, com a possível confusão, não acontecer.

 

(Quando a entrevista foi finalmente autorizada, em abril passado, a Polícia Federal, agora sob o comando do ministro da Justiça de Jair Bolsonaro, Sergio Moro, o ex-juiz que havia condenado Lula à prisão, tentou transformå-la numa coletiva de imprensa. Um pedido do El País acatado por Lewandowski finalmente pÎs o plano por terra.)

Em nenhum trecho da conversa Dallagnol, que participou de forma ativa das discussÔes, ou qualquer outro procurador, indicou desconforto com as motivaçÔes políticas explícitas das estratégias da acusação. Mais do que isso, esse grupo de Telegram, ativo por meses, sugere que esse tipo de cålculo político era rotineiro nas decisÔes da força-tarefa.

Em um momento, um dos procuradores citou um artigo publicado no site O Antagonista informando que a Procuradora-Geral da RepĂșblica, Raquel Dodge, nĂŁo pretendia recorrer da decisĂŁo autorizando a entrevista. Os procuradores especularam imediatamente sobre as causas da escolha de Dodge:


Jerusa Viecilli – 15:54:27
[…]
Athayde Costa – 17:15:32 Ela ja ta pensando Ă© na indicacao ao STF caso Hadadd ganhe
17:16:01 Absurdo
Laura Tessler – 17:16:03 que palhaçada…adora jogar pra platĂ©ia…quer ganhar o apoio da imprensa ao nome dela



Parte das discussÔes tratava também de vazar uma eventual petição para veículos de imprensa.


Paulo Galvão – 20:09:30 Passaram a petição da entrevista pro antagonista?
20:09:51 Vcs querem passar p globo?



Os procuradores da força-tarefa estavam tão alarmados com a possibilidade de uma entrevista de Lula levar o PT à vitória que compartilharam um artigo irînico do Antagonista. Publicado naquele dia, o texto sugeria que, num eventual governo Haddad, “Lula sai da cadeia e os procuradores da Lava Jato entram no lugar dele”.

Os receios dos procuradores, porĂ©m, foram logo acalmados. Às 22h49 do mesmo dia, o procurador Julio Noronha compartilhou mais uma reportagem do Antagonista, dessa vez com uma boa notĂ­cia: “Partido Novo Recorre ao STF Contra Entrevista de Lula”. Uma hora depois, o clima era de comemoração. O ministro do STF Luiz Fux concedeu uma liminar contra a entrevista, atendendo ao pedido do Partido Novo. Na decisĂŁo, o ministro diz que “se faz necessĂĄria a relativização excepcional da liberdade de imprensa”. JanuĂĄrio Paludo foi taxativo: “Devemos agradecer Ă  nossa PGR: Partido Novo!!!”.

Os procuradores não demonstraram preocupação com o fato de um ministro do STF ter poder para suspender a liberdade de imprensa – ou de que um partido que se diz liberal entrou com um pedido nesse sentido. Pelo contrário, os procuradores comemoraram a proibição.


JanuĂĄrio Paludo – 23:41:02 Eu fiquei sabendo agora…
Deltan – 23:41:32 Rsrsrs
Athayde Costa – 23:42:02 O clima no stf deve ta otimo
Januário Paludo – 23:42:11 vai ser uma guerra de liminares




Por anos, a Lava Jato foi acusada de operar com motivaçÔes polĂ­ticas, partidĂĄrias e ideolĂłgicas, e nĂŁo jurĂ­dicas. A força-tarefa vem negando isso de forma veemente. Agora que suas conversas estĂŁo se tornando pĂșblicas, a população terĂĄ a oportunidade de decidir por si mesma. As discussĂ”es do dia 28 de setembro trazem indĂ­cios significativos de que a força-tarefa nĂŁo Ă© o grupo apolĂ­tico e apartidĂĄrio de luta anticorrupção que os procuradores e seus aliados na mĂ­dia tentam pintar.

Ao contrårio do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentårios de procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para evitar que eles atuassem para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias, que atualizaremos com os comentårios assim que forem recebidos.

Atualização

A força-tarefa da Lava Jato no MinistĂ©rio PĂșblico Federal emitiu trĂȘs notas apĂłs a publicação da reportagem. Nelas, dedicou especial atenção Ă  “ação criminosa de um hacker que praticou os mais graves ataques Ă  atividade do MinistĂ©rio PĂșblico, Ă  vida privada e Ă  segurança de seus integrantes” e disse que “entende que a prisĂŁo em regime fechado restringe a liberdade de comunicação dos presos, como jĂĄ manifestado em autos de execução penal, o que nĂŁo se trata de uma questĂŁo de liberdade de imprensa”. “O entendimento vale para todos os que se encontrem nessa condição, independentemente de quem sejam.”
 
TambĂ©m em nota, o ministro Sergio Moro disse que “nĂŁo se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matĂ©rias”. O Intercept refuta a acusação de sensacionalismo e informa que trabalhou com rigor para que todas as conversas fossem reproduzidas dentro do contexto adequado.

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